"Maluf foi, isto sim, um sapo direitista que a ditadura ultradireitista engoliu. Com sorte e muita habilidade para cooptar e corromper delegados, três vezes conseguiu arrobar a festa".
Nunca
antes neste país se viu um político detentor de enorme popularidade
sofrer rejeição tão extremada e generalizada quanto a que o
ex-presidente Luiz Inácio Lula experimentou ao serem divulgadas as fotos
de sua alegre contraternização com Paulo Maluf.
É óbvio que tal reação foi principalmente a de um público bem informado,
que se interessa pela política, acompanhando-a pela imprensa ou
internet (nas quais aquelas imagens repercutiram da forma mais negativa
possível). Até agora não se aferiu a impressão causada naqueles que veem
Lula como o novo
pai dos pobres. Terão se indignado? Pelo menos sabem quem é Maluf?
E os bem pensantes, sabem?
Eu, que acompanho a carreira de Maluf desde os primórdios, sempre
estranhei que estes últimos o erigissem no mais execrável de todos os
execráveis políticos direitistas.
Em bateboca memorável num debate eleitoral de 1989, Leonel Brizola o
qualificou várias vezes de "filhote da ditadura", o que não é toda a
verdade.
Os
filhotes paradigmáticos eram aqueles políticos
inexpressivos e servis que governaram São Paulo unicamente por terem o
beneplácito dos ditadores, como Laudo Natel e Paulo Egydio Martins.
Maluf foi, isto sim, um sapo direitista que a ditadura ultradireitista
engoliu. Com sorte e muita habilidade para cooptar e corromper
delegados, três vezes conseguiu
arrobar a festa
Dona Flor e seus dois maridos
O governador Abreu Sodré escolheu Luiz Arroba Martins
para ser nomeado prefeito de São Paulo, mas o dito cujo cometeu o
deslize de, numa reunião no Palácio dos Bandeirantes, criticar o poder
central. Imediatamente os militares o vetaram e Sodré foi obrigado a
digerir a nomeação do pretendente alternativo, aquele presidente da
Associação Comercial que Delfim Netto protegia. Assim Maluf se tornou
prefeito (1969-1971).
Com seu estilo de tocador de obras, fez muitas, tanto
como prefeito quanto como secretário dos Transportes do Governo de Natel
(1971-1975). E, claro, a corrupção correu solta --o que nunca foi
novidade no Brasil. Vide seu antecessor mais célebre em SP, o
interventor federal, prefeito e governador Adhemar de Barros,
popularmente conhecido como o rouba-mas-faz.
Agradeceria a Natel pelo trampolim disponibilizado para sua ascensão política... traindo-o e o derrotando de forma vexatória. Natel foi escolhido pelos militares para governar São Paulo pela terceira vez e pensou que os convencionais da Arena bateriam continência; não deu a mínima para eles
Agradeceria a Natel pelo trampolim disponibilizado para sua ascensão política... traindo-o e o derrotando de forma vexatória. Natel foi escolhido pelos militares para governar São Paulo pela terceira vez e pensou que os convencionais da Arena bateriam continência; não deu a mínima para eles
Não era nada pessoal, só negócios?
Maluf visitou os 1.261, um por um e, com os argumentos sonantes habituais, acabou seduzindo 617 e ganhando a convenção por diferença de 28 votos. Os fardados, estupefatos, cogitaram virar a mesa, mas acabaram se conformando.
Cansaram de afastar arbitrariamente os políticos opositores e os que,
mesmo estando ao seu lado no momento da quartelada, depois passaram a
defender a redemocratização do País. Hesitaram, contudo, em dar o mesmo
tratamento àquele que era o maior dos seus puxa-sacos; Maluf só os
contrariava no tocante a suas ambições pessoais, beijando-lhes
abjetamente os coturnos em todo o resto.
A pior faceta de Maluf, o motivo que o faz mais merecedor de repúdio (no meu entender) foi, como governador (1979-1982), ter dado carta branca para a tropa de choque da Polícia Militar, a Rota, barbarizar os bairros pobres, atuando com truculência desmedida e exterminando marginais com sanha comparável à do antigo Esquadrão da Morte. Depois, em cada uma das quatro tentativas frustradas de voltar ao Palácio dos Bandeirantes, repetiu o bordão: "Vou colocar a Rota na rua!".
