segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

“ROLEZAUM” É O FIM DO MUNDO?


O processo de abolição da escravatura ainda não terminou. Acendeu a luz amarela do palácio do Planalto, que já pressentiu que as ondinhas da periferia podem se transformar num grande maremoto. 
 

“ROLEZAUM” É O FIM DO MUNDO?




Por Vilson Nery e Antonio Cavalcante Filho

Nos dias recentes chama bastante a atenção para o fenômeno – espetaculoso para alguns – bastante normal para outros, dos chamados “rolezinhos”, reunião festiva de adolescentes da periferia (e da nova classe média) para, ao mesmo tempo divertir-se, e chamar a atenção para as diferenças e a discriminação (forma alegre de protesto).

O problema é que a tendência de criminalizar os movimentos sociais se manifestou rapidamente, com a reação odiosa de setores desinformados, e inclusive a prolação de algumas decisões judiciais absurdas, com indisfarçado desejo de inibir o direito de ir e vir, e da livre manifestação (ambos garantias individuais, cláusulas pétreas da Constituição Federal). Mas eis que duas manifestações jurídicas das mais qualificadas (pontos dentro da curva), de Luis Flávio Gomes (jurista e professor) e do Juiz Yale Sabo Mendes (magistrado mato-grossense) nos deram a esperança de que as trevas não vão imperar.

Que bom que há Juízes!

Há coisa de alguns dias, numa tarde de grande movimento num dos shoppings de Cuiabá, um coletivo desorganizado de jovens e adolescentes foi apreendido, e a justificação policial foi de que eles estariam fazendo baderna e promovendo “quebra-quebra”, efetuando disparos de arma de fogo, pondo em risco a vida de terceiros. Passado o impacto do medo inicial descobriu-se que não havia nenhum “rolezeiro” com antecedentes criminais e nenhuma arma de fogo com eles foi encontrada. Aliás, não houve nenhuma vítima identificada dos “rolezeiros”! Nem uma vidraça quebrada ou uma loja assaltada.

Para entender os fatos, nos inspiram Yale e Luis Flávio.

Assim falou Yale Sabo Mendes, em brilhante decisão judicial que afastou a censura prévia ao direito de locomoção dos jovens cuiabanos: “vivemos em um Estado Democrático de Direito, princípio adotado como fundamental da nossa sociedade, e que tem a particularidade de emprestar respeito às ações individuais e coletivas legítimas e de proteger toda e qualquer manifestação do pensamento que venha ser feita, porque, só assim, poderá ser assegurado o direito de igualdade, de ir e vir, dentre outros instituídos em nossa Carta Magna”. E arrematou, mostrando entender o “ethos” que move os jovens manifestantes: “buscam dar um basta no ‘apartheid brasileiro’, que ao meu sentir em nada se difere das recentes e grandiosas manifestações que também ocorreram no ano passado em todo o país, inclusive nas principais avenidas de nossa Capital, onde se registrou ‘quebra-quebras’, tumultos, algazarra, e nem por isso foram alvo de qualquer proibição pelo Judiciário”.

E o complemento vem com a lição de Luis Flávio Gomes: “O que parecia uma simples brincadeira de jovens marginalizados da periferia (uma simples farra para ‘catar umas minas’ e encontrar uns ‘parças’ – parceiros) já está se convertendo numa grande manifestação nacional. Recordemos: nenhum incêndio começa grande. A onda dos ‘rolezinhos’, em pleno verão quente, está pegando forte em todo país. 

E assim será por longo período, porque a conta, do Brasil extremamente injusto e institucionalmente degenerado, está chegando. Nenhuma dor ou sofrimento dura eternamente. O processo de abolição da escravatura ainda não terminou. Acendeu a luz amarela do palácio do Planalto, que já pressentiu que as ondinhas da periferia podem se transformar num grande maremoto.”.

