O fato é que as esquerdas conseguem mobilizar apenas militantes. São inapetentes em propor algo que aglutine, ao menos uma parte, da imensa maioria social que rejeita o governo. Nas eleições municipais preferiram alimentar a velha síndrome de Caim do que unir-se para enfrentar o avanço do conservadorismo.
GGN
por Aldo Fornazieri
Mesmo antes que se completasse um mês de duração do governo ilegítimo
de Michel Temer o mundo aventureiro e irresponsável das elites e de
seus consultores chegou à conclusão desalentadora de que nenhuma das
reformas almejadas pelo conglomerado golpista será realizada. Os
movimentos protelatórios começaram ainda na época da interinidade:
prometia-se o céu com a aprovação definitiva do impeachment. Consumado o
golpe, as injunções da conjuntura jogaram as promessas de propostas
para depois das eleições. Avizinhando-se a data das eleições, agora as
coisas estão ficando para 2017, 2018 e para 2019. Ou seja: para o futuro
governo. A única reforma efetivamente encaminhada, a do Ensino Médio,
se revelou coisa de governo autoritário no método e desastrosa no
conteúdo.
Impopular, ilegítimo, com uma série de citações, junto com seus
pares, nas delações da Lava Jato, Temer não mostrou ser o político
habilidoso de que se cantava em prosa e verso. Parte do seu ministério
inicial caiu sob o golpe de denúncias. O ministério atual prima pelas
declarações desastrosas, pelos desmentidos subsequentes, pela
irrelevância de muitos ministros, pelas pessoas inadequadas em pastas
altamente sensíveis para a sociedade. A parte da sociedade que foi
contra o afastamento de Dilma hostiliza abertamente o atual governo. E
quem era contra a Dilma, também não o quer. Como já se afirmou em outro
artigo, é um governo que será abandonado paulatinamente porque dele não
emerge nenhuma perspectiva de poder futuro. Os aliados de ocasião e de
oportunismo, o deixarão pelo caminho.
Mas o processo do golpe criou uma degradação muito mais grave no
mundo da política brasiliense: o fim das fidelidades, a propensão para
as traições, o esgueirar-se nas sombras das desconfianças. Convêm
lembrar que partidos e políticos que estavam no governo Dilma até às
vésperas do fatídico dia 17 de abril, abandonaram o barco para votar
pela abertura do processo de impeachment. Recentemente, os pelotões
combativos de Eduardo Cunha o abandonaram no meio do nada, estimulados
pelo próprio governo que o ex-presidente da Câmara ajudou a esculpir.
Nada de digno, honroso e grandioso se construirá com uma política
orientada por esses valores. O mundo da política brasiliense tem a mesma
tez moral do mundo do juiz Moro: a traição como forma de se manter no
poder ou de se livrar da cadeia. É uma moral muito mal-cheirosa.
Com essas circunstâncias, o governo Temer não tem condições morais e
políticas de exigir sacrifícios da sociedade e dos trabalhadores.
Consequentemente, não tem condições de cobrar fidelidade dos aliados.
Por que os aliados no Congresso sacrificariam seus interesses eleitorais
por um governo inviável? Ainda mais se levando em conta que esse
governo emergiu como expressão da infidelidade e da traição.
Dado este cenário de desalentos, parte da elite já pensa em operar
Temer do poder. Ou seja: afastá-lo. O caminho mais fácil seria via a
ação movida pelo PSDB no Tribunal Superior Eleitoral contra a chapa
Dilma-Temer. O fracasso do governo Temer seria altamente problemático
para as forças que o colocaram no poder quando se olha para 2018. As
desculpas de que as mazelas foram provocadas pelo governo Dilma não se
sustentam. Ocorre que tiraram a Dilma em nome da salvação do país. Além
da inviabilidade das reformas e do próprio governo, alguns setores das
elites se preocupam com a possibilidade do recrudescimento da
radicalização política após as eleições.
Assim, no rastro da ideia de operar Temer a frio, por um tribunal,
sem embate político, no início de 2017, surgem especulações acerca de
nomes que poderiam ser eleitos indiretamente pelo Congresso, por força
da Constituição. Os dois nomes mais citados são os de Henrique Meirelles
e Nelson Jobim, ambos com bom trânsito no PMDB, no PSDB e no PT.
Poderia surgir a ideia de um governo de transição, com um pacto
predefinido em torno de pontos programáticos para chegar até 2018. Já
que o governo Temer não é paz, uma das tarefas do governo de transição
seria apaziguar o país. Nenhuma reforma que provocasse grandes tensões
seria votada. A principal tarefa desse governo consistiria em assegurar
um mínimo de governabilidade e paz e aplainar o terreno para que em 2018
houvesse uma eleição tranquila. Esse governo se colocaria à margem
daquela disputa. Mesmo assim, se esta saída se viabilizar, não deixaria
de ser um pacto das elites, uma “transição transada”.
A evanescência da esquerda
Em que pese a rejeição popular ao governo Temer e o potencial de luta
de jovens, mulheres e alguns movimentos sociais, a exemplo do MTST, a
esquerda organizada continua vivendo em um estado fugaz, de tibieza, de
instabilidade, entre o lusco fusco do existir e do dissolver. Mesmo no
alto da sua arrogância, parece não saber o que quer. Alimenta medo até
mesmo do “Fora Temer e Diretas Já”. Não há centralidade de lutas,
plataformas unificadoras, unidade de ação. Convoca-se uma greve geral
que não é greve geral. Os atos de rua convocados pelas frentes primam
pela confusão. Os “exércitos do Stédile” não têm generais. As
“trincheiras” do presidente da CUT não têm soldados.
O fato é que as esquerdas conseguem mobilizar apenas militantes. São
inapetentes em propor algo que aglutine, ao menos uma parte, da imensa
maioria social que rejeita o governo. Não conseguem propor um movimento
de desempregados ou um movimento pelo emprego. Nas eleições municipais
preferiram alimentar a velha síndrome de Caim do que unir-se para
enfrentar o avanço do conservadorismo. Podem ficar de fora do segundo
turno em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte, para
citar quatro casos emblemáticos. Se não houver uma reviravolta na reta
final da campanha, sairão massacradas das eleições.
O PT, imperturbável na sua desgraça, se alimenta de uma grande ilusão
em relação a 2018: acredita que será herdeiro automático do fracasso do
governo Temer. Na verdade, o jogo será bem diverso e as eleições
municipais já indiciam o caminho. No rastro do colapso do sistema
partidário, o eleitor se refugia nos indivíduos. Busca candidatos de
perfil pragmático, antipolítico e moralista. O futuro a estes pertence. É
por isto que João Doria, Russomando, Crivella, João Leite se destacam
nas eleições. Por pragmático e pouco afeito as querelas partidárias, o
governador Alckmin poderá ter sua vez em 2018. Mas algo pior poderá
acontecer: a viabilização de um candidato truculento como Bolsonaro ou o
surgimento de uma espécie de moralizador a la Deltan Dallagnol ou juiz
Moro. Para os próximos longos anos, o futuro do Brasil tende a ser
dominado por políticos desse perfil, já que o sistema partidário se
deixou destruir e se autodestruiu. Não há nenhuma certeza de que a
dignidade da política será resgatada nos anos vindouros.
Aldo Fornazieri – Professor de Filosofia Política.
Fonte GGN
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