"Se, de um lado, os eleitores estão cada vez melhor preparados para reivindicar direitos, ao invés de procurar por favores e quebra-galhos, de outro, espera-se que esse ciclo se reverta também em uma melhor qualidade das próprias candidaturas. Novos personagens deveriam surgir como fruto desse processo"
.
O que pode vir de diferente nesta campanha eleitoral?
PorAntonio Lassance
Na maioria das democracias representativas, as eleições são uma espécie de viagem na qual o eleitor escolhe o comandante do voo e a companhia em que pretende embarcar, mas, curiosamente, só tem uma ideia vaga de para onde o estão levando.
Se depender do sistema político brasileiro atual, nos três meses de campanha que se tem pela frente, o eleitor será bombardeado com nomes, números e jingles dos candidatos a prefeito e vereador. As campanhas continuam extremamente fulanizadas. Salvo pela clivagem fundamental entre governo e oposição, em nível federal, estadual e municipal, tudo é muito nebuloso para o eleitor. E mesmo essa diferença essencial nem sempre aparece estampada nas cores da campanha municipal.
Qualificar e desqualificar o debate político depende do sistema eleitoral, dos partidos, dos candidatos e dos eleitores. Cada qual tem parcelas distintas de responsabilidade e fará toda a diferença na representação que sairá das urnas. Quando falamos em sistema eleitoral, nos referimos às regras que organizam o pleito e à maneira como os candidatos são incentivados a usá-las, para o bem ou para o mal.
Por exemplo, a regra que permite o patrocínio empresarial a campanhas estimula a maioria dos partidos e candidatos a seguir esquemas pré-fabricados de conquista de votos. Uma das regras perversas é a de que candidatos que queiram ser competitivos devem se associar a grandes grupos empresariais, que pagarão os custos cada vez mais elevados de campanha. Como não existe mesmo almoço grátis, é óbvio que o sistema eleitoral brasileiro promove o pecado original do conluio do poder público com grupos privados, sejam eles empreiteiras, bancos, prestadoras de serviços ou bicheiros. Embora esta seja a primeira eleição na qual a Lei da Ficha Limpa terá vigência plena, ela pode até ajudar, mas não atacará o cerne do problema.
Os partidos são também incentivados a fazer alianças com o objetivo duplo de ganhar mais tempo de TV e formar coligações maiores, que reúnam mais candidatos a vereador. Os candidatos a vereador ainda são os melhores cabos eleitorais dos candidatos a prefeito. O sistema vai privilegiar quem mais irrigar as campanhas desses vereadores com recursos, em troca de apoio.
Depois de 1988, quando promulgou sua atual Constituição e concluiu institucionalmente sua transição da ditadura para a democracia, o Estado brasileiro se organizou de uma maneira que conferiu amplas atribuições aos municípios e grande poder aos prefeitos. Somos um raro país federalista que considera os municípios como entes federados. Eles podem não só gerir, mas legislar sobre políticas públicas em áreas essenciais.
Nas últimas duas décadas, houve ainda uma reorientação descentralizadora da gestão das políticas sociais. As prefeituras passaram a assumir responsabilidades diretas sobre grandes programas federais e estaduais, principalmente nas áreas de educação, saúde e assistência social, sendo remuneradas para isso. Esse rol depois passou a incluir também políticas de meio ambiente, especialmente a partir do retorno dos investimentos em saneamento. Com a aprovação recente da política nacional de gestão de resíduos sólidos, o problema dos lixões passa a ser uma importante frente de batalha para os futuros prefeitos. Da mesma forma, o problema da mobilidade urbana, que afeta as médias e grandes cidades.
A futura geração de prefeitos a ser eleita em outubro tem diante de si desafios institucionais cada vez mais amplos. As prefeituras já deveriam ter se tornado organizações muito maiores, muito mais complexas e bem diferentes do que eram no passado. Elas são demandadas a serem agências especializadas na implementação direta de políticas sociais e na prestação qualificada de serviços públicos ao cidadão.
