sexta-feira, 20 de agosto de 2010

'Políticos têm de ser julgados pela Justiça comum', diz Adam Kaufmann

Para promotor de NY que pediu a prisão de Paulo Maluf, democracia pressupões pessoas julgadas em níveis iguais

Kaufmann é famoso e prestigiado em seu País pela obstinação na caçada a corruptos.



O superpromotor de Nova York para combate ao colarinho branco e à corrupção acha difícil entender porque no Brasil políticos ladinos são processados pela Suprema corte, não pela Justiça comum. “A democracia pressupõe que as pessoas são julgadas em níveis iguais, Se você é um cidadão comum e vê que o sistema favorece os políticos você perde a confiança nesse sistema”, adverte Adam Kaufmann.

Também o intriga a morosidade que marca os processos judiciais sobre ocultação de recursos ilícitos. “Alguém me disse que aqui (no Brasil) um processo de lavagem demora 10 anos, 20 anos, é incrível!”


Adam Kaufmann passou por São Paulo onde veio participar de um importante encontro de promotores e magistrados, muitos deles são dedicados à missão de reunir provas contra gestores públicos perdulários.

Ele é o chefe da Divisão de Investigação da Promotoria do Estado de Nova York. Sob seu comando movimenta-se um poderoso núcleo de promotores, 100 profissionais do Ministério Público americano.

Kaufmann é famoso e prestigiado em seu País pela obstinação na caçada a corruptos. O superpromotor mira contas por onde transitam tesouros dissimulados, fortunas de origem desconhecida porque à sombra de documentos forjados e testas de ferro de paraísos fiscais.

Seu raio de ação vai além das fronteiras. Faz parte de sua rotina, por exemplo, rastrear valores depositados em instituições financeiras americanas por políticos de outros países, como o Brasil.

Um de seus alvos está aí outra vez na TV e no rádio. Todos os dias, com mil promessas ao eleitorado. É Paulo Salim Maluf, do PP, em campanha pela reeleição à uma cadeira na Câmara. Contra Maluf a Justiça dos Estados Unidos expediu ordem de prisão, a pedido de Kaufmann.

Nesta quinta-feira, no lobby de um hotel na região da Paulista, ele conversou com o Estado durante uma hora.

Serviu-de uma xícara de café com leite, meio copo de água com gás, dois pães de queijo e uma fatia de bolo doce.

Recomendou transparência no trato com a coisa pública, cobrou decisões finais da Justiça e falou de ficha limpa, uma lei que em seu País não existe. “Nos Estados Unidos se um político comete um crime os próprios colegas o excluem do partido. Vocês (o Brasil) não têm isso.”

(À noite, Adam Kaufmann, 45 anos, embarcou de volta à sua América. Planeja tirar duas semanas de férias com a mulher, que também é promotora de carreira. Depois, retoma o dia a dia de desafios e procedimentos sobre casos emblemáticos).

Em seu País os políticos também são investigados?

Políticos são investigados por lavagem de dinheiro, corrupção, outros crimes. A corrupção é diferente. A corrupção acontece silenciosamente. Leva muito tempo para ser identificada e descoberta. Tenho trabalhado no Brasil com promotores e juízes por seis anos e com sucesso. Há algumas áreas específicas que eu acho frustrantes. Por exemplo: a ideia de que políticos só são julgados pela Suprema Corte e não pela Justiça comum.

Por que?

A democracia pressupõe que as pessoas são julgadas em níveis iguais. Políticos corruptos têm que ser levados à Justiça. A Suprema corte nunca dá uma condenação por corrupção. Se você é um cidadão comum e vê que o sistema favorece os políticos você perde a confiança nesse sistema. Outro aspecto é o veredicto final, a sentença final. É preciso encerrar os processos por corrupção de forma rápida. Todo mundo com quem eu falo no Brasil diz que só pobre vai para a prisão. Isso era verdade também nos Estados Unidos, há 10 ou 20 anos. Mas isso mudou.

Como?

Tivemos a compreensão de que pessoas que roubam milhões de dólares com a caneta, pessoas que vendem sua influência, oferecem tanto perigo quanto alguém com uma arma na rua. As pessoas têm que ter a confiança e a certeza de que aqueles que cometem crimes vão para a cadeia. Mas não pode levar 10 anos, 20 anos. Alguém me disse que aqui um processo de lavagem de dinheiro demora 10 anos, 20 anos, é incrível! Se for isso mesmo é preciso dizer que não funciona, precisa ser mudado.

Como o Brasil pode coibir a ação de políticos que desviam dinheiro público?

