Governo venceu primeira batalha para aprovar congelamento dos gastos públicos. Mas um mergulho no Orçamento da República desmente, uma a uma, suas teses. País não está quebrado. Gasto social cresceu, mas ainda é reduzido. PEC tira da Educação e Saúde, e engorda os milionários
[A seguir, o texto do vídeo]
Segunda-feira, 10 de outubro de 2016. Muito bom dia. Este é mais um vídeo experimental de Outras Palavras, hoje
com um tema especial. Vamos debater a PEC-241, que entra em votação na
Câmara dos Deputados. Mas, para fazê-lo, convidamos você a examinar
conosco um documento de extrema importância, nunca debatido claramente
pela velha mídia. Trata-se do Orçamento da República. Ele é uma espécie
de radiografia das políticas públicas e das ações do Estado brasileiro.
Numa democracia verdadeira, sua análise deveria ser matéria básica nas
escolas de Ensino Médio. No entanto, ele é tratado ou como um segredo,
ou como um saber hermético, acessível apenas para notórios
especialistas. É o que está acontecendo neste exato momento.
Aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 é o grande
objetivo do governo Temer em 2016. Em alguns aspectos, este governo é
mais frágil que às vezes pensamos. Ele já adiou para 2017 a tramitação
do aumento da idade mínima para aposentadoria, a Contra-Reforma da
Previdência. Ele não sabe ainda por que meios atacar os direitos
trabalhistas e a CLT. Ele preferiu concentrar-se na PEC-241, por dois
motivos. Primeiro, tratar de um tema menos conhecido pela sociedade.
Segundo, porque por trás desta Proposta está embutida uma narrativa
tenebrosa – e manipuladora – sobre a situação do país. Fala-se que
estamos quebrados. Argumenta-se que a causa do desastre foram as
políticas praticadas a partir de 2003, quando houve uma pequena melhora
nas condições de vida da maioria. Conclui-se que, para nos livrarmos do
pior, será necessário um período de sacrifícios, no qual as políticas
anteriores serão revertidas. Ao final, garante-se, o país estará saneado
e novamente pronto para crescer e gerar empregos. Todos estes
argumentos são falsos, como você verá, com base nos próprios números
oficiais e num conjunto de gráficos e tabelas.
O argumento central do governo Temer e dos economistas conservadores
que o apoiam é o aumento da dívida pública. “Um país é como uma
família”, disse o ministro Henrique Meireles, em cadeia nacional de TV:
“não pode gastar mais do que ganha”. De tanto viver acima de suas
possibilidades, o Brasil estaria hoje muito endividado, a ponto de
quebrar. Vamos examinar concretamente esta afirmação.
O gráfico a seguir mostra da evolução da Dívida Pública brasileira,
nos dois últimos anos. Ela realmente cresceu, chegando hoje a R$ 4,2
trilhões. Este número, por si mesmo, diz pouco. A dívida é alta? É
baixa? Para mensurar melhor seu significado, os economistas normalmente
preferem um outro indicador: a relação entre a dívida e o PIB. É, de
fato, um dado melhor. Usando a analogia do ministro Meireles, o que
importa, para uma família ou um país, não é o valor absoluto da dívida,
mas quanto ela representa em relação aos rendimentos do endividado.
Segundo este critério mais relevante, verificamos que a dívida
manteve-se praticamente estável, de 2006 a 2014. Ficava em torno dos 55%
do PIB, com pequenas oscilações para cima ou para baixo. A piora começa
no segundo mandato da presidente Dilma, em 2015. A dívida, que havia se
mantido estável por oito anos, sobe para 68,8% do PIB menos de um ano e
meio depois, quando a presidente foi derrubada. Com Temer, continuou
crescento: está hoje em 70,1% do PIB.
Significa que o país está quebrado? É duvidoso. Nosso segundo gráfico
compara nossa dívida atual com o que ela representava no final do
governo Fernando Henrique Cardoso: 81% do PIB, em setembro de 2017.
Comparemos também com outros países. Nos Estados Unidos, a dívida é de
101% do PIB. Na Itália, 132,7%. Na Zona do Euro, em seu conjunto, 90,7%.
No Japão, 229,2%. Você ouviu falar que algum destes países – todos com
dívidas muito maiores que a brasileira – está em situação catastrófica?
Algum jornal ou TV já acusou o ex-presidente FHC de irresponsabilidade
fiscal?
Os reais interesses por trás do discurso do país
quebrado vão começar a aparecer agora. Qual a receita do governo Temer
para reduzir a dívida brasileira? Cortar despesas sociais, como Saúde,
Educação, Transportes Públicos, direitos previdenciários e em
infra-estrutura: redes de esgoto, despoluição de rios, geração de
energia, rodovias, ferrovias, portos, aeroportos. A PEC-241 estabelece
uma medida drástica, nunca antes adotada pelo país. Se ela for aprovada,
estes gastos ficarão congelados por vinte anos. Poderão ser reajustados
– se tanto – apenas segundo a inflação. Não importa se a população
crescer, ou se futuros governos quiserem investir mais no social. Os
cinco próximos presidentes da República estarão condenados a viver sob
congelamento. O deputado Elvino Bohn Gass calculou, num outro vídeo
didático: as perdas poderão ser de R$ 703 bilhões só em três áreas:
Saúde, Educação e Agricultura Familiar.
