quarta-feira, 6 de novembro de 2013

"Black Bloc"


O fato é que jovens sem a cultura política tradicional resolveram deixar a ideologia da espera. Tratados a pão e tijolo, enjaulados em terminais horrendos como o do Parque Dom Pedro, submetidos a infinitas baldeações, eles perderam o medo. Descobriram que não é a esperança que vence o medo. Mas a raiva"






Por Lincoln Secco

A imagem de um coronel da PM paulista agredido chocou a imprensa. Deixemos de lado o fato estranho: numa corporação militar não é comum que justamente o oficial de máxima patente fosse deixado sozinho em meio a manifestantes que não costumam ser bem tratados por seus soldados.

A presidente da República, movida pelas pesquisas de opinião, logo se declarou contra os "vândalos". A Folha de S. Paulo já tinha uma pesquisa pronta para revelar que 95% dos paulistanos são contra os Black blocs. Mas o mesmo jornal não explica como a esmagadora maioria da população pode se posicionar sobre aquilo que ninguém sabe o que é!

Afinal, a grande imprensa costuma mostrar o "vandalismo" como um ato irracional. Por que, afinal, alguém ataca caixas de banco? Um articulista da Folha de S. Paulo sugeriu covardemente o uso do exército contra manifestantes! Já o Governador paulista, sempre movido pelo feixe para onde convergem suas ideias, pede que as leis sejam mais duras para agressores de policiais. Ele sequer tem o pejo de violar o artigo 5 da Constituição. Não somos todos iguais perante a lei? Sobre a desmilitarização da polícia nem uma palavra, afinal é uma obra da ditadura tão intocável quanto os torturadores ainda soltos por aí.

Depois dos confrontos do terminal Parque Dom Pedro em São Paulo foram 78 os jovens encarcerados. Segundo relato de um apoiador dos manifestantes, "na delegacia da Mooca havia um advogado do grupo dos ativistas com uma marca de tiro de borracha no abdômen, uma mãe rockeira orgulhosa do filho, pais moradores da Cohab e duas meninas da USP, combativas, e muito gratas pela nossa presença inútil por ali, que era basicamente para afastar os olhares repugnantes dos PMs rodeando no entorno como cães impunes.

Mais surpreendente foi o caso de um garoto que chegou de madrugada procurando o irmão que estava preso por formação de quadrilha. Detalhe: estavam passeando em São Paulo, vieram de Curitiba (portanto formaram a "quadrilha" em poucas horas).

O fato é que jovens sem a cultura política tradicional resolveram deixar a ideologia da espera. Tratados a pão e tijolo, enjaulados em terminais horrendos como o do Parque Dom Pedro, submetidos a infinitas baldeações, eles perderam o medo. Descobriram que não é a esperança que vence o medo. Mas a raiva.

Se algum articulista já esperou de madrugada a saída do 1178 na Praça do Correio; depois chegou ao seu bairro e levou a milésima batida policial, engoliu a seco, chutou tudo o que viu pela frente e foi dormir chorando de raiva, deve só imaginar o que sente a juventude mascarada.

O velho Mao disse certa vez: uma Revolução "não pode ser assim tão refinada, calma e delicada, tão branda, tão afável e cortês, comedida e generosa". Não vivemos nenhuma revolução até porque a ação dos blocos negros está muito longe da violência revolucionária, especialmente num país com as taxas de homicídio do Brasil. Só a PM mata mais gente do que alguns países em guerra declarada.

Excessos? Sem dúvida. Não advogo aqui tudo o que se faz sob a tática dos blocos negros. Acredito que nem eles. Quando uma esquerda revolucionária retomar seu lugar nas ruas, talvez eles voltem para o fundo das periferias de onde saíram e deixem a direita e a esquerda aliviadas.

Para os que têm dúvidas como eu, repetiria o que me disse um colega há muitos anos numa greve: “Eles estão errados, mas se a repressão está do outro lado, eu não tenho dúvida. Estarei sempre do lado de cá.”

