
A politica de Interesses
"A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse. A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva. À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade". (Eça de Queiroz, in 'Distrito de Évora)
Albano promete julgamento concomitante
Presidente eleito do Tribunal de Contas do Estado afirma foi uma infelicidade o julgamento das contas do vereador Lutero Ponce (PMDB)
ENTREVISTA
ALEXANDRE APRÁ
Da Reportagem
Eleito por unanimidade presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, para o biênio 2010/2011, o conselheiro Valter Albano garante que a instituição vai acirrar a chamada “fiscalização concomitante” nos órgãos públicos estadual e municipais. Isso significa que o TCE, segundo ele, vai atuar e agir no próprio exercício do gestor, ao contrário do julgamento de contas realizado no ano subsequente. A posse de Albano acontece em janeiro.
Destacando a necessidade de se implementar o perfil técnico do Tribunal, Valter Albano diz concordar com o atual modelo de escolha dos conselheiros que compõem o Pleno. No entanto, afirma que a sociedade deve analisar se as indicações feitas pela Assembleia Legislativa e pelo governo do Estado foram bem-feitas.
Sem nenhum constrangimento, ele reconhece que parte da sociedade ainda vê a instituição com desconfiança, mas garante que os resultados positivos vão se encarregar de mudar a imagem do órgão. Ele também reconhece que a aprovação das contas da Câmara Municipal de Cuiabá, na gestão do vereador Lutero Ponce, contestada pela Polícia Civil e Ministério Público, foi uma “infelicidade”. “Fica a lição de que o nosso julgamento deve ser técnico”, arremata.
Diário de Cuiabá – Conselheiro, quais são as principais metas e prioridades da sua gestão frente ao Tribunal de Contas?
Valter Albano – Nós temos já um planejamento estratégico do Tribunal que vai de 2005 a 2011. E ele já teve duas de suas partes cumpridas: o 2006/2007 e o 2008/2009, que está sendo cumprida agora. E a terceira é uma fase de consolidação dos projetos e dos instrumentos de controle externo que o Tribunal desenvolveu nesse período. O nosso foco estratégico é consolidar o controle externo concomitante, que é a fiscalização exercida ao tempo em que os atos de gestão praticados. Manter e elevar as nossas metas em relação ao julgamento das contas: 100% delas continuarão sendo julgadas até o final do ano subsequente concluído. Só que, desta vez, com mais celeridade. Porque ao fazer a auditoria concomitante nós temos condições de acelerar o julgamento. Nós vamos focar a melhoria da qualidade do serviço de auditoria, de inspeção, porque nós temos auditores mais antigos, outros mais novos de ingressos. A temática das contas públicas é muito diversa. Então, vamos desenvolver um projeto de capacitação continuada, que já existe no Tribunal de Contas, mas nós vamos focar naquilo que nós chamamos de capacitação temática e dirigida. Ou seja, cada profissional do controle externo terá um tratamento personalizado para colocá-lo num patamar e igual a todos, de modo que o trabalho da auditoria seja a grande matéria-prima de um julgamento técnico e justo.
Diário – Cada vez mais o TCE analisa os resultados práticos da gestão dos órgãos públicos. No caso das prefeituras, por exemplo, os índices alcançados nas áreas da educação e saúde, além dos balancetes de gestão. Isso vai continuar?
Albano – É o nosso objetivo estratégico número um. Nós reconhecemos que a Constituição e as leis brasileiras delegam aos tribunais de contas uma missão de contas de cumprir a matéria da legalidade. Isso é um pressuposto. Nós, do TCE de Mato Grosso, estendemos que isso não é suficiente. É preciso verificar se os recursos públicos, aplicados legalmente, geraram um resultado que satisfaz a sociedade. A sociedade só quer uma coisa, um serviço público de qualidade, e quer que a administração pública promova a “alavancagem” do desenvolvimento, principalmente no campo da empregabilidade. Ela não quer saber qual instituição é responsável. Nossa instituição é responsável por controle externo. Então, o controle externo só é útil, no nosso entendimento, se respeitar a legalidade e o resultado das políticas públicas. Esse trabalho já foi iniciado em 2008 e foi continuado em 2009. Hoje analisamos as políticas públicas da educação e saúde. E no ano que vem vamos ampliar para pelo menos cinco áreas: saúde, educação, transporte, segurança e renda.
Diário – As multas aplicadas aos gestores são revertidas ao Fundo de Modernização do Tribunal de Contas. Quanto se arrecada e onde é empregado esse recurso?