Vale lembrar que, em Rota 66 - A polícia que mata, o repórter Caco Barcelos documentou 4.200 casos (totalizando cerca de 12 mil vítimas inocentes) de assassinatos cometidos pela Rota nas décadas de 1970 e 1980, tendo como alvos, quase sempre, jovens pobres, pardos e negros, muitas vezes sem antecedentes criminais. Os cidadãos honestos atingidos por engano seriam em maior número do que os verdadeiros criminosos - cuja condição, claro, não eximia os policiais do dever de entregá-los à Justiça, ao invés de simplesmente os abater como moscas.
A pior faceta de Maluf, o motivo que o faz mais merecedor de repúdio (no meu entender) foi, como governador (1979-1982), ter dado carta branca para a tropa de choque da Polícia Militar, a Rota, barbarizar os bairros pobres, atuando com truculência desmedida e exterminando marginais com sanha comparável à do antigo Esquadrão da Morte. Depois, em cada uma das quatro tentativas frustradas de voltar ao Palácio dos Bandeirantes, repetiu o bordão: "Vou colocar a Rota na rua!".
Vale lembrar que, em Rota 66 - A polícia que mata, o repórter Caco Barcelos documentou 4.200 casos (totalizando cerca de 12 mil vítimas inocentes) de assassinatos cometidos pela Rota nas décadas de 1970 e 1980, tendo como alvos, quase sempre, jovens pobres, pardos e negros, muitas vezes sem antecedentes criminais. Os cidadãos honestos atingidos por engano seriam em maior número do que os verdadeiros criminosos - cuja condição, claro, não eximia os policiais do dever de entregá-los à Justiça, ao invés de simplesmente os abater como moscas.
VALORES DISTORCIDOS
Para lembrar outro filme: "Dormindo com o inimigo"...
Até hoje me indigna que Maluf haja se tornado um criminoso procurado
pela Interpol em razão de crimes financeiros e não como patrono e
incentivador de assassinos seriais, responsável último por uma
infinidade de execuções maquiladas em resistência à prisão. Isto dá uma boa idéia da escala desumana de valores do sistema capitalista...
Nos estertores da ditadura, Maluf repetiu a proeza de conquistar os convencionais do partido governista, convencendo-os a não endossarem a candidatura oficial de Mário Andreazza. Mas, uma parte deles preferiu debandar e constituir o PFL, garantindo sua permanência no poder como aliados do PMDB.
Foi o fim das chances presidenciais de Maluf, que chegou perto mas não levou... felizmente! Teve de contentar-se em ser mais uma vez prefeito de São Paulo (1993-1996), mas a tentativa de nova decolagem enguiçou quando o sucessor que elegeu, Celso Pitta, teve gestão escandalosa e acabou rejeitado, como ruim ou péssimo, por 83% dos paulistanos.
Lula salvou Sarney de ser escorraçado. Pode?
E Maluf acabou sendo mais execrado ainda do que Fernando Collor, o outro
populista de direita importante das últimas décadas. Merece sê-lo por
seu absoluto desprezo pelos direitos humanos, principalmente dos pobres e
excluídos. Mas, no restante, corrupção inclusa, os dois são farinha do
mesmíssimo saco.
Quanto a Lula, considero tão infames seus salamaleques com Maluf como com outros três grandes vilãos da direita: Collor (que, aliás, havia exposto e explorado eleitoralmente seu adultério e a existência de uma filha ilegítima), Sarney (vaquinha de presépio dos milicos que deu um jeito de continuar emporcalhando a cena política depois de 1985) e ACM (o coronelão nordestino que mais poder acumulou durante a ditadura).
Sei lá por que foi desta vez que o copo transbordou. Mas, a intuição do Lula parece ter evaporado, pois a consequência daquelas fotos era mais do que previsível.
Quanto a Lula, considero tão infames seus salamaleques com Maluf como com outros três grandes vilãos da direita: Collor (que, aliás, havia exposto e explorado eleitoralmente seu adultério e a existência de uma filha ilegítima), Sarney (vaquinha de presépio dos milicos que deu um jeito de continuar emporcalhando a cena política depois de 1985) e ACM (o coronelão nordestino que mais poder acumulou durante a ditadura).
Sei lá por que foi desta vez que o copo transbordou. Mas, a intuição do Lula parece ter evaporado, pois a consequência daquelas fotos era mais do que previsível.
Fonte: Náufrago da Utopia
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