O aspecto mais digno de entusiasmo do movimento Ocupa Wall Street é a construção de vínculos que estão se formando em toda parte. Karl Marx disse: a tarefa não é somente entender o mundo, mas transformá-lo. Uma variante que convém ter em conta é que, se queremos com mais força mudar o mundo, vamos entendê-lo. Isso não significa escutar uma palestra ou ler um livro, embora essas coisas às vezes ajudem. Aprende-se a participar. Aprende-se com os demais. Aprende-se com as pessoas com quem se quer organizar. O artigo é de Noam Chomsky.
Por Noam Chomsky - La Jornada
Dar uma conferência Howard Zinn é uma experiência agridoce para mim. Lamento que ele não esteja aqui para tomar parte e revigorar um movimento que foi o sonho de sua vida. Com efeito, ele pôs boa parte de seus ensinamentos nisso.
Se os laços e associações que se estão estabelecendo nesses acontecimentos notáveis puderem se sustentar durante o longo e difícil período que os espera – a vitória nunca chega logo -, os protestos do Ocupar Wall Street poderão representar um momento significativo na história estadunidense.
Nunca tinha se visto nada como o movimento Ocupa Wall Street, nem em tamanho nem em caráter. Nem aqui nem em parte alguma do mundo. As vanguardas do movimento estão tratando de criar comunidades cooperativas que bem poderiam ser a base de organizações permanentes, de que se necessita para superar os obstáculos vindouros e a reação contra o que já está se produzindo.
Que o movimento Ocupem não tenha precedentes é algo que parece apropriado, pois esta é uma era sem precedentes, não só nestes momentos, mas desde os anos 70.
Os anos 70 foram uma época decisiva para os Estados Unidos. Desde a sua origem este país teve uma sociedade em desenvolvimento, não sempre no melhor sentido, mas com um avanço geral em direção da industrialização e da riqueza.
Mesmo em períodos mais sombrios, a expectativa era que o progresso teria de continuar. Eu tenho idade o suficiente para recordar da Grande Depressão. De meados dos anos 30, quando a situação objetivamente era muito mais dura que hoje, e o espírito bastante diferente.
Estava-se organizando um movimento de trabalhadores militantes – com o Congresso de Organizações Industriais (CIO) e outros – e os trabalhadores organizavam greves e operações padrão a ponto de quase tomarem as fábricas e as comandarem por si mesmos.
Devido às pressões populares foi aprovada a legislação do New Deal. A sensação que prevalecia era que sairíamos daqueles tempos difíceis.
Agora há uma sensação de desesperança e às vezes desespero. Isto é algo bastante novo em nossa história. Nos anos 30, os trabalhadores poderiam prever que os empregos iriam voltar. Agora, os trabalhadores da indústria, com um desemprego praticamente no mesmo nível que durante a Grande Depressão, sabem que, se as políticas atuais persistirem, esses empregos terão desaparecido para sempre.
Essa mudança na perspectiva estadunidense evoluiu a partir dos anos 70. Numa mudança de direção, vários séculos de industrialização converteram-se numa desindustrialização. Claro, a manufatura seguiu, mas no exterior; algo muito lucrativo para as empresas mas nocivo para a força de trabalho.
A economia centrou-se nas finanças. As instituições financeiras se expandiram enormemente. Acelerou-se o círculo vicioso entre finanças e política. A riqueza passou a se concentrar cada vez mais no setor financeiro. Os políticos, confrontados com os altos custos das campanhas eleitorais, afundaram profundamente nos bolsos de quem os apoia com dinheiro.
E, por sua vez, os políticos os favoreciam, com políticas favoráveis a Wall Street: desregulação, transferências fiscais, relaxamento das regras da administração corporativas, o que intensificou o círculo vicioso. O colapso era inevitável. Em 2008, o governo mais uma vez resgatou as empresas de Wall Street que eram supostamente grande demais para quebrarem, com dirigentes grandes demais para serem encarcerados.
