Tenho vergonha de dizer que sou juiz, mas não perco a garra, não abandono minhas ilusões e nem me dobro ao cansaço. Não me aparto da justiça que se encontra no horizonte, ainda que ela se distancie de mim a cada passo que dou em sua direção, porque eu a amo e vibro ao vê-la em cada despertar dos meus concidadãos para a labuta diária e porque o caminhar em direção a ela é que me põe em movimento.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz. E não preciso dizê-lo. No
fórum, o lugar que ocupo diz quem eu sou; fora dele seria exploração de
prestígio. Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque não o sou.
Apenas ocupo um cargo com este nome e busco desempenhar responsavelmente
suas atribuições.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, pois podem me perguntar sobre bolso nas togas.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e demonstrar minha incompetência
em melhorar o mundo no qual vivo, apesar de sempre ter batalhado pela
justiça, de ter-me cercado de gente séria e de ter primado pela ética.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que confessar minha
incompetência na luta pela democracia e ter que testemunhar a derrocada
dos valores republicanos, a ascensão do carreirismo e do patrimonialismo
que confunde o público com o privado e se apropria do que deveria ser
comum.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que responder porque –
apesar de ter sempre lutado pela liberdade – o fascismo bate à nossa
porta, desdenha do Direito, da cidadania e da justiça e encarcera e mata
livremente.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque posso ser lembrado da
ausência de sensatez nos julgamentos, da negligência com os direitos dos
excluídos, na demasiada preocupação com os auxílios moradia,
transporte, alimentação, aperfeiçoamento e educação, em prejuízo dos
valores que poderiam reforçar os laços sociais.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser confrontado com
a indiferença com os que clamam por justiça, com a falta de
racionalidade que deveria orientar os julgamentos e com a vingança
mesquinha e rasteira de quem usurpa a toga que veste sem merecimento.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser lembrado da
passividade diante da injustiça, das desculpas para os descasos
cotidianos, da falta de humanidade para reconhecer os erros que se
cometem em nome da justiça e de todos os “floreios”, sinônimos e figuras
de linguagem para justificar atos abomináveis.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque faço parte de um Poder do
Estado que nem sempre reconheço como aquele que trilha pelos caminhos
que idealizei quando iniciei o estudo do Direito.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque tenho vergonha por ser
fraco, por não conhecer os caminhos pelos quais poderia andar com meus
companheiros para construir uma justiça substancial e não apenas formal.
E são muitos os juizes que igualmente desejam construí-la
substancialmente.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, mas não perco a garra, não
abandono minhas ilusões e nem me dobro ao cansaço. Não me aparto da
justiça que se encontra no horizonte, ainda que ela se distancie de mim a
cada passo que dou em sua direção, porque eu a amo e vibro ao vê-la em
cada despertar dos meus concidadãos para a labuta diária e porque o
caminhar em direção a ela é que me põe em movimento.
Acredito na humanidade e na sua capacidade de se reinventar, assim
como na transitoriedade do triunfo da injustiça. Apesar de testemunhar o
triunfo das nulidades, de ver prosperar a mediocridade, de ver crescer a
iniquidade e de agigantarem-se os poderes nas mãos dos inescrupulosos,
não desanimo da virtude, não rio da honra e não tenho vergonha de ser
honesto.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz em razão das minhas fraquezas
diante da grandeza dos que atravancam o caminho da justiça que eu
gostaria de ver plena. Mas, eles passarão!
João Batista Damasceno ocupa o cargo de juiz de direito no
tribunal de justiça do Estado do Rio de Janeiro. É doutor em Ciência
Política.
Fonte Resistência Lírica
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