Após 20 anos, povo Xavante pode reaver suas
terras. Notificações e listas oficiais do governo revelam envolvimento
de latifundiários, vereadores, prefeitos e até um desembargador na
ocupação ilegal
Placa indicando a Terra Indígena Marãiwatsédé Foto: Rodrigo Baleia/Greenpeace
Percuária Ilegal em Terra Xavante
Percuária Ilegal em Terra Xavante
A Terra Indígena Marawãtsede é repleta de
fazendas de gado. A pecuáia que toma conta da área é responsável por
mais de 45% do desmatamento e entrega aos supermercados e aos
consumidores carne com sabor de ilegalidade.
Homem Branco em Marãiwatsede
Em 2010 Marãiwatsede (MT) recebeu o triste
título de área mais devastada da Amazônia. O filme conta a história do
povo Xavante que teve sua terra tomada pelos militares no início da
ditadura, para criar a fazenda Suiá Missu, considerada o maior
latifúndio do mundo na década de 70. Os índios estão de volta e querem
recuperar seu território.
Invasores começam a ser retirados de Terra Indígena Marãiwatsédé
Por Andreia Fanzeres e Daniel Santini/ Repórter Brasil
Começou nesta semana a retirada de invasores da Terra Indígena
Marãiwatsédé, no nordeste de Mato Grosso. Com apoio do Exército, Força
Nacional, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, representantes
do governo federal organizaram uma operação para garantir a devolução
das terras aos índios Xavante. O processo de desintrusão foi iniciado há
mais de um mês, quando, em 7 de novembro de 2012, oficiais de Justiça
percorreram todas as propriedades, residências e pontos comerciais que
se estabeleceram de forma ilegal na área, notificando os ocupantes a
deixar o local espontaneamente em até 30 dias. Incentivados por
fazendeiros e políticos locais, alguns grupos decidiram não cumprir a
decisão judicial e têm procurado desestabilizar o processo forçando
conflitos com as tropas. Nos primeiros dias da desintrusão, a Força
Nacional recuou disparando balas de borracha e bombas de gás.
Os
manifestantes apareceram na Fazenda Jordão, onde a operação teve início,
no momento em que as forças de segurança realizavam as primeiras
abordagens. Segundo a listagem de propriedades do governo, a propriedade
onde a confusão aconteceu pertence a Antonio Mamed Jordão,
ex-vice-prefeito de Alto Boa Vista, que detém uma das maiores áreas
invadidas dentro da Terra Indígena, um latifúndio com mais de 6 mil
hectares. Em 2008, Jordão declarou patrimônio de R$ 4,5 milhões.
Além dele, outros políticos donos de extensas porções da terra
indígena são, ainda de acordo com as listas oficiais do governo, Mohmad
Khalil Zaher, vereador em Rondonópolis (MT), Sebastião Ferreira Prado,
Sebastião Ferreira Mendes, entre outros. Os latifundiários,
representados pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
(CNA), reclamam da desintrusão e chegam a questionar se as terras são
mesmo indígenas (leia nota divulgada nesta terça-feira, 11).
Além
da presença de forças de segurança, outros órgãos do governo federal
foram acionados para minimizar o impacto do deslocamento. Para os
pequenos agricultores estabelecidos de maneira ilegal na área da
reserva, foram oferecidos lotes em programas de reforma agrária. Segundo
o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), 140
pessoas haviam procurado o programa até a semana passada. "O processo
[de desintrusão] já está acontecendo. Esperamos que aconteça da
melhor forma, tanto para os indígenas quanto para os que vão receber
outra terra. Esperamos que isso aconteça, que eles recebam outras
terras", afirma Paulo César Moreira, coordenador da Comissão Pastoral
da Terra no Mato Grosso. "Os pequenos devem ser beneficiados não só
com a terra, mas também com crédito, inclusão em programas sociais.
Já os grandes proprietários não receberão terra. O problema é que
muitos não estão aceitando porque existe manipulação política",
completa.
Nas TVs e rádios locais, a imprensa tenta enfatizar o
drama de famílias que não têm para onde ir. Políticos de São Félix do
Araguaia, Bom Jesus do Araguaia e Alto Boa Vista, municípios que têm
áreas incidentes sobre Marãiwatsédé, articulam-se com seus pares no
governo estadual e no Congresso Nacional agendando reuniões e
encontros emergenciais com a Casa Civil e ministros do Supremo
Tribunal Federal avisando à população que estão buscando o
“cancelamento” do decreto que homologou a terra indígena em 1998 –
mais uma medida desesperada que gera expectativa pela reversão deste
processo, sem qualquer eco na legalidade.
