Sabe aquele texto que você não quer escrever? E aquela carta que você fica protelando e, mesmo depois que a escreve, fica dias e dias na gaveta fazendo você pensar se coloca ou não nos correios?
Pois é; esse é um daqueles textos. Quer seja por representar o fundo do poço para a conclusão da história de um partido ao qual apoiei durante muitos anos, quer por se tratar de um texto repleto de conclusões que levam apenas a uma constatação maior: Somos uma nação sem senso ético.
Enquanto assistimos ao festival dantesco de mentiras descaradas, desculpas esfarrapadas e defesas mal enjambradas e montadas em cima da hora – de forma porca e mal planejada – a violação do sigilo fiscal de figuras ligadas ao PSDB atinge o ápice do absurdo ao ser publicamente “defendida” pelo próprio presidente da república.
Ao dizer em seu pronunciamento para a campanha de Dilma: “Não é fácil construir uma nação forte, justa e independente. Isso só pode ser feito por homens e mulheres livres, que pensam e agem de forma solidária e construtiva. E jamais por aqueles que só pensam em destruir, que colocam seus interesses pessoais acima dos interesses do país (…)”. Lula fala uma verdade e, ao mesmo tempo, descreve a si mesmo e ao PT.
Muito longe de apoiar José Serra, até porque não votarei nele, esse texto é escrito com a indignação de um cidadão que compreende o valor ético de não se transigir com o crime. Não se pode minimizar a gravidade do que aconteceu – por mais de uma vez – e muito menos se desprezar as ligações diretas que envolvem integrantes do PT no escândalo.
Lula, por sua vez, mostra seu desprezo pelas leis, pela nação e pelo bem do Brasil ao – mais uma vez – comparecer em cadeia nacional para mitigar um escândalo e reduzi-lo a um fato corriqueiro e sem importância. Foi assim no Mensalão, nas várias violações de sigilo que aconteceram nas eleições disputadas por ele e por outros partidários, nos desvios e superfaturamentos do PAC, nas farsas e armações ligadas ao programas assistencialistas do governo, no episódio Daniel Dantas (onde bastou o banqueiro ameaçar com a delação premiada para choverem “Hábeas Corpus” expressos, “enganos” da Polícia Federal, afastamentos, jurisprudências “sob medida” e o investigador que acabou virando criminoso).
Mesmo que consideremos o péssimo comportamento de José Serra, ao tentar tirar proveito eleitoral do fato, não podemos deixar de considerar também a desfaçatez do presidente e a sua enorme cara-de-pau ao vir a público minimizar o fato e tentar abafar possíveis danos eleitorais a campanha de sua candidata. O mínimo que se poderia esperar de um homem sério seria a condução de uma investigação detalhada, célere e o mais isenta possível, com farto acesso aos dados e conclusões para a imprensa e para ambos os partidos afetados pelo assunto.
Infelizmente, assistimos a um carnaval de desmentidos sem criatividade e sem veracidade palpável. Assistimos a mais uma traição, ao juramento feito, do próprio presidente e a uma corja que toma de assalto às instituições democráticas de nossa nação de uma forma acintosa e despudoradamente arrogante. Uma a uma; curvam-se diante da verdadeira máquina de poder que assola a república cada fio de ética que ainda sustentava a moralidade institucional desse país.
A isso tudo, uma nação indiferente, assiste do aconchego do seu lar ao derramamento de desculpas e lágrimas de crocodilo. A “vítima” tenta parecer frágil e violado em sua intimidade, o criminoso, por sua vez, tenta esconder o seu crime usando de todos os meios possíveis de desinformação, desculpas esfarrapadas e apelos emocionais baratos.
Enquanto os traidores sujos tomam o poder nas mãos, uma parte da nação assiste a queda da democracia como se fosse a um jogo de futebol. Com bandeiras as mãos e slogans nas bocas desdentadas; gritam e torcem por um ou para outro lado. Alheios a dura realidade de que, nesse jogo, só quem perde somos nós.
Entender que um crime não pode ficar impune e nem ser mitigado – seja ele cometido por alguém que amamos ou até idolatramos e por um desconhecido – o crime tem de ser punido sempre. A ética deve prevalecer à popularidade e até a possíveis conquistas sociais e econômicas. Essa é a única forma de um dia sermos realmente grandes. Afinal de contas, é o respeito às leis e a punição de qualquer um que as viole – principalmente o Estado – que garante a verdadeira democracia e a verdadeira liberdade.
O que assistimos o nosso presidente fazer – não duas, mas várias vezes – é motivo de vergonha e de escárnio; jamais de orgulho ou entendimento. O Estado não pode ser poderoso a ponto de justificar suas transgressões de forma tão banal e despudorada. Um presidente não pode defender criminosos e nem viver cercado e assessorado por eles. Alguém que é literalmente chamado de “chefe de quadrilha” por um dos magistrados da corte máxima de uma nação não pode simplesmente fazer parte de um governo e ser aceito no seio do Estado e ser defendido por ele.
O Brasil só será uma nação de ponta quando entender que é apenas com ética, com respeito às leis, com punição exemplar e com a garantia do respeito aos direitos dos cidadãos que se constrói uma grande nação. Muito mais do que com a possibilidade de comprar qualquer coisa em suaves prestações.
A mudança de paradigma tem que ocorrer, em primeiro lugar, na mente do brasileiro. Com a compreensão de que política não é um jogo de futebol, onde torcidas devem defender cegamente um ou outro lado “por amor” e ignorar qualquer falha ou deslize da agremiação preferida. Com a exigência de um comportamento ético e de um caráter ilibado para o exercício de qualquer cargo público. Com o entendimento de que só merecem votos os políticos que realmente cumprem o que prometem ou, pelo menos, lutam incessantemente para o benefício do país. Com a iluminação necessária e a maturidade que é fundamental para por fim a nossa mania de aceitar pequenas e grandes violações da lei como comportamentos normais e elogiosos.
A mudança da nação só começará, realmente, quando o brasileiro tiver vergonha na cara.
E você leitor; o que pensa disso?
Fonte: Visão Panorâmica