Albano – Multa não é objetivo. É resultado. É uma penalidade prevista em lei que, quando o gestor descumpre determinadas regras e normas, ele recebe essa penalidade. Mas, uma vez atribuída a penalidade, ele entra para o Fundo de Modernização do Tribunal de Contas. Então, é revertido para este fim, o de modernização: capacitação profissional, aquisição de tecnologia e aquisição de instrumentos de trabalho. Principalmente, equipamentos de tecnologia. O dinheiro não tem outra destinação até porque é proibido por lei.
Diário – Qual o orçamento previsto para o ano que vem? Alguns órgãos, como o Ministério Público Estadual, sempre questionam o valor repassado ao TCE. O senhor acha que é um valor justo?
Albano – Esse debate aconteceu há uns três anos. Naquela ocasião, o orçamento do TCE era um pouco menor do que do Ministério Público. Hoje, a diferença é substancial. Neste ano, o Tribunal deve fechar o orçamento em R$ 113 ou R$ 114 milhões e o orçamento do MPE já passou dos R$ 150 milhões. E isso é bom. Porque nós entendemos que o Tribunal de Contas deve dar uma contribuição para o Estado e, ao longo do tempo, custar cada vez menos e realizar um trabalho cada vez melhor. Só que há um equívoco nesse debate. De dizer que o Ministério Público tinha sua presença nas comarcas e o Tribunal de Contas, não. Porque o trabalho dele é diferenciado. Mas, nós temos aqui em torno de 300 profissionais de controle externo, entre auditores públicos externos e técnicos instrutivos e de controle. Todos eles são profissionais autônomos. Todos têm autonomia constitucional para dar seus pareceres e apresentarem relatórios técnicos. Esse conjunto de técnicos oferece a matéria-prima para os conselheiros analisarem e levarem ao Tribunal Pleno o julgamento de mais de 650 organizações estaduais e municipais, abarcando em torno de R$ 12 a R$ 13 bilhões sobre a responsabilidade de fiscalização. Eu entendo que hoje é possível dizer que o custo do Tribunal é bem proporcional a sua utilidade.
Diário – Há uma proposta em tramitação no Congresso Nacional, de autoria da senadora mato-grossense Serys Slhessarenko (PT), que prevê a extinção dos tribunais de contas de todo o País. Como o senhor avalia a proposta?
Albano – Tomei conhecimento há poucos dias da proposta da senadora Serys, que prevê extinguir todos os tribunais de contas estaduais, inclusive o da União. E ela propõe que sejam constituídas auditorias vinculadas ao Poder Legislativo: Câmara Federal no âmbito da União, assembléias legislativas e câmaras de vereadores nos âmbitos estaduais e municipais. Eu entendo que a proposta dela não tem uma substância institucional que possa merecer uma apreciação positiva. Se alguém entende que alguns tribunais não cumprem os seus objetivos, eu acredito que a proposta deveria ser no sentido de melhorar esses tribunais de contas. Porque nenhuma apreciação de contas pode ter a imparcialidade necessária se ela não for feita por uma entidade autônoma e independente. Com todo o respeito ao Poder Legislativo tanto federal como estadual e municipal, nós entendemos que o papel principal do Legislativo é um papel político, o papel de votar e apreciar as leis, trabalhar como fiscalizador no plano das contas do governo, político, programático. Já o Tribunal de Contas tem o papel de fazer um julgamento técnico. E, no meu modo de ver, esse papel é insubstituível. Portanto, acho que toda proposta que vem para melhorar a qualidade do trabalho do Tribunal de Contas deve ser bem-vinda. Mas, no sentido de extingui-lo, penso que não é um valor que a República mereça.
Diário – Uma parcela da população não tem uma boa impressão sobre o Tribunal de Contas. Alguns entendem que o órgão serve de cabide de emprego e asilo político dos conselheiros. O senhor acha importante realizar campanhas publicitárias institucionais ou os próprios resultados podem melhorar a imagem da instituição ao longo do tempo?
Albano – Eu entendo que a melhor campanha é o seu produto. Se o Tribunal de Contas trabalhar como vem fazendo o Tribunal de Mato Grosso nos últimos anos, de maneira muito concentrada, cada vez mais de forma técnica, abarcando aspectos jurídicos em toda a sua abrangência e que o julgamento seja justo no sentido de que ele corresponda a todas as dimensões naquilo que a Constituição prevê, eu acredito que o produto trabalhe por si só. Mas, é importante também conversar com a sociedade, mostrar o que é a instituição, para que serve, quais são os seus produtos, para que ela também possa confiar no Tribunal de Contas. Eu posso afirmar com bastante segurança que essa visão que parcela da sociedade ainda tem sobre o Tribunal de Contas de Mato Grosso ela já não corresponde mais à realidade. Os conselheiros, quando tomam posse, indicados pelos poderes Legislativo e Executivo, já constatam a grande responsabilidade que têm, que é julgar contas públicas. E esse trabalho vem melhorando na sua qualidade de uma forma muito acelerada. O Tribunal de Contas de MT é um bom exemplo nesse sentido. Mas, mostrando os produtos à sociedade, eu creio que ela vai começar a entender. Pelas pesquisas que realizamos já constatamos que 48% a 50% da sociedade já conhece o TCE sobre os seus deveres e seus produtos. Isso era 10% há anos atrás.