Mas vamos checar se há lógica no argumento do governo,
de que o corte de gastos sociais poderá reequilibrar as finanças
públicas. Examinemos, primeiro, a evolução destes gastos. O estudo mais
completo a este respeito é, provavelmente, um trabalho da Secretaria do
Tesouro Nacional do ministério da Fazenda, elaborado por uma equipe de
onze especialistas e concluído este ano. Está disponível aqui.
O trabalho da secretaria do Tesouro Nacional classificou
sete destinações do gasto social: Assistência Social, Educação e
Cultura, Organização Agrária, Previdência Social, Saneamento Básico e
Habitação, Saúde e Trabalho e Emprego. Analisou a evolução dos gastos em
cada uma destas rubricas, entre 2002 e 2015. E concluiu que houve, de
fato, elevação real.
Veja no gráfico. Em conjunto, o gasto social da
república avançou, no período, de 12,8% do PIB para 17,5% – um aumento
de 4,7 pontos percentuais. Esta evolução reflete as políticas sociais
dos governos Lula e Dilma. Criou-se o Bolsa Família. Houve aumento real
do salário mínimo, que melhorou as aposentadorias e pensões. Foram
criadas 18 universidades públicas. Centenas de milhares de famílias
colocaram, pela primeira vez, um filho ou filha no ensino superior. O
SUS continuou a executar programas pioneiros, como a distribuição
gratuita de medicamentos a todos os portadores de HIV, e a realizar as
cirurgias e procedimentos complexos – inclusive transplantes – que os
planos de saúde privados não fazem. Tudo isso custa dinheiro e o Brasil
está ainda muito distante de outros países. Na França, por exemplo, o
equivalente ao Bolsa Família paga a cada pessoa ou família, por mês,
entre 514 e 1079 euros – de R$ 1850 a R$ 3890 – a depender do número de
filhos. Na maioria dos países europeus, e no Japão, o ensino da melhor
qualidade é público e gratuito: os filhos dos pobres frequentam o mesmo
tipo de escola dos filhos dos seus patrões.
Vamos comparar agora o gasto social – que será atingido
pela PEC-241 – com outra despesa, não tocada pela Proposta. Estamos
falando do pagamento de juros, pela República. Este gasto tem natureza
diferente. Ele não coloca uma única carteira a mais, em sala de aula, ou
um leito em hospital público. Não alivia o drama dos desempregados. Não
ajuda o pequeno agricultor a alimentar os brasileiros. Não corrige o
valor do bolsa-família nem das aposentadorias. Não ergue uma ponte, não
instala um cano de esgoto. Ele se destina unicamente a engordar a
riqueza de quem (menos de 1% da população) já tem tanto dinheiro que
aplica o que sobra em papéis do governo – e ganha muito com isso.
Faça as contas, na ponta do lápis. Se a dívida pública
chegou a 70,1% do PIB e se a taxa de juros paga pelo governo federal é
de 14,25%, isso significa que pagamos à aristocracia financeira 10,11%
do PIB. É mais do dobro de todo o aumento do gasto social (4.7% do PIB)
ocorrido em treze anos. São 3,7 vezes o que investimos em Educação e
Cultura, cinquenta vezes mais que os gastos em Reforma Agrária, vinte
vezes mais que em Saneamento, cinco vezes a Saúde, oito vezes a promoção
de Trabalho e Emprego.
Num dos próximos programas, você verá que a analogia do
ministro da Fazenda é simplória. A contas públicas de um país não podem
ser comparadas às de uma família. Mas, por enquanto, vamos aceitar o
argumento de Henrique Meireles. Se a MP-241 fosse aplicada a uma
família, significaria congelar a compra de livros, a reforma ou o
puxadinho na casa, os exames médicos da mãe e a compra de ferramentas
para a oficina mecãnica que o filho está abrindo. Tudo isso, para
preservar a jogatina do pai.
Ou, na verdade, para preservar aqueles que ganham com a
jogatina do pai. Segundo a lógica da MP-241, os gastos sociais precisam
ser cortados para que continue de pé a ética bizarra da acumulação
financeira. Ela rejeita a colaboração, a coletividade, a alegria
compartilhada. Suas marcas são o egoísmo, a competição, o suposto
vencedor individual. Seus heróis são gente como Jorge Paulo Lehmann, o
grande bilionário brasileiro, que segundo a revista Forbes Brasil é um
gênio, porque ganha, por hora, R$ 2,26 milhões. São cerca de 15 mil
bolsas famílias, ou 50 casas populares.
Se servir a esta lógica ao menos ajudasse a evitar a
quebra do Brasil, talvez valesse a pena aceitá-la. Mas no programa de
amanhã, você verá, com dados tão eloquentes como os de hoje, que não é
assim. Se aceitar a MP-241, o país não praticará apenas uma grande
injustiça. Ele mergulhará numa espiral descendente que só produz mais
crise – embora enriqueça, sem parar, a aristocracia financeira de gente
como Jorge Paulo Lemann.
Fonte Outra Palavras
EM POUCAS HORAS OS GOLPISTAS DESTRUÍRAM O QUE LEVAMOS TRINTA ANOS PARA CONQUISTAR.
NO SEGUNDO TURNO NÃO VOTE EM CANDIDATOS DOS PARTIDOS E COLIGAÇÕES QUE DESTROEM O ESTADO SOCIAL BRASILEIRO APROVANDO A PEC 241, A PEC DA MALDADE
NÃO VOTO EM GOLPISTAS
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