Por fim, é de se memorizar que os recursos naturais da Terra (Gaia, Pacha Mama) caminham para a exaustão e mesmo assim os bens e serviços (oferecidos pelo capitalismo a preços imódicos) não beneficiam a todos. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), os 20% mais ricos do mundo consomem cerca de 82,4 por cento das riquezas, enquanto que os 20% mais pobres (um bilhão e meio de almas) se contentam com 1,6 por cento das riquezas produzidas. Se todas as pessoas do mundo tivessem o padrão de consumo do cidadão norte-americano (alimentos, bebidas e roupas) seriam necessários três planetas iguais à Terra para satisfazer a demanda.

O Capitalismo falhou, e feio!

Há um único país do mundo em que “Felicidade Interna Bruta” é política de Estado, e se sobrepõe ao produto interno bruto (PIB) para medir o grau de riqueza, satisfação e felicidade de sua população. Falamos do Reinado de Butão, localizado nas encostas do Himalaia, espremido entre China, Índia e Tibet. Governados por um rei e um monge, Butão tem características que o fazem único. Nas famílias, tanto o poder matriarcal quanto o patriarcal convivem de modo harmonioso. A receita financeira é gerada pela agricultura e também pela energia que vende à Índia, e com isso oferece educação e saúde de qualidade ao povo, e o país simplesmente não tem corrupção. Instituiu o índice de felicidade interna bruta, que mede o grau de satisfação de seu povo com as políticas públicas.

O rolezinho é alerta!

É hora de mudança de hábito, de promover inclusão, de exceder na distribuição de afeto e de manifestar imoderadamente a solidariedade, seja com o irmão, seja com a natureza, ou mesmo com pessoas que não vemos com frequência ou com quem nunca vamos conviver. A persistir essa voracidade no agir, a competição desenfreada por lucro e satisfação do ego e a deliberada discriminação (apartheid), o quadro que nos espera é por demais sombrio.

O que fazer? Os dois juristas antes mencionados e suas ideias, mais o exemplo que vem do minúsculo Butão, talvez sejam o ponto de partida para reflexão sobre as mudanças necessárias.

Vilson Nery e Antonio Cavalcante Filho são ativistas do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral).


Saiba mais:
  

Juiz nega pedido de shopping para impedir "rolezinhos"  

Movimento, formado nas redes sociais, está marcado para o dia 2 de fevereiro, em Cuiabá

 

 
Juiz Yale Sabo Mendes (detalhe) negou pedido do Pantanal e 
diz que jovens lutam contra "apartheid"


AÍCE SOUZA
DO MIDIAJUR


O juiz Yale Sabo Mendes, da 7ª Vara Cível de Cuiabá, negou pedido do Pantanal Shopping Center para proibir a realização do chamado “rolezinho” nas dependências do estabelecimento comercial, na Avenida do CPA,  marcado para o dia 2 de fevereiro próximo.

A decisão liminar é desta segunda-feira (20).

O Condomínio Civil do Pantanal Shopping, autor da ação de interdito proibitório, alegou que os integrantes do “Bonde do Rolezinho”, como são chamados os participantes desse tipo de encontro que reúne jovens de classe social menos abastada, marcaram o encontro com o único fim de “turbarem e esbulharem a posse da área de lazer no local”.

A defesa do shopping sustentou ainda que, recentemente, no dia 28 de dezembro, teria sido vítima, juntamente com seus frequentadores, de briga generalizada provocada pelo “Bonde do Rolezinho”.

Afirmou ainda que “há predisposição da ocupação dos espaços físicos do estabelecimento, demonstrado em conversas na rede social Facebook”.

"Do que se extrai das redes sociais, é que os idealizadores do evento buscam dar um basta no ‘apartheid brasileiro’"


Entretanto, no entendimento do juiz Yale Mendes, “não se pode também perder de vista que esses encontros, que vêm ocorrendo nos shoppings centers, na verdade, não possuem o escopo de expropriação ou moléstia de posse, mas sim, a princípio, cingem-se tão-somente a uma reunião de determinado grupo de jovens que usualmente se relacionam pelas inúmeras redes sociais virtuais”.

“Ora, vivemos em um Estado Democrático de Direito, princípio adotado como fundamental da nossa sociedade, e que tem a particularidade de emprestar respeito às ações individuais e coletivas legítimas e de proteger toda e qualquer manifestação do pensamento que venha ser feita, porque, só assim, poderá ser assegurado o direito de igualdade, de ir e vir, dentre outros instituídos em nossa Carta Magna”, disse o juiz, na decisão.