Fonte Brasil de Fato


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Black blocs, o alvo é a Copa 


“Vale a pena perguntar por que esses jovens chegaram ao ponto de enxergar na violência a única forma de ser escutados”, diz Esther Solano, professora da Unifesp, que entrevista os adeptos da tática desde as manifestações de junho



Paulo Hebmüller
de São Paulo


Jovens na casa dos 20 anos, com emprego e acesso ao ensino superior, embora ambos de qualidade discutível; submetidos à precariedade dos serviços públicos do Estado em áreas como saúde, transporte e educação; defensores de uma visão de mundo na qual atacar símbolos do capitalismo não pode ser considerado um ato violento, pois a verdadeira violência contra a população é praticadapelo sistema político e corporativo – dados como esses compõem o perfil dos black blocs de São Paulo, na visão da pesquisadora Esther Solano Gallego.

“Eles querem ser escutados, mas por alguém que tenha um olhar um pouco mais imparcial e se disponha a realmente entendê- los”, diz a professora de Relações Internacionais na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Esther vai às ruas desde junho – primeiro como manifestante; depois, com o colega Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas, passou a conversar com diferentes grupos para procurar entender suas motivações.

A pesquisa acabou centrada na dinâmica entre os policiais, a cargo de Alcadipani, e os adeptos da tática black bloc. É ao lado deles que a professora fica nas manifestações. O objetivo do trabalho, de acordo com Esther, não é emitir julgamentos ou defender qualquer dos lados, mas sim tentar entender um fenômeno social que cabe aos pesquisadores conhecer.

Uma das questões que agora ocupam a pesquisadora tem a ver com a criação de uma força-tarefa, unindo Ministério Público e as polícias Civil e Militar, anunciada pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo no início de outubro.O secretário Fernando Grella Vieira defende o indiciamento dos black blocs por associação criminosa.

Na entrevista a seguir, a espanhola Esther Solano – que se doutorou em Ciências Sociais em meio à crise econômica em seu país e veio para o Brasil em 2011, diz que é difícil saber se as medidas levarão os jovens a radicalizar suas ações ou a retroceder por medo da prisão. Certo mesmo é que por enquanto os adeptos da tática permanecem nas ruas, e que seu objetivo é chamar a atenção do mundo – literalmente – na Copa de 2014, cuja abertura coincidirá com o primeiro aniversário das grandes manifestações de junho.

Brasil de Fato – Com quantos jovens que utilizam a tática Black Bloc você já conversou?

Esther Solano Gallego – Mais ou menos 30. Comecei a falar com eles porque me parece muito importante entender o que está acontecendo, e a única forma de entender é sair para a rua e conversar com eles, o que para mim, por paradoxal que pareça, é muito fácil. Esses jovens não consideram os meios de comunicação de massa seus interlocutores. Mas, quando eu me apresentei como professora e pesquisadora, me aceitaram muito bem.

Qual o perfil que você já identificou neles?

É bem heterogêneo. Temos que diferenciar: há aqueles que sabem realmente o que significa a tática black bloc, leem e sabem articular um discurso mais ou menos politizado, e que são a grande maioria dos que entrevistei. Mas claro que há alguns que simplesmente aproveitam o momento de caos para cobrir o rosto. Tenho tentado conversar com eles também, porque acho que estão representando sua própria forma de violência. Mas são a minoria na minha pesquisa, e essas conversas não têm dado muitos frutos.

Em relação ao primeiro grupo, são jovens que têm um projeto político, que quando saem para a rua para quebrar um banco entendem que esse gesto tem um significado. Os mais novos têm 17 anos, mas em geral a idade vai de 20 a 24 anos; a grande maioria trabalha, muitos estudam. Há alguns formados, a maioria em universidade particular, mas há também gente de universidades públicas como a USP. A maioria é de classe média baixa. São usuários do transporte público, do SUS, da escola pública, mas a maioria não vem daquela periferia mais pobre e excluída.


Eles fazem parte do que vários estudiosos têm chamado de um subproletariado que vem crescendo muito nos últimos anos no Brasil?

A maioria, sim. São jovens que trabalham há pouco tempo, mas já conhecem bem a precariedade do Estado. Friso novamente que a maior parte não é daquela periferia que praticamente não tem acesso às manifestações.

Que tipo de leitura e formação política têm esses jovens com quem você conversa?