Todavia, no Brasil, ainda são maioria as prefeituras que baseiam seu funcionamento na barreira do balcão; as que justificam a lentidão de suas respostas pelo trâmite de suas repartições e pela profusão de regulamentos; as que resumem suas novidades àquilo que depende de emendas parlamentares ou da rede de contatos do prefeito.
O sistema eleitoral, a fulanização das campanhas e a pasteurização das coligações podem ajudar a eleger prefeitos e vereadores que vão brigar para não pagar o piso salarial dos professores, que irão desviar recursos da saúde e que darão prioridade a atender àqueles que financiaram suas campanhas eleitorais. É bem possível.
Mas é preciso lembrar que os avanços socioeconômicos experimentados pelos brasileiros nos últimos anos também contribuíram para aumentar o grau de exigência em relação aos políticos. A cidadania brasileira tem ficado mais rigorosa, com cidadãos mais exigentes quanto às obrigações de seus representantes. Dotados agora de mais instrumentos de cobrança e discussão pública (as redes sociais baratearam a mobilização e o protesto), expõem mais abertamente sua contrariedade e incidem mais fortemente sobre a reputação dos políticos.
Ainda é cedo para dizer até que ponto as eleições municipais deste ano podem se beneficiar do ciclo virtuoso da melhoria das condições de vida de milhões de brasileiros. Se, de um lado, os eleitores estão cada vez melhor preparados para reivindicar direitos, ao invés de procurar por favores e quebra-galhos, de outro, espera-se que esse ciclo se reverta também em uma melhor qualidade das próprias candidaturas. Novos personagens deveriam surgir como fruto desse processo. Só precisamos saber se a campanha permitirá que a maioria dos eleitores os encontre, os reconheça e os eleja.
Antonio Lassance é cientista político e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.
Fonte Carta Maior
Leia mais:
Pessoal, estamos em plena campanha eleitoral. Eis os "Dez mandamentos do Voto Consciente". Conheça-os e divulgue-os!
1º)Procure conhecer o passado, as
ideias e valores do candidato ou candidata. Se ele já se envolveu em
escândalos de corrupção, comprou votos, foi cassado pela Justiça,
renunciou a mandatos para escapar de punições ou se aliou a grupos
envolvidos com essas práticas: simplesmente não vote nele!
2º) Não basta que os candidatos tenham a
“ficha limpa”. É preciso conhecer as intenções e propósitos de cada
candidato: quem financia a sua campanha? Quem ele realmente vai
representar? Procure se informar. Exija dele uma vida honrada, do mesmo
jeito com que você procura conduzir a sua vida;
3º) Conheça mais a lei eleitoral:
participe de palestras, reuniões e debates. Sua vida em comunidade exige
que você esteja mais informado sobre assuntos tão importantes.
4º) Ajude
a criar ou fortalecer um Comitê da Lei 9840 para o Combate à Corrupção
Eleitoral (MCCE) e aplicação da Ficha Limpa. Se você faz parte de algum
grupo ou organização social (Associação, Sindicato, Igreja, Clube de
Mães, Centro de Direitos Humanos), saiba como fazer no site: http://www.mcce-mt.org/ .
5º) Denuncie a compra de votos: quando
uma pessoa aceita um benefício em troca do seu voto se condena a viver
sem emprego, educação, segurança pública. Assim, o remédio hoje recebido
em troca do voto poderá mais tarde custar a falta do hospital que
salvaria a sua vida ou a de seu filho.
6º) Denuncie o desvio de recursos
públicos para fins eleitorais. É muito grave que um candidato se utilize
de bens e serviços públicos para ganhar as eleições.
7º) Tire fotos, grave ou filme se notar
qualquer sinal de compra de voto ou de apoio eleitoral, utilizando o
mal uso do dinheiro público, pois ajuda a comprovar a irregularidade na
denúncia ao Juiz Eleitoral, ao Ministério Público ou até mesmo à
Polícia.
