quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O Enredo do Absurdo


*Por Lourembergue Alves

“Vendeu-se uma rua”. Notícia que muito bem deveria ser destaque em todos os veículos de comunicação. Acontece que o deveria, pelo menos nesse caso, não tem o sentido de impositivo. Pouca divulgação. Nada de discussão. Os munícipes se calaram. Do mesmo modo procedeu o Ministério Público. Nem os analistas, em sua totalidade, levantaram a voz. Comportamentos que aprovam a atitude do prefeito cuiabano, pois, de acordo com o dito popular, “quem cala consente”.

Consentir desacompanhado do bom senso. Isso porque o desfazer de uma rua, ou de um trecho de qualquer outra jamais poderia ser uma decisão unicamente do chefe do Executivo, ainda que se tenha a aprovação da Câmara Municipal e porte uma procuração, obtida via voto popular, para administrar os bens do município em nome da população. Afinal, o referido imóvel faz parte daquilo que se chama de patrimônio de todos os cidadãos.

Assim como também contribuinte algum deve fazer da praça, avenida e calçada uma extensão de sua propriedade. Regra, porém, quebrada. Pois o que se vê é parte da cidade sendo loteada pelos proprietários de restaurantes, bares, lojas e botequins. Em total desrespeito ao princípio e disciplinamento urbano.

Desrespeito, agora, institucionalizado com a venda da “Travessa do Cotovelo que interliga a Travessa Paiaguás e Avenida Beira Rio, ladeada por imóveis de particulares”. Dinheiro nenhum cobre o prejuízo causado por esse ato, impensado e avesso ao que se tem como republicano.

Agravado com as desculpas esfarrapadas dos vereadores, quando perguntados a respeito. O enredo do absurdo chegou ao seu ponto “G”, com a alegação de que “não sabiam que se tratava de venda de uma rua”. Das duas, uma: ou os integrantes da Câmara realmente ignoram o trâmite do projeto enviado pelo Executivo ou subestimam a capacidade de reflexão da sociedade cuiabana. Se bem que essas duas opções igualmente podem ser verdadeiras. Sobretudo quando se verifica e analisa o desempenho do atual quadro dos chamados representantes municipais. Desempenho que oscila entre o sofrível e o desesperador. Foram quase doze meses de ineficiência, displicência e insensatez. Janeiro foi o único mês em que eles, os vereadores, não produziram absurdos, pois os ditos cujos estavam de férias. Não computado, aqui, a ópera bufa que se fez divulgar com a eleição da Mesa Diretora, cujo pano de fundo não foi outra coisa senão a divisão da Casa em dois grupos de brigadores de rua, distantes anos luz, portanto, dos esgrimistas legisladores do período de 1947-1964.

Época em que a atenção às coisas públicas, parece ter sido mais levada a sério. Ao contrário de hoje. Os parlamentares apreciam e aprovam, e, depois desse ritual todo, dizem “sentir-se enganados”, pois não sabiam que o tal projeto versa sobre a comercialização de uma rua. A Mesa Diretora os enganou?

Foram enganados, ou debocham com a população? Porque a área ocupada por uma vendedora de carros, localizada à frente da rua comercializada, também foi negociada pela prefeitura para o mesmo comprador, em momento anterior. Dirão igual cantilena?

Repete-se, assim, a encenação de sempre. Encenam enquanto o patrimônio público é dilapidado, fatiado para satisfazer a necessidade de particulares.

*Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br