Tem de tudo. Alguns leram bastante os anarquistas e articulam bem essa linguagem. Outros não leramtanto, mas têm uma visão política bem articulada. São basicamente duas coisas: a grande maioria possui uma visão política mesmo – talvez não a da academia –, e enxerga bem o que quer fazer. Vale a pena reiterar que a maior parte dos jovens que entrevistei tem um pensamento definido como base de suas ações, o que não impede que, em momentos de manifestações maiores, apareçam indivíduos com muito menos articulação ou que simplesmente se aproveitam do momento.

Há alguma conexão com a origem dos black blocs na Alemanha do final da década de 1980 e com os chamados movimentos antiglobalização dos anos de 1990?

A maioria dos que entrevistei não pensava no que era o black bloc antes das manifestações. Muitos falam que começaram a pensar nisso depois daquele protesto do dia 13 de junho (no Centro de São Paulo), quando a Polícia Militar, como eles dizem, “chegou batendo”. Alguns já tinham lido alguma coisa, mas a grande maioria se envolveu pela ação e reação do momento.

Como você analisa a acusação de que eles são fascistas e estão a serviço de outra causa que não é a intenção original das manifestações?

Acho que aí existem duas coisas. Primeiro, que a esquerda mais institucionalizada, mais partidária, talvez se sinta muito afastada do que aconteceu. Minha percepção é de que há um certo ressentimento com isso, porque ninguém contou com os partidos de esquerda, com os sindicatos ou com os movimentos tradicionais para ir à rua. Outro aspecto é que, em todas as conversas que tive com eles, não percebi nenhuma indicação de que sejam manipulados ou de que respondam a outro grupo. Creio que a motivação é a indignação própria, e que eles têm um grau de autonomia suficiente para não ser movidos por outro grupo.

O anticapitalismo é o discurso mais forte?

Uma jovem me deu uma ótima explicação: em São Paulo a ação começou com o discurso black bloc internacional, de anticapitalismo e ataque aos símbolos do capital, mas depois foi se apropriando do discurso das manifestações brasileiras. Ou seja, talvez não tanto contra o capital, mas incorporando as bandeiras e as reivindicações dos protestos: mudanças e melhoria do sistema político de forma geral. O anarquismo é a inspiração, mas, durante as conversas, aparecem muito mais a precariedade do Estado brasileiro e a violência institucional do que as ideias anarquistas como motivações de sua presença nas ruas.

Eles também se colocam como a linha de frente contra a polícia, não é?

Eles dizem que nunca convocam as manifestações, e que vão à rua para proteger os manifestantes. São duas ações: uma que eles chamam de proteção – a linha de  frente –, e outra, de ação direta. Essa é a forte agora: chamar a atenção, “dar um grito”, utilizando a violência como forma de expressar a indignação. Vale a pena perguntar por que esses jovens chegaram ao ponto de enxergar na violência a única forma de ser escutados.

Os black blocs de São Paulo já podem ser considerados um grupo?

Eles sempre falam que o black bloc não é um grupo, mas uma tática. No final das contas, não são muitos os que saem na rua. Acho que no Rio de Janeiro o movimento é maior. Em São Paulo, não são tantos assim, e acabam sendo as mesmas pessoas que a polícia já levou para a delegacia, já identificou etc. Há também outros que vão aparecendo, que simplesmente cobrem o rosto, e aí você perde a noção de quem é quem. As novas medidas da Segurança Pública em São Paulo podem representar um ponto de virada. Quase todos os black blocs, digamos, mais frequentes já foram para a delegacia. Os policiais também muitas vezes são os mesmos. Então já pedem a documentação, revistam as mochilas etc. Imagino que a polícia saiba quem é a maior parte deles.

Eles têm receio de ser presos e processados, agora que o Estado anunciou o endurecimento da reação?

Sem dúvida. Os que já têm uma passagem por delegacia receiam ser presos novamente e considerados reincidentes. Agora podem ser enquadrados até por formação de quadrilha. Processar por associação criminosa me parece excessivo, embora deva dizer que não tenho grande conhecimento do Direito em geral e do brasileiro em particular. Mas a questão é que os delegados passam a ter legitimado pelo Estado o poder de fazer esse enquadramento. O Estado, no seu papel de protetor da propriedade pública e privada, está se valendo de seu aparato policial e jurídico para propor o endurecimento das penas.

Você já teve algum problema nas manifestações?