O
que está acontecendo hoje é a confirmação de várias decisões desde
1995. Foi, portanto, um longo processo que deu tempo suficiente para
análise de provas, contestações
Márcia Zollinger, do Ministério Público Federal |
Na
segunda-feira, 10, a procuradora Márcia Zollinger, do Ministério
Público Federal do Mato Grosso, concedeu entrevista coletiva em Cuiabá
explicando que o processo de desintrusão está sendo cumprido por etapas
e só será interrompido se houver alguma decisão judicial que
determine o contrário. "O Ministério Público Federal está atuando para
garantir o direito territorial do povo indígena Xavante de
Marãiwatsédé e também realiza o acompanhamento das ações envolvendo a
retirada dos ocupantes, especialmente aqueles que se encontram em
estado de vulnerabilidade social".
Ela também lembrou que o
processo de desintrusão que ocorre hoje foi fruto de uma Ação Civil
Pública datada de 1995 que pleiteava a finalização dos trabalhos de
demarcação e homologação da Terra Indígena Marãiwatsédé, além de sua
desocupação com recomposição dos danos ambientais. Segundo ela, é de
maio de 1995 a primeira liminar que a Justiça expediu determinando a
desintrusão da terra indígena. "O que está acontecendo hoje é a
confirmação de várias decisões desde 1995. Foi, portanto, um longo
processo que deu tempo suficiente para análise de provas,
contestações", afirma."O MPF convidou os órgãos envolvidos nos
trabalhos de desintrusão no sentido de tomarmos todas as precauções
para que a retirada dos ocupantes seja realizada de forma pacífica,
privilegiando o diálogo".
Devastação ambiental
A reserva fica em uma área de transição entre Floresta Amazônica e Cerrado. Com 165 mil hectares (equivalente ao tamanho do município do Rio de Janeiro), a Terra Indígena localiza-se na região de Mato Grosso conhecida como Vale dos Esquecidos. Desde que foi invadida, Marãiwatsédé é a Terra Indígena que sofreu o mais avassalador processo de desmatamento da Amazônia Legal. Em apenas 20 anos, a mata nativa foi substituída por plantações de soja e exploração da pecuária. "Esse desmatamento afetou diretamente a vida dos inígenas. No lugar da mata entrou uma atividade agrícola que envolve uso intenso de agrotóxico e isso afetou o acesso de todos à água. ", diz Márcio Astrini, coordenador da campanha da Amazônia da organização ambientalista Greenpeace. Convidado pelos Xavantes, ele viajou para região em 2009 para fazer um levantamento sobre a situação. "Havia uma caixa d´água na aldeia, mesmo com um rio passando a menos de um quilômetro. E também marcou muito a chegada de um caminhão com caixas de isopor para vender peixes para os índios. Os Xavante são caçadores e acabaram vivendo ao lado de um rio sem peixes. Depender dos outros para se alimentar é algo muito constrangedor".
O impacto da pecuária dentro da reserva virou um relatório do Greenpeace, que seguiu acompanhando o tema. A Repórter Brasil, por sua vez, publicou um estudo relacionando o monocultivo de soja dentro da Terra Indígena
com a devastação ambiental. "Dentro da própria reserva, a sensação de
conflito era constante. Os índios caminhavam escondidos, sempre sujeitos
a ataques, mesmo ocupando um espaço diminuto de cerca de suas terras
[cerca de 10%]. Quando visitamos a aldeia, encontramos um menino que
havia levado um tiro porque estava passando por uma fazenda. É uma vida
de refugiados dentro da própria Terra Indígena", conta Márcio. "Fomos
acompanhados da Funai e, mesmo sendo uma terra indígena demarcada e
homologada, tivemos que viajar à noite porque era muito perigoso chegar
durante o dia. O próprio governo brasileiro tem que entrar escondido em
uma terra homologada porque não havia segurança", completa.
Entenda o caso
Os
Xavante que viviam na área batizada como Marãiwatsédé (“mata fechada”,
na sua língua) foram removidos de seu território em aviões da Força
Aérea Brasileira pela Ditadura em 1966. Com objetivo de incentivar a
colonização da região nordeste de Mato Grosso, entre as bacias do Xingu e
do Araguaia, o governo federal forçou os indígenas a seguirem para a
Missão Salesiana São Marcos, a cerca de 400 quilômetros, onde
enfrentaram uma epidemia de sarampo que dizimou dois terços do grupo.
