Sobre a corrupção que grassa no Poder criado para promover a legalidade, fala um jurista, ex-desembargador e professor.
A corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, que causou polêmica na semana ao dizer que criminosos usavam toga. Foto: Agência Brasil
A Primavera Judiciária
Por Wálter Maierovitch*
Falecido em 1879, Honoré Daumier ficou conhecido internacionalmente pelas vinhetas reveladoras de comportamentos de certos segmentos da sociedade francesa. No livro intitulado Le Gens de Justice, ele satiriza os privilégios e o péssimo conceito dos juízes, uma casta togada antidemocrática, antioperários e sem compromisso social.
A magistratura brasileira não pode ser igualada àquela mostrada por Daumier, mas passa por uma quadra dramática, com a imagem dos juízes em permanente desgaste junto à opinião pública. O dissenso sobre a competência para a fiscalização do cumprimento de obrigações por parte dos magistrados travado entre a corregedora nacional, ministra Eliana Calmon, e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Cezar Peluso, foi apenas a gota d’água: das 33 condenações administrativas do CNJ, o STF já havia, liminarmente, suspendido 13, tendo os sancionados voltado a envergar a toga. E muitos ministros, inclusive Peluso, já anteciparam posição contrária à atuação do CNJ.
A recente nota pública de censura emitida pelo CNJ, que alguns conselheiros voltaram atrás ao perceber a indignação do cidadão comum e que foi quase repetida por ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) interessados em ocupar um lugar na fotografia do diversionismo, desprestigiava Eliana Calmon. Só que essa açodada nota padece de ilegalidade, pois se censurou publicamente uma ministra-corregedora sem se observar o devido procedimento. Por seu turno, a ministra era incensurável ao responsavelmente apontar para um fenômeno mundialmente sentido e referente à cooptação de juízes pela criminalidade organizada e pelos poderosos.
Desse embate a sociedade conheceu como o infrator de toga vem sendo injustamente favorecido. Ou seja, os juízes que perpetraram graves faltas funcionais não são demitidos, mas aposentados compulsoriamente, garantidos os vencimentos e o título. A Lei Orgânica da Magistratura (Loman) punia também com demissão. O STF, no entanto, entendeu que essa sanção da Loman, e apenas essa, não fora recepcionada pela Constituição de 1988. Sobre isso, senadores preparam uma emenda sobre a volta da pena de demissão em processo disciplinar. Ainda não se sabe se é para valer ou se decorreu do aproveitamento da força do vento soprado pela indignação popular, espécie de Primavera Judiciária em uma comparação com a Primavera Árabe.
O STF recuou em enfrentar o julgamento da Ação de Inconstitucionalidade (Adin): primeiro falou-se em falta de clima e, agora, em ausência de quórum pela falta do ministro Joaquim Barbosa e da indicação de substituto de Ellen Gracie. A propósito, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), entidade privada e já presidida pelo ministro Paulo Medina, aposentado compulsoriamente por grave falta funcional, busca, na polêmica “Adin”, limitar o CNJ e garantir o pagamento, aos afastados disciplinarmente, de penduricalhos corporativos que “anabolizam” os vencimentos básicos.
O CNJ foi dado pelo então ministro Márcio Thomaz Bastos como órgão de controle externo e tardou-se em perceber o contrário. Na sua composição de 15 conselheiros, dez deles são magistrados, ou seja, a maioria. Outra propaganda enganosa foi ter colocado o conselho, na topografia constitucional, abaixo do STF. Assim, deixou-se fora da fiscalização o STF. Seus ministros estão sujeitos apenas a impeachment: em um caso de repercussão e a envolver o ministro Gilmar Mendes, o presidente do Senado arquivou sumariamente o pedido de impeachment.
No meio dessa aguda crise, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe), nesta semana, pleiteou correções nos vencimentos dos magistrados: de 26,7 mil reais para 32 mil. E deseja que a revisão anteceda a recomposição dos salários dos servidores públicos. Não se deve esquecer que a Ajufe postula a manutenção de dois meses de férias para os juízes e um pouco mais de folgas pelo estresse decorrente da atividade funcional que tem provocado mortes precoces, doenças psicossomáticas e até os recentes suicídios.
Esse pleito associativo serve para mostrar a falta de compromisso social e de senso de oportunidade e conveniência. Até no Irajá, onde costumam aportar falsas Gretas Garbos, percebe-se o risco representado pela atual crise econômica planetária e a luta da presidenta Dilma para evitar que ela alcance o Brasil e comprometa o projeto de erradicação da miséria no País.
Para rematar, e como noticiado no jornal Lance, os juízes associados à Ajufe vão, em novembro, bater uma bolinha nos campos da Granja Comari, da CBF, que tem mais de cem ações pendentes. Tudo por força de uma parceria com a CBF de Ricardo Teixeira, que em 1988 pagou viagens para juízes assistirem à Copa do Mundo. Como se percebe, a Ajufe colocou seus juízes em impedimento e espera-se que o bandeirinha levante o seu instrumento.