Nunca. Comigo os jovens são muito respeitosos, e a polícia também. Isso também pode parecer paradoxal em razão das cenas de violência nas manifestações, mas o fato é que minha experiência destes meses nas ruas é esta, tanto com os policiais como com os Black blocs. Mas claro que fico com um pouco de medo quando começam a aparecer pedras e bombas.

O que eles acham de ser chamados de vândalos ou baderneiros?

Eles são absolutamente contra essa dicotomia criada entre o “bom manifestante” e o “ruim”, categorias que a imprensa coloca para tentar defini-los. Eles dizem que o que fazem não é violência, é performance – é um tipo de espetáculo, em que querem atingir símbolos para chamar a atenção. O discurso é de que a verdadeira violência é a de um sistema político que não dá respostas para a população e que mantém, por exemplo, índices altíssimos de homicídios e de mortes no trânsito. Para eles, a violência é a do sistema, e o que fazem é chamar a atenção para essa violência política e corporativa.

Críticos ao redor do mundo dizem que essa tática sequer arranha o capitalismo.

É. Inclusive há todas aquelas incoerêcias do tipo quebrar um banco, mas usar iPhone. Isso é parte do paradoxo humano. Claro que eles sabem que o dono do banco não está nem aí quando depredam uma agência – mas que conseguem chamar a atenção sobre as coisas que para eles estão equivocadas, tanto no governo quanto na ordem econômica, isso conseguem, até porque de fato a espetacularização dos acontecimentos por parte da imprensa é evidente. Agora, a partir da constatação de que as ruas estão ficando esvaziadas, já presenciei diálogos entre eles sobre se a população está entendendo ou não o que eles tentam fazer.

Você esteve na manifestação do dia 25 de outubro (quando o coronel da PM Reynaldo Simões Rossi foi agredido)?

Não, mas depois conversei com algumas pessoas que foram. O fato é que o Movimento Passe Livre (MPL) tem muita capacidade convocatória, então conseguiu juntar bastante gente que utiliza a tática black bloc. Como já disse, é um movimento muito heterogêneo, e entre eles há quem acredite numa violência mais focada e mais simbólica, e outros que acreditam numa violência mais pesada; os que são mais articulados e os menos, como aliás em todo grupo social. Quando você junta tantas pessoas, num estado de emoções à flor de pele – o componente emocional é muito importante –, com grandes tensões com a polícia, era claro que ia acontecer o que aconteceu. À noite é quando a tensão aumenta e todo mundo vai perdendo a paciência. É sempre o pior momento das manifestações.

Você conhece os rapazes que foram presos?

Os que eu conheço não foram presos. Sei que houve prisão de gente do MPL, anarcopunks etc. Ou seja, foi uma manifestação bem heterogênea. Não dá para falar que só havia black blocs.

Você acha que, a partir do episódio do espancamento do coronel, a PM e a Justiça vão endurecer definitivamente as ações contra os black blocs?

Claramente as políticas vão endurecer. O governador Alckmin já falou da necessidade de penas mais rígidas para quem agride policiais. O espancamento do coronel Reynaldo vai esquentar muito os ânimos. Foi uma agressão filmada, transmitida em todos os meios de comunicação, e espetacularizada, de um PM de alta patente. Depois houve a resposta da presidenta Dilma oferecendo ajuda à PM de São Paulo. É claro que isso vai trazer como consequência uma série de respostas institucionais, radicalizando o discurso, tanto em nível policial como jurídico. O problema será entrar numa dinâmica de ação-reação violenta na qual as posturas dos dois lados endureçam.
O black bloc veio para ficar?

Pelo menos por enquanto, sim. Mas, a partir dessas medidas do governo, será que eles vão se radicalizar? Ou vão retroceder com medo de ser presos? Não sei. De qualquer maneira, a Copa está aí e o foco deles é fazer um espetáculo nela para chamar a atenção de todo o mundo – de todo o mundo mesmo! Pode até acontecer de a ação policial ser muito dura e conseguir esvaziar o movimento. Afinal, eles são jovens de vinte e poucos anos, e é possível que fiquem com medo de ser presos. Mas a ideia é estar na Copa.

E logo depois tem a eleição...

A espiral da violência vem aumentando. Estou preocupada com o que possa vir a acontecer no ano que vem.

Foto: Marcelo Camargo/ABr 
 
Fonte Brasil de Fato


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