Desde aquela época, o povo de Marãiwatsédé tenta retornar à sua área,
que, por sua vez, foi vendida para o Grupo Ometto, tornando-se
conhecida como Fazenda Suiá Missu, o maior latifúndio do mundo. Ela
chegou a ter nada menos que 800 mil hectares.
"Vamos matar os índios" e "Índio bão é índio morto", ódio contra os Xavante. Foto: Divulgação
Nos
anos 80, a fazenda foi vendida para a empresa italiana AGIP Petroli,
que no final da década sofreu fortes pressões de grupos ambientalistas
da própria Itália da Campanha Norte e Sul. A mobilização culminou no
constrangimento do grupo empresarial na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 1992, a
Eco 92, ao ponto de o presidente da corporação, Gabriel Cagliari,
prometer a devolução da área aos Xavante. Na semana em que acontecia a
Eco 92, o gerente da fazenda, Renato Grillo, juntou-se a políticos
locais contrários ao retorno dos indígenas. Em vez da desocupação, foi
organizada a invasão de parte da área na localidade conhecida como
Posto da Mata, episódio amplamente divulgado nos meios de comunicação.
Ainda
em 1992, já haviam sido iniciados os estudos da FUNAI para
identificação do território Xavante, homologado em 1998 pelo presidente
Fernando Henrique Cardoso, apesar do processo de invasão e de
denúncias pela urgência da desintrusão à época. Em maio de 1995, saiu a
primeira decisão da Justiça determinando a desintrusão. E apenas em
2004, após ficarem acampados por 10 meses à beira da Rodovia BR-158, um
grupo de Xavante de Marãiwatsédé conseguiu, com respaldo em uma
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), retomar uma parte diminuta de
seu território, onde permanecem até hoje. Em 2010, o Tribunal Regional
Federal da 1ª Região (TRF-1) julgou por unanimidade que os ocupantes
não indígenas agiram de má-fé e não têm direito à indenização. Em 2011,
os deputados José Geraldo Riva e Adalto de Freitas aprovaram uma lei
inconstitucional na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, chancelada
pelo governador Silval Barbosa, colocando à disposição a União o Parque
Estadual do Araguaia em permuta à Terra Indígena Marãiwatsédé.
Representantes dos Xavante protestam durante a Rio+20, no Rio de Janeiro. Foto: Daniel Santini
Três
dias depois, o desembargador do mesmo TRF-1 Fagundes de Deus
considerou que havia possibilidade de acordo e suspendeu por liminar a
decisão que autorizava a desintrusão. Esta liminar foi derrubada em
maio de 2012 pelo desembargador Souza Prudente. Pressionada pelos Xavante na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 2012, a Rio+20,
em agosto a FUNAI apresentou o plano de desintrusão, mas, em
setembro, o vice-presidente do TRF1, Daniel Dias, voltou a suspender o
processo por força de recursos interpostos pelos fazendeiros,
representados pelo advogado Luiz Alfredo Feresin de Abreu, irmão da
senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil (CNA). O caso chegou ao STF, quando seu então
presidente, ministro Carlos Ayres Britto, derrubou a liminar,
autorizando a continuidade do processo de desintrusão. No dia 7 de
novembro começaram as notificações para retirada dos invasores.
Os indígenas que vivem em Marãiwatsédé elencam diversos episódios de
atentados que sofreram, desde que retornaram para a região após quase 40
anos de exílio. A partir de 2004, têm sido vítimas de incêndios
criminosos no entorno da aldeia. Também tiveram destruído um ônibus
escolar usado pelas crianças Xavante no Posto da Mata. Já houve roubo de
gado dos índios, ameaças de morte, tiros a queima-roupa e um dos
últimos casos, a perseguição ao filho do cacique Damião Paridzané no dia
3 de novembro de 2012. Motorista contratado pela SESAI, ele capotou o
carro, que foi posteriormente incinerado de modo criminoso, deixando os
cerca de 800 indígenas sem transporte no atendimento hospitalar fora da
aldeia.