Wálter Maierovitch
*Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP.
Fonte: Carta Capital
Visite a pagina do MCCE-MT
Leia mais:
"A corrupção impede a Justiça no Brasil"
Do blog Abra a Boca Cidadão
Não é o Abra a Boca, Cidadão!, um blog pequeno e relativamente novo, que usa o ciberespaço para criticar levianamente um dos poderes da República.
Não é Sonia Amorim, a escritora-blogueira-ativista paulistana, vítima de um Judiciário "moroso", cujos membros precisam ter sua conduta investigada.
São milhares de vítimas e de reclamantes em todos os cantos do País.
São juízes, desembargadores, promotores, procuradores, advogados, que fazem a Banda Boa do Judiciário, que afirmam as "fragilidades" do mais fechado e arcaico dos três poderes.
É a Ministra do STJ e Corregedora Nacional de Justiça Eliana Calmon, ao afirmar a existência de "bandidos de toga". É a Procuradora da República Janice Ascari e outros tantos verdadeiros servidores públicos, cujas vozes vimos publicando aqui.
Hoje, mais uma manifestação sobre a polêmica questão escancarada à sociedade pela ministra-corregedora: Doutor Hélio Bicudo, jurista, ex-Procurador de Justiça de São Paulo, nome ligado à defesa dos Direitos Humanos, respeitadíssimo dentro e fora do Brasil.
É ele quem reitera a posição fechada do TJ-SP, fala da "troca de favores" ali existente e declara: "A corrupção impede a Justiça no Brasil". "Tem que limpar a magistratura!"
Sobre o Conselho Nacional de Justiça
Por Hélio Bicudo*
Quando a Constituição de 1988 foi elaborada, já havia um clamor pelo controle popular da magistratura a ser operado por membros da sociedade civil.
Foi atendendo a esse reclamo que surgiu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na emenda constitucional de dezembro de 2002.
Quem se der ao trabalho de ler o artigo 103 da Constituição, irá verificar que, entretanto, esse dispositivo não trouxe o desejado controle popular. O Conselho Nacional de Justiça é um órgão do Poder Judiciário, em cujo capítulo está inserto, nada tendo de popular. O fato de nele serem contemplados dois advogados, dois membros do Ministério Público e dois cidadãos, não lhe dá a qualificação de órgão popular. São nove membros do Poder Judiciário acrescido de dois membros do Ministério Público, de dois advogados e de dois cidadãos, estes indicados pelo Parlamento Nacional. Quer dizer, a maioria é exercida por juízes, o que por si só revela a intenção de subordiná-lo aos escalões mais altos da Magistratura.
Criado para o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, foi, na verdade, uma frágil resposta à demanda popular diante dos privilégios de que há tempos gozam seus membros.
Acontece, entretanto, que tendo em vista que ao Conselho compete o controle do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (artigo 103-B, da Constituição Federal), assumiu ele atribuições de corregedoria. Essas funções não vêm na esteira da possível atuação das corregedorias dos tribunais de justiça, mas se sobrepõem a elas exercendo-as originariamente.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, que é o presidente do Conselho, entende que este órgão só deve atuar diante de omissões das corregedorias dos tribunais.
Essa interpretação, que advém de claro espírito de corpo, desconhece o histórico do dispositivo em questão, voltado que é para o controle popular do Poder Judiciário. Na verdade, a emenda que viabilizou o Conselho ficou muito aquém do alcance que se lhe queria dar, pois o legislador cedeu às pressões da magistratura, de sorte que o Conselho não vai além de ser mais um órgão do Poder Judiciário.
Não obstante, foi a ele atribuído o poder de corrigir desvios no cumprimento dos deveres funcionais dos juízes e aí está, sem dúvida, o seu mister principal.
A campanha, que ora se desdobra por sorte de membros da magistratura, no sentido de impedir que o conselho atue com toda a amplitude que a Constituição lhe dá, não pode implicar no desdobramento de suas atribuições constitucionais. Nesse sentido não é possível, como se quer, atrelá-lo às corregedorias dos tribunais. Trata-se de um órgão autônomo e independente. Embora não tenha a representação popular desejada, é um ente da sociedade civil e como tal deve comportar-se.
Foi instituído para que se contemple o controle popular do Poder Judiciário, hoje mais do que nunca indispensável para coibir os abusos de juízes que desconhecem a magnitude de suas funções e se deixam levar pelas benesses da corrupção.
Não venha o Supremo Tribunal Federal, atendendo a um apelo corporativo da classe, coibir a atuação de quantos se empenham na luta por uma Justiça que não se deixe atolar no atendimento de interesses individuais próprios e de terceiros.
*Hélio Bicudo
Jurista, político e ativista dos Direitos Humanos. Foi deputado federal e vice-prefeito de São Paulo. Desde 2.003, é presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FidDH).
Fonte: Direitos Humanos
Visite a Pagina do MCCE-MT