Agora, para 10% de 1% da população que mais se beneficiou das políticas recentes ao longo de todos esses anos de cobiça e enganação, tudo vai muito bem.
Em 2005, o Citigroup – que certamente foi objeto em ocasiões repetidas de resgates do governo – viu o luxo como uma oportunidade de crescimento. O banco distribuiu um folheto para investidores no qual os convidava a investirem seu dinheiro em algo chamado de índice de plutonomia, que identificava as ações das companhias que atendessem ao mercado de luxo.
Líderes religiosos, principalmente da comunidade de negros, cruzaram a ponte do Brooklyn no último domingo com lonas e tendas para entregá-las aos membros do movimento Ocupar Wall Street que estão acampados no coração econômico da cidade de Nova York.
O mundo está dividido em dois blocos: a plutocracia e o resto, resumiu. Estados Unidos, Grã Bretanha e Canadá são as plutocracias-chave: as economias impulsionadas pelo luxo.
Quanto aos não ricos, às vezes se lhe chamam de precariado: o proletariado que leva uma existência precária na periferia da sociedade. Essa periferia, no entando, converteu-se numa proporção substancial da população dos Estados Unidos e de outros países.
Assim, temos a plutocracia e o precariado: o 1% e os 99%, como se vê no movimento Ocupem. Não são cifras literais mas sim, é a imagem exata.
A mudança história na confiança popular no futuro é um reflexo de tendências que poderão ser irreversíveis. Os protestos do movimento Ocupem são a primeira reação popular importante que poderão mudar essa dinâmica.
Eu me detive nos assuntos internos. Mas há dois acontecimentos perigosos na arena internacional que ofuscam todos os demais.
Pela primeira vez na história há ameaças reais à sobrevivência da espécie humana. Desde 1945 temos armas nucleares e parece um milagre que tenhamos sobrevivido. Mas as políticas do governo Barack Obama estão fomentando uma escalada.
A outra ameaça, claro, é a catástrofe ambiental. Por fim, praticamente todos os países do mundo estão tomando medidas para fazer algo a respeito. Mas os Estados Unidos estão regredindo.
Um sistema de propaganda reconhecido abertamente pela comunidade empresarial declara que a mudança climática é um engano dos setores liberais. Por que teríamos de dar atenção a esses cientistas?
Se essa intransigência no país mais rico do mundo continuar, não poderemos evitar a catástrofe.
Deve fazer-se algo, de uma maneira disciplinada e sustentável. E logo. Não será fácil avançar. É inevitável que haja dificuldades e fracassos. Mas a menos que o processo estão ocorrendo aqui e em outras partes do país e de todo o mundo continue crescendo e se converta numa força importante da sociedade e da política, as possibilidades de um futuro decente são exíguas.
Não se pode lançar iniciativas significativas sem uma ampla e ativa base popular. É necessário sair por todo o país e fazer as pessoas entenderem do que se trata o movimento Ocupar Wall Street, o que cada um pode fazer e que consequências teria não fazer nada.
Organizar uma base assim implica educação e ativismo. Educar as pessoas não significa dizer em que acreditar; significa aprender dela e com ela.
Karl Marx disse: a tarefa não é somente entender o mundo, mas transformá-lo. Uma variante que convém ter em conta é que, se queremos com mais força mudar o mundo, vamos entendê-lo. Isso não significa escutar uma palestra ou ler um livro, embora essas coisas às vezes ajudem. Aprende-se a participar. Aprende-se com os demais. Aprende-se com as pessoas com quem se quer organizar. Todos temos de alcançar conhecimentos e experiências para formular e implementar ideias.
O aspecto mais digno de entusiasmo do movimento Ocupar Wall Street é a construção de vínculos que estão se formando em toda parte. Esses laços podem se manter e expandir, e o movimento poderá dedicar-se a campanhas destinadas a porem a sociedade numa trajetória mais humana.
