segunda-feira, 9 de julho de 2012

'Cultura da Ficha Limpa precisa ser disseminada', diz Marlon Reis


O Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral tem 350 comitês espalhadas pelo país, e existem ONGs e redes de entidades da sociedade civil que zelam pela lisura dos processos eleitorais e pelo combate a corrupção. Mas devemos contar também com a posição pessoal de cada eleitor, cada um deve se sentir um fiscal do processo, porque a democracia é um bem de todos. 


 

RIO - Ansioso pelo primeiro processo eleitoral após a aprovação da Lei da Ficha Limpa, o coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o juiz eleitoral do Maranhão Marlon Reis, acredita que os candidatos com ficha suja não contam mais com as mesmas brechas legislativas para prosseguirem com suas campanhas.

Apesar de considerar "impossível" o julgamento de todos os recursos antes das eleições, o juiz acredita que a lei vai filtrar previamente os candidatos que já foram condenados pela Justiça Eleitoral. E também aposta na sociedade com um dos principais fiscalizadores deste processo eleitoral.

O GLOBO: Essa é a primeira eleição que vai acontecer após a Lei da Ficha Limpa. qual sua expectativa?

MARLON REIS: É, a lei vem aí embalada pelo apoio massivo da sociedade brasileira, por outro lado tem um importante suporte, que foi a declaração integral da constitucionalidade de seus termos, que ocorreu no julgamento em fevereiro no STF. A expectativa é de que a lei incida de forma impactante no processo eleitoral, afastando uma série de candidaturas legalmente consideradas inconvenientes para o processo democrático, e por outro lado estabelecendo novos paradigmas para o debate entre os eleitores, sobre o perfil esperado daqueles que pretendem dirigir o poder público

Muitos candidatos considerados "fichas sujas" podem entrar com recursos para continuarem na disputa eleitoral. Caso seja eleito, e condenado posteriormente pela lei, ele perde o mandato?

Ele perde sim. De acordo com o artigo 26-B da Lei de Inelegibilidade, introduzido pela Lei da Ficha Limpa, a liminar concedida para autorizar provisoriamente uma candidatura perde o efeito tão logo ela venha a ser revogada por uma decisão posterior. Isso significa que até mesmo um eventual mandato obtido com base nesta liminar será fulminado caso seja revogada posteriormente pela confirmação do juízo condenatório. Por outro lado, a Lei da Ficha Limpa ainda estabelece que estes processos em que foram concedidas estas liminares devem tramitar com prioridade sobre todos os demais, com exceção do mandato de segurança e do habeas corpus. A liminar tem um custo. Aqueles que conseguirem uma liminar terão que pagar o ônus de ter os seus recursos julgados com mais velocidade. E se a decisão condenatória for confirmada, ele perde o mandato, mesmo tendo conquistado nas urnas.

Existe possibilidade destes casos serem julgados até as eleições?

É impossível. Nas eleições passadas, a Justiça Eleitoral já teve uma dificuldade imensa de decidir todas as impugnações, e agora com o aumento das hipóteses de inelegibilidade, essa dificuldade aumentará. É praticamente impossível que isso ocorra no final do processo eleitoral, mas, ao mesmo tempo, essa é a meta que a Justiça Eleitoral deve buscar. Para isso ela deve se readequar institucionalmente para tornar possível o alcance deste objetivo.

O senhor acha que a Lei da Ficha Limpa precisa ser melhorada para obrigar que estes processos sejam julgados antes das eleições?

Essa não é uma questão legal, e sim institucional do Poder Judiciário. É ele quem deve se adaptar como instituição para dar a resposta mais rápida. A lei já cumpre seu papel e já pensa em todas as hipóteses. Agora compete ao próprio Poder Judiciário se adequar institucionalmente para dar as respostas que ela demanda. Quem pode cumprir um papel importante nesta matéria é o Conselho Nacional de Justiça, que pode regulamentar o tratamento administrativo acertado nos tribunais quanto a tramitação destes recursos, inclusive assegurando as adaptações dos regimentos internos dos tribunais de todo o país para que estes assegurem a tramitação especial determinada pela Lei da Ficha Limpa.

A Lei da Ficha Limpa vale para condenações posteriores a 2010?

Esta matéria já foi discutida e decidida com caráter vinculante pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade de número 29 e 30. O julgamento ocorreu nos dias 15 e 16 de fevereiro deste ano, e concluiu pela aplicação da Lei da Ficha Limpa a todos os fatos pretéritos, mesmo aqueles que ocorreram após a sua vigência. De tal maneira que não cabe aos juizes dos tribunais eleitorais decidir de maneira adversa. O Supremo já julgou a matéria, afirmando que a lei incide sobre fatos anteriores a 2010, e decidiu com caráter vinculante. Ou seja, os tribunais de juízes eleitorais estão obrigados a seguir este entendimento.

