É o neocolonialismo, agora faminto pelo controle direto ou indireto das riquezas do século 21: petróleo, terras, água doce, biodiversidade.
por Luiz Carlos Azenha
A reação de Washington ao golpe “democrático” no Paraguai será, como
sempre, ambígua. Descartada a hipótese de que os estadunidenses agiram
para fomentar o golpe — o que, em se tratando de América Latina, nunca
pode ser descartado –, o Departamento de Estado vai nadar com a
corrente, esperando com isso obter favores do atual governo de fato.
Não é pouco o que Washington pode obter: um parceiro dentro
do Mercosul, o bloco econômico que se fortaleceu com o enterro da ALCA —
a Área de Livre Comércio das Américas, de inspiração neoliberal. O
Paraguai é o responsável pelo congelamento do ingresso da Venezuela no
Mercosul, ingresso que não interessa a Washington e que interessa ao
Brasil, especialmente aos estados brasileiros que têm aprofundado o
comércio com os venezuelanos, no Norte e no Nordeste.
Hugo Chávez controla as maiores reservas mundiais de petróleo,
maiores inclusive que as da Arábia Saudita. O petróleo pesado da faixa
do Orinoco, cuja exploração antes era economicamente inviável, passa a
valer a pena com o desenvolvimento de novas tecnologias e a crescente
escassez de outras fontes. É uma das maiores reservas remanescentes,
capaz de dar sobrevida ao mundo tocado a combustíveis fósseis.
Washington também pode obter condições mais favoráveis para a
expansão do agronegócio no Chaco, o grande vazio do Paraguai. Uma das
preocupações das empresas que atuam no agronegócio — da Monsanto à
Cargill, da Bunge à Basf — é a famosa “segurança jurídica”. Ou seja,
elas querem a garantia de que seus investimentos não correm risco. É
óbvio que Fernando Lugo, a esquerda e os sem terra do Paraguai oferecem
risco a essa associação entre o agronegócio e o capital internacional,
num momento em que ela se aprofunda.
Não é por acaso que os ruralistas brasileiros, atuando no Congresso,
pretendem facilitar a compra de terra por estrangeiros no Brasil. Numa
recente visita ao Pará, testemunhei a estreita relação entre uma ONG
estadunidense e os latifundiários locais, com o objetivo de eliminar o
passivo ambiental dos proprietários de terras e, presumo, facilitar
futura associação com o capital externo.
É o neocolonialismo, agora faminto pelo controle direto ou indireto das riquezas do século 21: petróleo, terras, água doce, biodiversidade.
Finalmente — e não menos importante –, o Paraguai tem uma base
militar “dormente” em Mariscal Estigarribia, no Chaco. Estive lá
fazendo uma reportagem para a CartaCapital, em 2008. É um imenso
aeroporto, construído pelo ditador Alfredo Stroessner, que à moda dos
militares brasileiros queria ocupar o vazio geográfico do país. O Chaco
paraguaio, para quem não sabe, foi conquistado em guerra contra a
Bolívia. Há imensas porções de terra no Chaco prontas para serem
incorporadas à produção de commodities.
O aeroporto tem uma gigantesca pista de pouso de concreto, bem no
coração da América Latina. Com a desmobilização da base estadunidense em
Manta, no Equador, o aeroporto cairia como uma luva como base dos
Estados Unidos. Não mais no sentido tradicional de base, com a custosa —
política e economicamente custosa — presença de soldados e aviões. Mas
como ponto de apoio e reabastecimento para o deslocamento das forças
especiais, o que faz parte da nova estratégia do Pentágono. O
renascimento da Quarta Frota, responsável pelo Atlântico Sul, veio no
mesmo pacote estratégico.
É o neocolonialismo, agora faminto pelo controle direto ou indireto
das riquezas do século 21: petróleo, terras, água doce, biodiversidade.
Um Paraguai alinhado a Washington, portanto, traz grandes vantagens
potenciais a interesses políticos, econômicos, diplomáticos e militares
estadunidenses.
Fonte Vi o Mundo
saiba mais:
O RESCALDO DO GOLPE MADE IN PARAGUAY
O
pretexto do golpe parlamentar no Paraguai foi mais patético ainda que o
utilizado em Honduras. Só faz sentido na ótica de reacionários
empedernidos: os miseráveis tentarem ocupar terras para as cultivarem e
não morrerem de fome é subversão das piores e justifica até a derrubada
de um presidente que não reza pela cartilha do sagrado direito à
propriedade.