Pode ser com prisão. Acho que depende do tamanho da corrupção, por quanto tempo ela durou, como funcionava. Pode ser prisão, pode não ser prisão. É difícil responder sem um caso específico. Nos Estados Unidos há casos de políticos corruptos que foram para a cadeia por muitos anos. Pena de morte? Não. Pena de morte por corrupção não, só por assassinato.

Como evitar a escalada da corrupção no período eleitoral?

A transparência é muito importante. Transparência nas finanças. Nos Estados Unidos a gente acompanha muito o que é sigiloso ou não. Doação de campanha a gente supõe que seja pública, que não seja fechada. Se eles (políticos) não declaram ou se eles escondem, pode ser crime. Se alguém faz uma grande doação de campanha e o político não abre, não declara, isso vai ser crime. Há um juiz famoso no meu País que uma vez disse: ‘A luz do sol é o melhor desinfetante’. Quanto mais transparência, quanto mais aberto for, pior para a corrupção.

As instituições participam dessa vigilância?

A gente tem regras para os bancos, para as instituições financeiras nos informarem sobre atividades suspeitas. Nas eleições temos regras para transparência, os políticos têm que dizer quem está dando dinheiro para as campanhas, de onde o dinheiro vem.

No Brasil vigora uma Lei da Ficha Limpa. O que acha?

Eu não sei se é boa ou não, mas tudo que for para dar mais transparência é bom. Quando eu li sobre essa lei achei que foi um bom passo para mostrar que aqui não se tolera a corrupção. Um palestrante (do 1º Congresso do Patrimônio Público e Social do Ministério Público de São Paulo) disse que em muitos lugares se tiver o menor indício de corrupção o político está morto. Mas no Brasil ninguém se importa com isso. Se tem corrupção as pessoas dizem ‘ah se for dos políticos não importa’.

Existe alguma lei semelhante nos EUA?

Eu não acho que a gente tem uma lei parecida porque alguém que se envolve em corrupção é obrigado a deixar o partido e nunca mais vai ser eleito. Algumas vezes pessoas condenadas por crimes decidem não renunciar, mas o restante do partido o remove por impeachment. Nos Estados Unidos se você comete crime seus colegas o excluem do partido. Vocês não têm isso. Em Nova York houve o episódio de um político que foi removido do partido por seus colegas e sofreu impeachment. Se ele tentar concorrer de novo ele não vai ser eleito. É uma questão cultural.

O sr. se lembra de Maluf? Ele é candidato novamente. Isso o decepciona?

Não. Eu investiguei o sr. Maluf. Ele foi acusado em Nova York por crimes em Nova York, não no Brasil. Eu fiz o meu trabalho. Depois de 16 anos de promotoria é difícil me chocar. É difícil para mim entender a cultura daqui. Eu acho que as instituições têm que crescer. A gente tem que lembrar que o Brasil é uma democracia muito jovem e as pessoas que eu conheço, os promotores e os juízes, eles tentam conferir maturidade às instituições. Demora um tempo, mas eu acho que vai dar certo. As pessoas estão fazendo acontecer, mas acho que leva tempo. Algumas coisas funcionam, outras não. O Brasil é um grande parceiro. Encontrei promotores e juízes que são dedicados e que trabalham duro, que querem fazer as coisas acontecer.

Como dinamizar a recuperação de ativos?

Trabalhei em uma etapa do caso Banestado (evasão de US$ 30 bilhões) especificamente sobre a ação de doleiros e vi um problema: foi possível congelar o dinheiro, mas a Justiça brasileira precisa ter uma resolução final, um julgamento final para o dinheiro retornar. Depende dos sistemas legais, da cultura, há muitas diferenças. Esse é um problema específico, não ter um julgamento final. Você não consegue pegar o dinheiro de volta. Se o Brasil pede uma cooperação internacional aos Estados Unidos tem que ter chegado ao final (da ação). E a gente sabe que no Brasil a sentença final... A gente já devolveu o dinheiro para o Brasil dos nossos processos, eu não lembro quantos milhões de dólares, mas nós devolvemos dinheiro para a cidade de São Paulo como resultado de procedimentos instaurados em Nova York.

O Brasil é um paraíso para corruptos?

(Adam Kaufmann solta uma gargalhada antes de responder). Acho que não, o Brasil tem promotores independentes, polícia independente, Judiciário independente. São estruturas importantes. Há muitos países, inclusive alguns vizinhos de vocês, que não têm isso. Países em que você não pode fazer nenhum trabalho porque a corrupção é muito difícil.

Fonte: Estadão.com.br