O que acontece com os candidatos eleitos que forem condenados, mas, devido à demora do julgamento, a pena prescreveu ?

Essa é uma matéria que ainda não foi decidida, e competirá a Justiça Eleitoral definir na sua jurisprudência deste ano. A minha posição é de que a lei não faz diferença entre pessoas que cumpriram a pena ou não cumpriram em virtude da prescrição. Se houve a condenação, e a pena deixou de ser cumprida por outra razão, como a prescrição, por exemplo, isso não impede a aplicação da lei. No meu entendimento, a prescrição não impede a aplicação da Ficha Limpa, desde que tenha ocorrido a condenação.

Como o senhor acha que será a fiscalização nestas eleições, com base na Ficha Limpa?

O tema só não é mais complexo porque, na verdade, quem deve provar que preenchem os requisitos e não incidiu em nenhuma condenação é o candidato. Se ele não traz a documentação que prova que ele não está inelegível, ele perde o registro da candidatura. É ônus do candidato provar que tem a sua ficha limpa. Por outro lado, o Ministério Público Eleitoral tem se empenhado muito na busca de informações necessárias para apresentação das impugnações de registros de eventuais candidatos que tentem burlar o sistema. E, por fim, nós precisamos contar com a participação de toda a sociedade. A sociedade pode e deve levar ao conhecimento do Ministério Público e da Justiça Eleitoral fatos que possam acarretar a aplicação da Ficha Limpa. Até porque mesmo não haja impugnação, o juiz eleitoral pode indeferir o registro da candidatura, e os eleitores têm o direito de se dirigir diretamente aos juízes eleitorais comunicando eventuais desrespeitos à Ficha Limpa. Esses três aspectos devem ser a base da garantia da efetiva aplicação da Ficha Limpa.
Então, para o senhor, a sociedade também tem um papel importante na fiscalização?

Me reporto aqui a toda a sociedade brasileira, não apenas a sociedade civil e organizada. O Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral tem 350 comitês espalhadas pelo país, e tem existem ONGs e redes de entidades da sociedade civil que zelam pela lisura dos processos eleitorais e pelo combate a corrupção. Mas devemos contar também com a posição pessoal de cada eleitor, cada um deve se sentir um fiscal do processo, porque a democracia é um bem de todos.

Como um eleitor pode apurar se um candidato é ficha limpa?

Existem muitos bancos de dados públicos para a verificação. Os tribunais de contas, por exemplo, divulgam as listas queles que tiveram as contas rejeitadas. Os Tribunais também têm ferramentas de buscas que permitem a localização de processo com base no nome das partes. E, muitas vezes, essas informações estão socialmente disponíveis. Por exemplo, a sociedade tomou conhecimento pelos meios de comunicação que houve uma condenação, então esta informação pode ser levada diretamente ao promotor e ao juiz eleitoral que tem como buscar nos meios oficiais a confirmação.

Mas o senhor não acha que, para os eleitores de classes mais baixas, fazer este levantamento ainda é uma dificuldade?

Por isso o movimento de combate a corrupção eleitoral, que foi a rede que criou a Ficha Limpa, sempre teve uma preocupação pedagógica, nós precisamos orientar a sociedade. Por questões de valores. Muito mais que uma questão legal, a ficha limpa é uma cultura, e precisa ser disseminada em todo o país. e nós temos plena consciência que não é uma lei que fará isso. Temos que construir uma cultura cívica, com valores elevados em todo o nosso país.

Como fica a situação dos prefeitos que tiveram as contas reprovadas pelo Tribunal de Contas, mas aprovadas pela Câmara de Vereadores? Serão considerados fichas sujas?

É uma situação que vai gerar muita dúvida nestas eleições. Os prefeitos que atuaram pessoalmente movimentando o dinheiro público, usurpando a função de técnicos do município, que deveriam fazer este trabalho, eles são tratados pela Lei da Ficha Limpa não como chefes de poder, mas contratados pelos técnicos que tiveram as atividades usurpadas. Essa matéria foi considerada constitucional pelo Supremo também. Prefeitos que tiveram as contas rejeitadas, e que agiram como ordenadores de despesas, se tornam inelegíveis pelo Tribunal de Contas, e não a Câmara de Vereadores, que normalmente são submissas aos prefeitos. Essa hipótese vai gerar um grande parte das inelegibilidades previstas na Lei da Ficha Limpa.




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