Diário – Um grande passe do TCE foi o fortalecimento do Ministério Público de Contas, no que diz respeito à nomeação dos procuradores por concurso público. Mas, muitos questionam o sistema de nomeação dos conselheiros. O senhor concorda com os atuais critérios para a escolha dos conselheiros?
Albano – Eu concordo. Creio que esse sistema, sendo como é, misto, acaba sendo mais representativo da sociedade. Por que? Porque sete dos conselheiros, quatro deles são indicados pela Assembleia Legislativa, que tem, no caso de Mato Grosso, 24 deputados que representam o povo. Outros três são escolhidos pelo governo do Estado, sendo dois escolhidos entre auditores substitutos ou membros do Ministério Público, ou seja, são de carreira. Então, ele escolhe um com liberdade e dois são servidores de carreira. Há um equilíbrio entre quem vem de concurso e quem vem da experiência da vida pública. Então, acho que esse modelo é muito bom. A questão que a sociedade tem que analisar é a seguinte: será que a escolha da Assembleia Legislativa, pelos deputados, e do governo do Estão, pelo governador, são bem-feitas? Isso deve ser analisado. Então, foi escolhido o conselheiro Valter Albano indicado pelo governador do Estado, à época. Foi uma escolha bem-feita? Essa questão deve ser debatida sem nenhuma dúvida. Mas o modelo, que é usado no mundo inteiro, acho que ele é muito mais democrático e representativo do que o concurso, por exemplo.
Diário – Recentemente, o caso da aprovação das contas da Câmara Municipal de Cuiabá, sob a gestão do vereador Lutero Ponce (PMDB), colocou a atuação do Tribunal de Contas em xeque, já que graves irregularidades foram constatadas por uma auditoria interna independente e confirmadas pela Delegacia de Polícia Fazendária. O senhor foi o relator das contas, votou pela rejeição, mas o Pleno entendeu diferente. O senhor concorda que isso desgasta o TCE?
Albano - Eu confirmo. Eu entendo que enfraquece e desvaloriza, sim. O Tribunal de Contas, no ano de 2008 em relação a 2007, julgou em torno de 6 mil processos de contas de toda natureza. Um deles, que foi o da Câmara de Cuiabá, o julgamento final não correspondeu ao que foi conduzido pela equipe técnico, a equipe auditora e pelo próprio relator. A sociedade deve lembrar que a equipe auditoria procedeu um levantamento completo, inclusive com detalhes das empresas fornecedoras. Eu votei pela rejeição, mas o plenário entendeu diferente. Eu acredito que ocorreu, e afirmo isso com muita tranquilidade, uma grande infelicidade por parte do Tribunal de Contas, de não ter ido à devida profundidade do que constava no processo. E isso pode acontecer em qualquer julgamento, de qualquer Tribunal de Contas do mundo. Foi uma infelicidade. Mas, o que fica de bom é que quase todos os 6 mil julgamentos foram muito técnicos. Aquele que tomou outro caminho terminou por nos enfraquecer. Mas, isso nos deu uma lição. Que nesses casos mais graves nós temos que nos debruçar muito mais nos autos daquilo que foi no caso em questão.
Diário – O Tribunal de Contas é um órgão fiscalizador. Mas quem “fiscaliza o fiscal”? A quem cabe fiscalizar o TCE?
Albano - As contas de gestão do Tribunal de Contas ficam a cargo, em plano federal, ao Congresso Nacional. Em nível estadual, fica a cargo da Assembleia Legislativa. Na AL de Mato Grosso tem uma comissão de acompanhamento e controle. Mas, à semelhança do que já existe no Brasil no caso do Ministério Público e aos órgãos da Justiça, já tramita no Congresso Nacional com a cooperação dos tribunais de conta do todo o Brasil a criação de um conselho nacional de controle administrativo dos TCEs. Nós apoiamos a proposta. Acreditamos que é necessário um órgão controlador e certamente nos próximos meses teremos essa boa novidade.
FONTE: Diário de Cuiabá