A execução, por um lado, revelou um profissionalismo que faz supor uma mão oculta manipulando títeres; o desinteresse com que os EUA receberam este gritante atentado à democracia dá uma boa pista de quem possa ser o roteirista do espetáculo.
Pelo outro, teve o inconveniente de não enganar ninguém no resto do mundo. Até as pedras perceberam que Fernando Lugo não teve o mais remoto direito de defesa. Impeachment em pouco mais de 30 horas é algo que só passa pela cabeça de quem estiver se baseando numa cópia fajuta do Direito Constitucional, adquirida de contrabandistas. Foi um típico impeachment made in Paraguay...
A reação dos países dominantes da América do Sul, por enquanto, está sendo tímida demais. Dilma Rousseff e Cristina Kirchner têm de botar na cabeça que ervas daninhas se alastram quando não as extirpamos em tempo: se esta virada de mesa resultar, outras virão.
A execução, por um lado, revelou um profissionalismo que faz supor uma mão oculta manipulando títeres; o desinteresse com que os EUA receberam este gritante atentado à democracia dá uma boa pista de quem possa ser o roteirista do espetáculo.
Pelo outro, teve o inconveniente de não enganar ninguém no resto do mundo. Até as pedras perceberam que Fernando Lugo não teve o mais remoto direito de defesa. Impeachment em pouco mais de 30 horas é algo que só passa pela cabeça de quem estiver se baseando numa cópia fajuta do Direito Constitucional, adquirida de contrabandistas. Foi um típico impeachment made in Paraguay...
A reação dos países dominantes da América do Sul, por enquanto, está sendo tímida demais. Dilma Rousseff e Cristina Kirchner têm de botar na cabeça que ervas daninhas se alastram quando não as extirpamos em tempo: se esta virada de mesa resultar, outras virão.
Chávez, Morales e Mujica são alvos óbvios, troféus que os roteiristas há muito querem empalhar e exibir na parede. E, no final da fila, virão, obviamente... Dilma e Cristina.
Então, até por autopreservação, cabe-lhes produzirem desta vez uma reação bem mais efetiva do que no caso hondurenho.
Então, até por autopreservação, cabe-lhes produzirem desta vez uma reação bem mais efetiva do que no caso hondurenho.
Um embargo econômico do tipo que os EUA impõem há meio século a Cuba faria os golpistas logo pedirem água.
O restante do arsenal estadunidense de desestabilização de governantes indesejáveis é x-rated,
pornográfico demais. O embargo, contudo... já que a ONU e a OEA admitem
condescender com ele indefinidamente, por que não? Pau que bate em
Chico pode bater também em Francisco...
Para a esquerda, fica, pela enésima vez, a comprovação de que, no frigir
dos ovos, as Forças Armadas não garantem a ordem constitucional, mas
ajudam alegremente a promover a desordem que convém aos poderosos. As
quarteladas brasileira e chilena não haviam sido suficientes para
dissipar tais ilusões?!
E também a de que conquistar governos por via eleitoral não significa
tomar o poder. Então, apostar em lideranças tíbias porque empolgam o
povão tem o inconveniente de que, na hora H, nunca se pode contar com
elas. Zelaya e Lugo não foram propriamente depostos, mas sim enxotados
com petelecos.
Outros se descaracterizam tanto, rendendo-se tão incondicionalmente ao
grande capital, que nem precisam ser enxotados; tornam-se caricaturas de
si próprios.
A esquerda que coloca todas as suas fichas na via eleitoral deveria,
pelo menos, tentar levar à presidência da república seus melhores
quadros, os mais consistentes em termos ideológicos, não essas
figurinhas tão populares para vencer eleições quanto ineptas para
governarem como verdadeiros homens de esquerda.
No momento crítico, um Salvador Allende foi capaz de abrir mão da vida
para legar aos pósteros sua última lição de grande revolucionário.
Simplesmente não dá para imaginarmos um Zelaya ou um Lugo fazendo o
mesmo.
Fonte Náufrago da Utopia
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