Os indígenas divulgaram a "Carta da comunidade Xavante para a sociedade brasileira" (leia aqui - parte 1, 2 e 3),
assinada pelo cacique Damião Paridzané em 8 de dezembro de 2012,
comemorando a retirada dos invadores. "Agora a desintrusão já começou.
Os anciãos esperaram muito tempo para tirar os não-índios da terra.
Sofreram muito. A vida inteira sofrendo, esperando tirar os fazendeiros
grandes. A lei federal, a constituição, as autoridades estão do nosso
lado. (...) Quem ocupava a terra eram nossos pais, nossos avós, nossos
bisavós que nasceram aqui, cresceram aqui, fizeram festa para
adolescente. Lutaram muito, fizeram ritual dentro do território de
Marãiwatsédé nem fazendeiro nem posseiro viviam aqui antes de 1960. Era
só índio os anciãos lembram, só tinham duas casas em São Félix do
Araguaia. (...) A mata misteriosa que só os Xavantes de Marãiwatsédé
conhecem seus segredos. Por isso os antepassados sempre preservaram a
floresta, porque ela é da nossa cultura. Essa terra é a nossa origem.
Quando a terra for devolvida para o nosso povo, a floresta vai viver
novamente. Vai voltar animais e plantas. Nossa mãe vai ficar muito
forte e muito bonita, como sempre foi. É assim que tem que ser".
No
texto, os Xavante lembram ainda violências sofridas. "Antes da
retirada de nossa terra mataram muito Xavantes. Os fazendeiros daquele
tempo é muito bandido. Mataram com tiro. Morreu Tsereteme, Tserenhitomo,
Tsitomowe, Pa´rada, Tseredzaró, tudo morto com tiro. Não vamos trair o
espírito deles."
Queimada em área dentro da Terra Indígena Marãiwatsédé. Foto: Verena Glass
Dados da desintrusão
A Associação dos Produtores Rurais da Suiá-Missu (Aprosum) divulgou que sete mil posseiros seriam despejados pelo governo federal, informação amplamente divulgada a mídia
matogrossense que provocou comoção generalizada. Segundo dados oficiais do IBGE, no entanto, há 2.427 pessoas em Marãiwatsédé. E, destes, apenas 482 não se declararam indígenas no Censo de 2010.
Segundo relatório da Operação
Tsa’amri, da Polícia Federal, de 7 a 17 de novembro de 2012, apenas 455
pessoas foram encontradas na área e notificadas a deixar a terra
indígena, além de 242 empreendimentos (como casas, comércios e
fazendas). Quarenta e três desses locais estavam abandonados. Dos 140
que procuraram o INCRA para se candidatar à reforma agrária, muitos
relataram estar sob ameaça de fazendeiros, de acordo com a Polícia
Federal. “Muitas famílias têm relatado ao pessoal do INCRA que os
fazendeiros têm feito pressões e ameaças aos que manifestam interesse em
serem assentados”, aponta o relatório.
A estimativa é de que os
proprietários de 80% das localidades mapeadas dentro da Terra Indígena
foram notificadas. Por falta de segurança, os oficiais de Justiça
interromperam as notificações em 17 de novembro e a operação foi
finalizada. Nos 10 dias, contudo, foi possível comprovar outras
irregularidades, como o elevado número de trabalhadores sem carteira de
trabalho assinada nas fazendas dentro da Terra Indígena Marãiwatsédé. De
acordo com as certidões de notificação, também foram numerosos os casos
em que esses caseiros declaravam que os proprietários residiam fora do
estado, em diversas cidades de Goiás e em São Paulo, por exemplo.
Cacique Damião com Paulo Maldos, da Secretaria Geral da Presidência Foto: Victor Massao
Ainda
segundo os relatos dos oficiais de Justiça, as notificações ocorreram
de forma tranquila, com exceção de situações pontuais quando um veículo
da Força Nacional de Segurança foi tombado, quando um agente da
Polícia Rodoviária Federal foi agredido por populares e quando Filemon
Limoeiro, atual prefeito de São Félix do Araguaia, acompanhado de
outros fazendeiros, apareceu em Posto da Mata e interferiu no
prosseguimento das diligências interpelando os coordenadores da operação
e causando confusão.
“A população, na sua quase totalidade,
está resignada com a situação. Muitos admitem que já sabiam da situação
irregular quando chegaram à área, mas acreditavam em outra solução”, diz
o relatório da Operação Tsa’amri, da Polícia Federal, que ainda
considerou a população “ordeira e educada” durante suas intervenções.
