O Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral tem 350 comitês espalhadas pelo país, e existem ONGs e redes de entidades da sociedade civil que zelam pela lisura dos processos eleitorais e pelo combate a corrupção. Mas devemos contar também com a posição pessoal de cada eleitor, cada um deve se sentir um fiscal do processo, porque a democracia é um bem de todos.
Por Dório Ewbank Victor (dorio.victor.personale@oglobo | Agência O Globo
RIO
- Ansioso pelo primeiro processo eleitoral após a aprovação da Lei da
Ficha Limpa, o coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
(MCCE), o juiz eleitoral do Maranhão Marlon Reis, acredita que os
candidatos com ficha suja não contam mais com as mesmas brechas
legislativas para prosseguirem com suas campanhas.
Apesar de considerar "impossível" o julgamento de todos os recursos
antes das eleições, o juiz acredita que a lei vai filtrar previamente os
candidatos que já foram condenados pela Justiça Eleitoral. E também
aposta na sociedade com um dos principais fiscalizadores deste processo
eleitoral.
O GLOBO: Essa é a primeira eleição que vai acontecer após a Lei da Ficha Limpa. qual sua expectativa?
MARLON REIS: É, a lei vem aí embalada pelo apoio massivo da sociedade
brasileira, por outro lado tem um importante suporte, que foi a
declaração integral da constitucionalidade de seus termos, que ocorreu
no julgamento em fevereiro no STF. A expectativa é de que a lei incida
de forma impactante no processo eleitoral, afastando uma série de
candidaturas legalmente consideradas inconvenientes para o processo
democrático, e por outro lado estabelecendo novos paradigmas para o
debate entre os eleitores, sobre o perfil esperado daqueles que
pretendem dirigir o poder público
Muitos candidatos considerados "fichas sujas" podem entrar com
recursos para continuarem na disputa eleitoral. Caso seja eleito, e
condenado posteriormente pela lei, ele perde o mandato?
Ele perde sim. De acordo com o artigo 26-B da Lei de Inelegibilidade,
introduzido pela Lei da Ficha Limpa, a liminar concedida para autorizar
provisoriamente uma candidatura perde o efeito tão logo ela venha a ser
revogada por uma decisão posterior. Isso significa que até mesmo um
eventual mandato obtido com base nesta liminar será fulminado caso seja
revogada posteriormente pela confirmação do juízo condenatório. Por
outro lado, a Lei da Ficha Limpa ainda estabelece que estes processos em
que foram concedidas estas liminares devem tramitar com prioridade
sobre todos os demais, com exceção do mandato de segurança e do habeas
corpus. A liminar tem um custo. Aqueles que conseguirem uma liminar
terão que pagar o ônus de ter os seus recursos julgados com mais
velocidade. E se a decisão condenatória for confirmada, ele perde o
mandato, mesmo tendo conquistado nas urnas.
Existe possibilidade destes casos serem julgados até as eleições?
É impossível. Nas eleições passadas, a Justiça Eleitoral já teve uma
dificuldade imensa de decidir todas as impugnações, e agora com o
aumento das hipóteses de inelegibilidade, essa dificuldade aumentará. É
praticamente impossível que isso ocorra no final do processo eleitoral,
mas, ao mesmo tempo, essa é a meta que a Justiça Eleitoral deve buscar.
Para isso ela deve se readequar institucionalmente para tornar possível o
alcance deste objetivo.
O senhor acha que a Lei da Ficha Limpa precisa ser melhorada para obrigar que estes processos sejam julgados antes das eleições?
Essa não é uma questão legal, e sim institucional do Poder
Judiciário. É ele quem deve se adaptar como instituição para dar a
resposta mais rápida. A lei já cumpre seu papel e já pensa em todas as
hipóteses. Agora compete ao próprio Poder Judiciário se adequar
institucionalmente para dar as respostas que ela demanda. Quem pode
cumprir um papel importante nesta matéria é o Conselho Nacional de
Justiça, que pode regulamentar o tratamento administrativo acertado nos
tribunais quanto a tramitação destes recursos, inclusive assegurando as
adaptações dos regimentos internos dos tribunais de todo o país para que
estes assegurem a tramitação especial determinada pela Lei da Ficha
Limpa.
A Lei da Ficha Limpa vale para condenações posteriores a 2010?
Esta matéria já foi discutida e decidida com caráter vinculante pelo
Supremo Tribunal Federal no julgamento das ações declaratórias de
constitucionalidade de número 29 e 30. O julgamento ocorreu nos dias 15 e
16 de fevereiro deste ano, e concluiu pela aplicação da Lei da Ficha
Limpa a todos os fatos pretéritos, mesmo aqueles que ocorreram após a
sua vigência. De tal maneira que não cabe aos juizes dos tribunais
eleitorais decidir de maneira adversa. O Supremo já julgou a matéria,
afirmando que a lei incide sobre fatos anteriores a 2010, e decidiu com
caráter vinculante. Ou seja, os tribunais de juízes eleitorais estão
obrigados a seguir este entendimento.
