A tarefa de encabeçar a resposta a Bolsonaro cabe à esquerda e é intransferível. A esquerda deve exigir de todos os partidos que se posicionem, inequivocamente, contra a ameaça neofascista.
Por Valério Aracay
O elemento chave que define o novo momento da conjuntura foi
a decisão de Bolsonaro de se unir à convocação de manifestações de
massas contra o Congresso e o STF. Esta iniciativa significa um desafio
frontal às instituições do regime, portanto, uma medição de forças com a
maioria dos partidos de direita e centro-direita no Congresso que
garantiu, até agora, a aprovação dos principais projetos do governo,
como a reforma da Previdência, além de um desafio ao Supremo Tribunal
Federal (STF).
O conflito em torno da possível derrubada na Câmara dos
Deputados do veto de Bolsonaro ao orçamento impositivo foi somente o
gatilho do novo momento político. Se foi assim, sejamos claros. A
situação é tão reacionária que a chave do novo momento é uma disputa
entre um governo de extrema-direita e a maioria de centro-direita que,
para o fundamental, garantiu que os projetos do governo Bolsonaro fossem
aprovados. Não se trata de um enfrentamento de Bolsonaro com a oposição
de esquerda, com a resistência popular, mas um conflito de
reposicionamento de forças dentro do bloco que apoia o projeto de
recolonização.
A questão central para a esquerda é saber se há ou não um
perigo real de um autogolpe em construção, ou de um golpe dentro do
golpe. Se ela obedece a um plano calculado, minuciosamente, ou foi um
improviso, se será sustentada até o fim ou haverá recuo, não podemos
saber. Mas é, de qualquer forma, muito sério. O projeto estratégico da
ala neofascista de Bolsonaro é uma subversão autoritária do regime
democrático-liberal, tal como foi consolidado, nos últimos trinta e
cinco anos.
Existe um plano contrarrevolucionário que é, para a ala
neofascista, indivisível das transformações econômico-sociais que estão
em marcha com os ajustes dirigidos por Guedes. A tática de se apoiar na
mobilização de massas para abrir o caminho e conquistar plenos poderes
desafiando as instituições do regime não é um blefe. Poderão ou não
recuar desta iniciativa do próximo 15 março, dependendo da força da
reação, mas não deixarão de testar até o limite máximo a possibilidade
de levar seu projeto adiante.
Haverá uma inescapável medição de forças com a ala
neofascista no próximo mês de março. Esta é a questão central de máxima
gravidade para todos os partidos da esquerda brasileira. Desde 2015, tem
prevalecido uma subestimação da audácia das forças da extrema direita.
Esta desvalorização do perigo só pode ser explicada como consequência de
uma triste e catatônica adaptação ideológica às instituições
parlamentares do regime eleitoral. Evidentemente, a esquerda deve chamar
todos os que têm algum compromisso com as liberdades democráticas a
sair juntos às ruas. Ma não serão Maia, Toffoli ou Celso de Mello quem
irão deter Bolsonaro. Sem mobilização popular de massas Bolsonaro e seu
governo não serão derrotados. Mais uma vez o perigo de um “inverno
siberiano” bate nas nossas portas.
Sempre que ocorre uma mudança brusca na situação política é
natural que se precipite alguma crise, em maior ou menor grau, nas
organizações de esquerda. Em algumas mais do que em outras, mas ninguém é
poupado de debates, polêmicas, discussões. Porque é necessário explicar
os fatores que a provocaram, a nova dinâmica, seus possíveis
desdobramentos, os cenários previsíveis. E, sobretudo, se coloca o
problema chave do que fazer. Porque a análise deve ser boa ciência, mas o
ajuste da tática política exige um pouco de arte.
Análise é ciência porque deve estar ordenada por um método.
Separar os elementos do todo, considerar a evolução da dinâmica
anterior, avaliar qual é o maior perigo, ponderar se os inimigos
conseguiram agrupar mais forças ou perderam aliados, identificar quem
está se fortalecendo, enfim, estudar os distintos terrenos em que a luta
se dará, e tentar prever os desdobramentos, os próximos movimentos e
iniciativas, antes de decidir o que fazer.
A política envolve sempre a decisão de correr riscos. Eles
devem ser bem calculados, mas será fatal se não houver uma resposta à
altura nas ruas dias 8, 14 e 18 de março. Existe crise na esquerda
porque há uma acomodação política que se alimenta da ilusão de que as
instituições do regime, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal
serão capazes de frear a fúria bonapartista. Subestima-se o grau de
apoio que Paulo Guedes conquistou na burguesia brasileira. A tarefa de
encabeçar a resposta a Bolsonaro cabe à esquerda e é intransferível. A
esquerda deve exigir de todos os partidos que se posicionem,
inequivocamente, contra a ameaça neofascista.
Chegou a hora de fechar os punhos e se preparar para a
luta. Chegou a hora de dizer basta. Vai ser nas ruas a medição de
forças. E podemos vencer. Temos que chamar às ruas com vontade de
vencer.