8º) Não vote em pessoas que mudam de
partido, como “quem muda de roupa”. Ao votar no candidato, não estamos
votando só na pessoa, mas no partido, ajudando a eleger outros
candidatos do mesmo partido ou coligação: por isso saiba quem são os
outros candidatos da legenda.
9º) Procure saber se o candidato tem
compromisso com a defesa da vida em todas as suas fases, bem como com a
realização da Reforma Política, Reforma Agrária e com Direitos Sociais
fundamentais: como criação de emprego e geração de renda, melhoria da
saúde e da educação, defesa do meio ambiente e da Cultura da Paz. Cobre
esse compromisso.
10º) Pense bem antes de votar,
escolhendo pessoas que se prepararam para administrar (Presidente e
Governador) ou fazer leis (deputado federal e estadual e para o senado)
em benefício de toda a sociedade, nunca em proveito pessoal. Não deixe
para a última hora a escolha dos candidatos a deputado e senador. Depois
da eleição, acompanhe o trabalho dos eleitos.
Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil e Comissão Brasileira Justiça e Paz
Fonte: http://comunicandoestef.blogspot.com/
Leia mais:
Guerra desigual nas eleições favorece corruptos
"A civilização moderna tem reduzido o número dos tolos, mas aumentado proporcionalmente o dos velhacos."
(Marquês de Maricá)
Canhão contra cassetete. Assim se trava a guerra desigual entre os
candidatos economicamente abastados – com seus canhões – e os
financeiramente mais pobres – debilmente armados com cassetetes. Perante
o “olhar cego” da Justiça Eleitoral, as condições devem ser iguais para
todos os candidatos. Mas essa pretensa “igualdade” só existe mesmo nos
papéis.
A Lei “Ficha Limpa” – grande avanço conquistado por milhões de
brasileiros na luta contra a corrupção e a impunidade – está longe de
igualar as oportunidades entre os candidatos. Sua eficácia torna-se
maior na medida em que os eleitores recorrem ao direito de denunciar
indícios de fraudes ao Ministério Público Eleitoral – iniciativa ainda
incipiente, embora já com alguns resultados positivos.
As eleições são mais éticas na proporção em que se combate a
corrupção, a impunidade e também a condição desigual em que se processa a
disputa. Enquanto os mais ricos usam até helicópteros para jogar
panfletos e visitar municípios, os mais pobres mal conseguem levar sua
mensagem aos eleitores mais próximos.
Dentro das regras ainda vigentes no Brasil, o fator honestidade
coloca o candidato em desvantagem diante daqueles que apelam para
doações ilegais, caixa 2 e outras mutretas. Para piorar, a corrupção que
começa já na campanha terá continuidade – e com mais intensidade – na
gestão do candidato “vencedor”.
Nunca houve no País, em termos judiciais, uma ferramenta de combate à
corrupção tão importante como a “Ficha Limpa”: Lei Complementar nº 135,
que estabelece hipóteses de inelegibilidade e visa proteger a probidade
administrativa e a moralidade dos mandatos. Mas para que essa lei tenha
a eficácia desejada os eleitores precisam ser também atores do
processo, e não meros espectadores.
Exercendo seu direito – e dever – de denunciar indícios de corrupção e
outras irregularidades, o cidadão conseguirá fazer com que as cadeiras
que o representam no Executivo e no Legislativo sejam ocupadas por
candidatos mais identificados com os anseios populares.
Uma reforma política que garanta igualdade aos diversos partidos e
combata a elitização da representação política precisa ser aprovada pelo
Congresso Nacional para coibir distorções como escândalos de desvio de
dinheiro público, lavagem de dinheiro e transferências para o exterior.
Esse indispensável saneamento terá como reflexo a redução da miséria,
o combate às drogas, a melhoria da assistência à saúde e à educação e,
enfim, o bem estar geral dos brasileiros, que vivem num país rico,
embora rica, detém os piores índices sociais do planeta.