O que acontece com os candidatos eleitos que forem condenados, mas, devido à demora do julgamento, a pena prescreveu ?
Essa é uma matéria que ainda não foi decidida, e competirá a Justiça
Eleitoral definir na sua jurisprudência deste ano. A minha posição é de
que a lei não faz diferença entre pessoas que cumpriram a pena ou não
cumpriram em virtude da prescrição. Se houve a condenação, e a pena
deixou de ser cumprida por outra razão, como a prescrição, por exemplo,
isso não impede a aplicação da lei. No meu entendimento, a prescrição
não impede a aplicação da Ficha Limpa, desde que tenha ocorrido a
condenação.
Como o senhor acha que será a fiscalização nestas eleições, com base na Ficha Limpa?
O tema só não é mais complexo porque, na verdade, quem deve provar
que preenchem os requisitos e não incidiu em nenhuma condenação é o
candidato. Se ele não traz a documentação que prova que ele não está
inelegível, ele perde o registro da candidatura. É ônus do candidato
provar que tem a sua ficha limpa. Por outro lado, o Ministério Público
Eleitoral tem se empenhado muito na busca de informações necessárias
para apresentação das impugnações de registros de eventuais candidatos
que tentem burlar o sistema. E, por fim, nós precisamos contar com a
participação de toda a sociedade. A sociedade pode e deve levar ao
conhecimento do Ministério Público e da Justiça Eleitoral fatos que
possam acarretar a aplicação da Ficha Limpa. Até porque mesmo não haja
impugnação, o juiz eleitoral pode indeferir o registro da candidatura, e
os eleitores têm o direito de se dirigir diretamente aos juízes
eleitorais comunicando eventuais desrespeitos à Ficha Limpa. Esses três
aspectos devem ser a base da garantia da efetiva aplicação da Ficha
Limpa.
Então, para o senhor, a sociedade também tem um papel importante na fiscalização?
Me reporto aqui a toda a sociedade brasileira, não apenas a sociedade
civil e organizada. O Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral tem
350 comitês espalhadas pelo país, e tem existem ONGs e redes de
entidades da sociedade civil que zelam pela lisura dos processos
eleitorais e pelo combate a corrupção. Mas devemos contar também com a
posição pessoal de cada eleitor, cada um deve se sentir um fiscal do
processo, porque a democracia é um bem de todos.
Como um eleitor pode apurar se um candidato é ficha limpa?
Existem muitos bancos de dados públicos para a verificação. Os
tribunais de contas, por exemplo, divulgam as listas queles que tiveram
as contas rejeitadas. Os Tribunais também têm ferramentas de buscas que
permitem a localização de processo com base no nome das partes. E,
muitas vezes, essas informações estão socialmente disponíveis. Por
exemplo, a sociedade tomou conhecimento pelos meios de comunicação que
houve uma condenação, então esta informação pode ser levada diretamente
ao promotor e ao juiz eleitoral que tem como buscar nos meios oficiais a
confirmação.
Mas o senhor não acha que, para os eleitores de classes mais baixas, fazer este levantamento ainda é uma dificuldade?
Por isso o movimento de combate a corrupção eleitoral, que foi a rede
que criou a Ficha Limpa, sempre teve uma preocupação pedagógica, nós
precisamos orientar a sociedade. Por questões de valores. Muito mais que
uma questão legal, a ficha limpa é uma cultura, e precisa ser
disseminada em todo o país. e nós temos plena consciência que não é uma
lei que fará isso. Temos que construir uma cultura cívica, com valores
elevados em todo o nosso país.
Como fica a situação dos prefeitos que tiveram as contas reprovadas
pelo Tribunal de Contas, mas aprovadas pela Câmara de Vereadores? Serão
considerados fichas sujas?
É uma situação que vai gerar muita dúvida nestas eleições. Os
prefeitos que atuaram pessoalmente movimentando o dinheiro público,
usurpando a função de técnicos do município, que deveriam fazer este
trabalho, eles são tratados pela Lei da Ficha Limpa não como chefes de
poder, mas contratados pelos técnicos que tiveram as atividades
usurpadas. Essa matéria foi considerada constitucional pelo Supremo
também. Prefeitos que tiveram as contas rejeitadas, e que agiram como
ordenadores de despesas, se tornam inelegíveis pelo Tribunal de Contas, e
não a Câmara de Vereadores, que normalmente são submissas aos
prefeitos. Essa hipótese vai gerar um grande parte das inelegibilidades
previstas na Lei da Ficha Limpa.
Font: Agência O Globo
Font: Agência O Globo
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