(*) Este artigo é uma adaptação de uma fala de Noam Chomsky no acampamento Occupy Boston, na praça Dewey, em 22 de outubro. Ele falou numa atividade de uma série de Conferências em Memória de Howard Zinn, celebrada pela Universidade Livre do Ocupar Boston. Zinn foi historiador, ativista e autor de A People’s History of the United States.)
(**) Chomsky é professor emérito de Linguística e Filosofia do Instituto Tecnológico de Massachusetts, em Cambridge, Massachusetts. É o maior linguista do século e um dos últimos anarquistas sérios do planeta.
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior
Confira reportagens sobre o movimento Ocupe Wall Street
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“Neste exato momento, há muito barulho. E esse barulho é bom”
Sociólogo estadunidense aponta os desafios do movimento “Ocupe Wall Street”
Noventa e nove contra um
Ainda sem uma linha política muito bem definida, ocupação em Wall Street ganha cada vez mais adeptos contra o sistema financeiro e as corporações
Fonte Brasil de Fato
Ocupa Rio: 'venham às praças debater!'
Rio Babilônia? Rio Babel? O que dizem as mil vozes da Ocupa Rio? Das palavras diversas que se encontram na Cinelândia parece destilar-se um consenso sobre os objetivos do movimento: 'queremos que os povos venham às praças debater'! Após 10 dias de acampamento são 107 barracas e diversas instalações tais como cozinha, biblioteca, gerador de energia a bicicleta, cinema popular, rádio livre, etc... um morador da vizinhança disse que antes dos temporais desta semana havia o dobro de acampadas/os. Muitas/os ficam apenas alguns dias no acampamento, outras/os freqüentam durante o dia e dormem em casa, há quem nunca tenha ido pessoalmente mas ajuda a traduzir textos, melhorar a comunicação via internet, editar vídeos em casa, etc. Na assembléia de "comunicação" se discute como se pode usar as tecnologias para quem está longe poder participar dos debates e como dialogar com as outras ocupas ao redor do mundo.
Embora as/os acampadas/os e demais participantes sintam que há algo errado com o que acreditam ser uma predominância da classe média, o simples fato das pessoas estarem permanentemente na praça facilita a aproximação de moradores de rua e todo tipo de gente. Entre as/os ativistas estão presentes todas as gerações: militantes de 68, hippies e punks dos 70 e 80, caras pintadas dos 80, anti-capitalistas dos 90 e 2000, universitários/as, secundaristas, gente dos mais variados movimentos atuais, além de filhas/os e animais de estimação. As atividades conjuntas borbulham: manifestações, oficinas, filmes, debates, construções, culinária, horta, teatro, práticas nas quais as pessoas diferentes vão encontrando a si mesmas e as outras, reinventando com elas seus mundos. Diz o cartaz: 'não quero que ninguém me ensine, quero aprender com todos'.
Para tamanha confusão uma placa, entre tantas: 'desculpem o transtorno, estamos trabalhando por um mundo melhor'. A autogestão está sendo construída com Grupos de Trabalho. Um cartaz enumera 14: 'atividades', 'infraestrutura', 'alimentação', 'segurança', 'jurídico', 'comunicação', 'queer', 'teoria', 'autogestão', 'ações práticas', 'horta urbana', 'processos', 'reciclagem', 'arte e cultura'. Mas pode ter havido muitos outros e a qualquer momento surge um novo: hoje debatia-se no GT de 'comunicação' a criação do GT "que bandeiras queremos", para aquelas/les que sentem a necessidade de construir as tradicionais "bandeiras de luta", sem desrespeitar as/os que acham que o movimento não precisa disso. E há ainda muitas outras/os ativistas que acham mais produtiva e aberta a comunicação e a ação coletiva que acontece fora das assembléias. A ocupa interliga diferentes modos de organização e até a recusa da 'organização'. Estratégias híbridas e em construção.
Há um enorme esforço e esperança, para esta imensa tarefa que se coloca ao horizonte: povos, venham às praças, tecer juntos nosso(s) mundo(s) de diversidade, comunicação e solidariedade!
Fonte CMI Brasil
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