“No trabalho realizado em toda a área, não se ouviu o que propagado na
mídia sobre derramamento de sangue ou necessidade de uso da violência.
Este discurso é propagado pelas lideranças e não corroborado pela
população em geral”, diz um trecho do relatório. “A imprensa funcionou
como um catalisador da violência propagada pelos elementos isolados que
tentavam agitar os demais populares”.
Muita terra para pouco fazendeiro
Desde os trabalhos da FUNAI de identificação do território Xavante nos anos 90 e durante as diligências do INCRA dentro do processo judicial pela desintrusão, a dificuldade de obtenção e divulgação de dados fidedignos foi uma constante. Por isso, o comando da operação de desintrusão trabalha com nada menos que três listas oficiais válidas, que tentam ser complementares: as relações da FUNAI, INCRA e IBAMA.
Peões tocam gado em estrada que corta a reserva indígena. Foto: Rodrigo Baleia/Greenpeace
De
acordo com esses dados, quase um terço da Terra Indígena Marãiwatsédé
encontra-se nas mãos de 22 grandes proprietários. Muitos deles são
justamente os que, em 1992, incentivaram a população a invadir o
território Xavante em uma reunião no Posto da Mata transmitida ao vivo
pela Rádio Mundial FM no dia 20 de junho. Clique aqui para baixar o arquivo de áudio.
Algumas dessas mesmas pessoas ainda hoje insuflam a população a
resistir à desintrusão. Este é o caso do atual prefeito de São Félix do
Araguaia, Filemon Gomes Costa Limoeiro.
Deixa
esse povo que está aqui querendo trabalhar, viver dessa terra, porque o
índio vem pra cá, ele não vai produzir nada. Se os índios
trabalhassem, produzissem, tudo bem, a gente ia respeitar o direito
deles também, só que eles vão atrapalhar nossa região
Filemon Limoeiro, em 20 de junho de 1992 |
“Nós
não vamos admitir que, hoje é nós que estamos aqui, que índio venha
invadir onde nós estamos”, afirmou Filemon Limoeiro, em 20 de junho de
1992, durante a reunião que organizou a invasão de Marãiwatsédé na
semana em que a empresa AGIP Petroli declarou na Eco 92 que devolveria a
área da fazenda aos Xavante. “Tem um monte de país que não tem índio,
pode levar a metade, pode levar (palmas). Na Itália tem índio? Não, não
tem. Leva, leva pra lá, carrega pra lá; agora não vem jogar em nós
não; atrapalhar uma região, um município recém criado acaba",
completou.
Outro nome na lista do governo federal é Manoel
Ornellas de Almeida, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de
Mato Grosso, que consta também na lista de infratores ambientais do
IBAMA. O ex-prefeito de Alto Boa Vista, Aldecides Milhomem de Cirqueira e
seu irmão Antonio Milhomem de Cirqueira são, juntos, donos de seis
propriedades.
Gilberto Luiz de Resende, conhecido na região
como Gilbertão, é dono de quase 2.700 hectares em Marãiwatsédé. Ele e
seu irmão Admilson Resende são apontados como responsáveis pela entrada
de posseiros na terra indígena após entrega de documentos que dariam a
elas algum direito sobre a terra. Isso foi apelidado pelos fazendeiros
de “reforma agrária privada”, conforme vídeo divulgado pelos próprios
proprietários na internet. Clique aqui para baixar o vídeo.
Posto da Mata, há 20 anos, quando fazendeiros organizaram a invasão. Foto: Divulgação
Se
eles tentar voltar (sic) vai ter conflito sério, vai ser uma
convivência muito difícil pra nossa população, então não tem a mínima
possibilidade do retorno desses xavante
José Antonio de Almeida “Baú”, ex-prefeito de Alto Boa Vista e prefeito eleito de São Félix do Araguaia, em 20 de junho de 1992 |
O
vídeo diz que “o Baixo Araguaia é uma das regiões agrícolas mais
promissoras de Mato Grosso, aqui um grupo de mais de setecentos
posseiros vive uma experiência inédita. Sem qualquer conflito, duzentos
e oitenta já receberam a escritura das propriedades que invadiram há
onze anose duzentas e cinqüenta famílias já negociaram, e aguardam
apenas a homologação do acordo. Esta experiência está sendo reconhecida
como reforma agrária privada, uma negociação pacífica que beneficia a
todos está mudando a história da região”.
Antonio José de
Almeida, conhecido como Baú, que é prefeito eleito de São Félix do
Araguaia, também é figura tarimbada na história da ocupação de
Marãiwatsédé. Em 1992, ele também falou à Rádio Mundial FM: “nós como
autoridades temos que dar respaldo aos anseio (sic) da população
(palmas). Se a população achou por bem que deve tomar conta dessas terra
em vez de dá-la para o índio nós temos que dar esse respaldo para o
povo, seria irresponsabilidade nossa se nós estivéssemos de braços
cruzado, deixando as coisas correr naturalmente”.
Alheios a essa
articulação, os Xavante tentam se manter unidos na aldeia sob a guarda
da força-tarefa que conduz a operação de desintrusão, como a Polícia
Federal, Polícia Rodoviária Federal, Exército, Força Nacional de
Segurança, e FUNAI. Apreensivos com todo o processo, eles estão felizes
com a concretização de um sonho de 46 anos, conforme previu o ancião
Francisco Tsipé há exatamente um ano. “Confiamos que no ano de 2012
teremos esperança, chegará o grande dia”.
Leia também:
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Maraiwatsede simboliza poderio da "lei do mais forte" (2012)
Estudo denuncia invasão de terras indígenas no Mato Grosso (2010)
Rodovia BR-158 desponta como vetor de expansão da soja (2009)
Conheça mais sobre o caso no blog dos Marãiwatsédé:
Veja abaixo mapa do Infoamazonia.org com desmatamento em Marãiwatsédé
Em vermelho, desmatamento entre janeiro e outubro de 2012. Em amarelo, entre 2004 e 2011.
Fonte Repórter Brasil
Saiba mais:
Políticos possuem fazendas em gleba; confira lista dos donos
Por Patrícia Sanches/RD NEWS
O conflito na gleba Suiá Missu ou
reserva indígena Marãiwatsédé em Alto Boa Vista expõe interesses de
políticos por trás da disputa pela terra. Além do prefeito de São Félix
do Araguaia Filemon Limoeiro (PSD) e da vice-prefeita eleita de Alto Boa
Vista Irene Maria Rocha (PSD), a Irmã Irene, que já reconheceram
possuir fazendas na região, ainda há outras lideranças políticas e até
integrantes do Poder Judiciário Estadual, que detém propriedade sobre
grande parte daquela área.
Em entrevista ao RDTV desta quarta (12), o
deputado estadual Baiano Filho (PMDB) citou o nome do desembargador
Manoel Ornellas que estaria no rol das lideranças. Conforme dados
divulgados pelo Ministério Público Federal, Ornelas teria 2 fazendas
que somadas totalizam 886 hectares. Ainda de acordo com o MPF, também
aparecem na lista o vereador por Rondonópolis Mohamed Zaher (PSD), o
ex-prefeito de Alto Boa Vista Aldecides Cirqueira (DEM) e o irmão dele
Antônio Cirqueira. Há ainda o ex-vice-prefeito de Alto Boa Vista Antônio
Mamed Jordão com 6.193 hectares e o ex-vereador por Alto Taquari
Admilson Luiz de Rezende com 3 áreas que somam 6.640 hectares.
Segundo relatório do MPF, 1/3 daquela área estaria nas mãos de 22
grandes posseiros e a informação tem gerado polêmica. O deputado Baiano
Filho reclama que a imprensa nacional tem explorado essa questão de
forma negativa, sem mostrar o outro lado. “Nós não queremos esconder que
o desembargador Ornelas e políticos têm propriedade lá. Se eles
compraram fazenda na região qual o problema? Não são latifúndios como
estão pregando, são pequenas terras como as que estão sob o domínios dos
outros moradores”, salienta.
Além dos políticos e do desembargador Ornellas, outras pessoas
possuem fazendas na área. São famílias que ocuparam a região há décadas e
agora resistem à desinstrusão promovida pelas forças policiais.
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Segundo o MPF, 1/3 da área está
nas mãos de 22 grandes posseiros
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nas mãos de 22 grandes posseiros
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Baiano Filho protestou ainda contra o
que classificou como desrespeito e falta de responsabilidade do Governo
Federal com as famílias que estão sendo desalojadas sem qualquer
indenização ou alternativa digna de alojamento. “Estão tirando as
pessoas das fazendas e colocando em barracos às margens da BR 080. O
Governo Federal não se preocupou com o bem-estar dessas famílias”,
lamenta.
O parlamentar também se insurgiu novamente contra o descaso da
presidente Dilma Rousseff com o Governo Estadual e com toda a classe
política mato-grossense por se esquivar de atendê-los em audiência. Ele
falou ainda sobre o resultado da reunião que a bancada federal teve
vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB). "A bancada federal
mostrou imagens do confronto entre produtores e a Polícia Federal ao
peemedebista e ele se comprometeu a buscar uma solução para pacificar a
região, mas eu particularmente estou com pé atrás à boa vontade do
vice-presidente”, confessou.
Fonte RD NEWS
Leia mais:
Carta da comunidade Xavante de Marãiwatsédé à sociedade brasileira
Na ECO-92, começamos a lutar pela nossa terra de Marãiwatsédé.
Neste
território, os ancestrais, nossos bisavós viviam em cima da terra. Este
território é de origem do povo de Marãiwatsédé. Nesta terra amada foi
criado o povo de Marãiwatsédé.
Agora,
a desintrusão já começou. Os anciões esperaram muito tempo para tirar
os não-índios da terra. Sofreram muito. A vida inteira sofrendo,
esperando tirar os fazendeiros grandes.
A
lei federal, a Constituição, as autoridades estão do nosso lado. As
autoridades da Força Nacional, Exército, Polícia Federal estão do nosso
lado porque a presidente Dilma sabe que a terra é dos Xavante de
Marãiwatsédé. Agradecemos as autoridades e todas as entidades que nos
apoiam nessa luta da verdade contra a mentira. A desintrusão é ótima.
Será
que a terra é dos brancos? Será que os pais, os avós, os bisavós dos
fazendeiros nasceram aqui? A gente sabe, a comunidade de Marãiwatsédé
sabe. Não nasceram! Quem sempre ocupou a terra foi o índio. O Xavante de
Marãiwatsédé. Hoje, a comunidade espera tranquila a desintrusão.
Quem
ocupava a terra eram nossos pais, nossos avós, nossos bisavós que
nasceram aqui, cresceram aqui, fizeram festa para adolescente. Lutaram
muito, faziam ritual dentro do território de Marãiwatsédé. Nem
fazendeiro, nem posseiro viviam aqui antes de 1960. Era só índio, os
anciãos lembram, só tinham duas casas em São Félix do Araguaia.
Quando fomos retirados para a TI [Terra Indígena] São Marcos já que criaram os municípios e o nosso território foi destruído.
Quem
destruiu foi o índio ou foi o branco? A gente sabe mesmo. Foi o branco
que destruiu a floresta, essa não é a nossa vida. Nossa vida é preservar
a terra, a natureza, os rios, os lagos. É assim que a gente vive. Nosso
povo respeita nossa mãe e nossa mãe é a natureza. Nós esperamos
tranquilos a nossa vitória. Dormimos tranquilos, sonhamos bonito com a
vitória da nossa terra.
Antes
da retirada de nossa terra, mataram muitos Xavante. Os fazendeiros
daquele tempo eram muito bandidos. Mataram com tiro. Morreram Tseretemé,
Tsercnhitomo, Tsitomowê, Pa'rada, Tseredzaró. Todos mortos com tiro.
Não vamos trair os espíritos deles. Eles só foram tombados em cima desta
terra. Será que os fazendeiros vão pagar indenização?
Quando
o povo de Marãiwatsédé morava aqui, quem apareceu primeiro foi Ariosto
Riva. Ele fez fotos com o nosso povo. Ele enganou os Xavante, destruiu
nossa terra. Não pediu para o povo Xavante se podia destruir a floresta.
Foi ele que invadiu nosso território. Os mais velhos lembram. O piloto
dele era o Nélson. A comunidade Xavante de Marãiwatsédé quer a terra de
volta. Ela foi reduzida.
A
diferença do Xavante de Marãiwatsédé com os outros Xavante é porque os
Xavante de Marãiwatsédé estão sempre preservando a floresta. Não é só o
Cerrado. A floresta (Amazônica) é principal para nossos bisavós que
viviam aqui.
É
a mata misteriosa que só os Xavante de Marãiwatsédé conhecem seus
segredos. Por isso, os antepassados sempre preservaram a floresta,
porque ela é da nossa cultura.
Essa
terra é nossa origem. Os Xingu também protegiam esta terra, os
antepassados dos Kalapalo eram amigos dos antepassados dos Xavante de
Marãiwatsédé.
Os
animais não podem sofrer mais com tanta destruição da natureza. Quando a
terra for devolvida para nosso povo, a floresta vai viver novamente.
Vão voltar animais e plantas. Nossa mãe vai ficar muito forte e muito
bonita, como sempre foi. É assim que tem que ser.
Damião Paridzane
Cacique da aldeia Marãiwatséd
08/12/2012
Leia mais:
Bispo de São Félix do Araguaia escreve carta sobre desocupação das terras de Marãiwatsèdè
“Lamentamos que pessoas humildes tenham se deixado levar pelas
promessas de políticos e demais pessoas interessadas apenas em tirar
proveito desta terra historicamente pertencente ao povo Xavante”,
escreve dom Adriano Ciocca
Eis a carta.
Queridos irmãos de nossa Prelazia de São Félix do Araguaia,
Estamos vivendo um momento de muita apreensão e tensão em nossa Prelazia por causa da retirada dos ocupantes não-indígenas das terras de Marãiwatsèdè. Sabemos que está havendo muito sofrimento, sobretudo, dos mais pobres, por causa desta retirada determinada pela justiça.
Queremos lembrar que nós, bispos e agentes de pastoral, desde o início desta ocupação alertamos e sempre continuamos alertando para a possibilidade do atual desfecho por se tratar de terras cujo direito é garantido ao povo Xavante pela Constituição Federal de nosso país.
Lamentamos que pessoas humildes tenham se deixado levar pelas promessas de políticos e demais pessoas interessadas apenas em tirar proveito desta terra historicamente pertencente ao povo Xavante e que estão acostumadas a usar o povo para garantir os seus interesses. Repudiamos todas as ameaças que nosso bispo emérito Pedro vem sofrendo, bem como membros do povo Xavante. Alertamos para o fato de que nenhuma violência poderá reverter a decisão tomada pela justiça e que o atos criminosos só aumentarão o sofrimento de mais pessoas e suas consequências deverão cair também sobre as cabeças de quem os praticar.
Reafirmamos aos que tem direito aos programas da reforma agrária que continuamos prontos para apoiá-los na luta pela garantia desse direito. Pedimos encarecidamente a todos, cristãos e não-cristãos de nossa Prelazia que não usem o fato da desocupação para criar mais ódio contra os povos indígenas, pois todos temos direito a uma vida digna. Pedimos a todos serenidade neste momento e invocamos as bênçãos de Deus, Pai de todos nós.
Santa Terezinha, 11 de novembro de 2012.
D. Adriano Ciocca
Queridos irmãos de nossa Prelazia de São Félix do Araguaia,
Estamos vivendo um momento de muita apreensão e tensão em nossa Prelazia por causa da retirada dos ocupantes não-indígenas das terras de Marãiwatsèdè. Sabemos que está havendo muito sofrimento, sobretudo, dos mais pobres, por causa desta retirada determinada pela justiça.
Queremos lembrar que nós, bispos e agentes de pastoral, desde o início desta ocupação alertamos e sempre continuamos alertando para a possibilidade do atual desfecho por se tratar de terras cujo direito é garantido ao povo Xavante pela Constituição Federal de nosso país.
Lamentamos que pessoas humildes tenham se deixado levar pelas promessas de políticos e demais pessoas interessadas apenas em tirar proveito desta terra historicamente pertencente ao povo Xavante e que estão acostumadas a usar o povo para garantir os seus interesses. Repudiamos todas as ameaças que nosso bispo emérito Pedro vem sofrendo, bem como membros do povo Xavante. Alertamos para o fato de que nenhuma violência poderá reverter a decisão tomada pela justiça e que o atos criminosos só aumentarão o sofrimento de mais pessoas e suas consequências deverão cair também sobre as cabeças de quem os praticar.
Reafirmamos aos que tem direito aos programas da reforma agrária que continuamos prontos para apoiá-los na luta pela garantia desse direito. Pedimos encarecidamente a todos, cristãos e não-cristãos de nossa Prelazia que não usem o fato da desocupação para criar mais ódio contra os povos indígenas, pois todos temos direito a uma vida digna. Pedimos a todos serenidade neste momento e invocamos as bênçãos de Deus, Pai de todos nós.
Santa Terezinha, 11 de novembro de 2012.
D. Adriano Ciocca
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