Yale Mendes destacou, ainda, que, do que se extrai das redes sociais, é que “os idealizadores do evento buscam dar um basta no ‘apartheid brasileiro’, que, ao meu sentir em nada se difere das recentes e grandiosas manifestações que também ocorreram no ano passado em todo o país, inclusive nas principais avenidas de nossa Capital, onde se registrou ‘quebra-quebras’, tumultos, algazarra, e nem por isso foram alvo de qualquer proibição pelo Judiciário”.

“Ao revés, referidas manifestações foram noticiadas pelo mundo, com apoio de inúmeras autoridades, inclusive com a compreensão das repartições públicas que suspenderam o expediente a fim de que os servidores pudessem aderir ao movimento”, destacou.

Ao contrário do que o shopping alegou, para o magistrado, não é possível afirmar que o movimento social e a organização do encontro visa exclusivamente tumultuar e abalar a ordem social, "de modo que deve-se garantir o direito legítimo do cidadão à sua liberdade individual à manifestação de seu pensamento, de reunião, os quais estão a ser violados em caso da concessão da medida perquirida pelo autor”.

Na avaliação de Yale Mendes, cabe ao Pantanal Shopping “tomar as medidas que se fizerem necessárias a debelação das irregularidades evidenciadas caso houver uma deturpação no adequado uso direito à manifestação nos eventos assemelhados, não sendo o caso de proteção possessória”.

“Rolezinho”

O “rolezinho”, termo utilizado para definir os encontros de jovens menos abastados marcado pelas redes sociais em ambientes públicos e em shoppings, ganhou projeção nacional com os recentes incidentes ocorridos no Estado de São Paulo.

Na oportunidade, policiais retiraram à força os jovens dos locais, mesmo sem a prática de delito, a pedido dos proprietários de lojas.

Em entrevista ao site UOL, a antropóloga e professora da Universidade de Oxford, na Inglaterra, Rosana Pinheiro-Machado, afirmou que fechar os shoppings para os "rolezinhos" é apartheid.

Ela fez referência ao regime de segregação racial adotado na África do Su,l na segunda metade do século 20.

"No fundo, o que se teme é ver o que antes não se via: a periferia negra, a pobreza e a desigualdade", afirmou.

Na rede social

Conforme o site MidiaNews revelou, na semana passada, em um grupo formado no Facebook, jovens marcaram “rolezinho” para o dia 2 de fevereiro, às 14h, em Cuiabá.

O local ainda está em votação, mas, conforme se apurou, a tendência é de que o evento aconteceria no Goiabeiras Shopping Center, localizado na Avenida Lavapés, no bairro Duque de Caxias, um local frequentado pela elite cuiabana, por abrigar muitas lojas de grifes.

Intitulado "Rolêzin no Tchópe" (clique AQUI), o grupo, que até então já contava com 114 pessoas que teriam confirmado a participação, é uma versão cuiabana dos atos que começaram em São Paulo e se espalham por várias regiões do Brasil.

Os jovens são, em geral, da periferia ou de classe média.

Recurso

Da decisão do juiz Yale Sabo Mendes, o Pantanal Shopping Center pode recorrer ao Tribunal de Justiça, por meio de um agravo de instrumento.


Fonte  MIDIAJUR



Saiba mais 


Do 'rolezinho' ao desmoronamento do país



Leia o artigo do professor e jurista Luiz Flávio Gomes

 Do 'rolezinho' ao desmoronamento do país


 Luiz Flávio Gomes

O que parecia uma simples brincadeira de jovens marginalizados da periferia (uma simples farra para “catar umas minas” e encontrar uns “parças” - parceiros) já está se convertendo numa grande manifestação nacional. Recordemos: nenhum incêndio começa grande. A onda dos rolezinhos, em pleno verão quente, está pegando forte em todo país. E assim será por longo período, porque a conta do Brasil, extremamente injusto e institucionalmente degenerado, está chegando. Nenhuma dor ou sofrimento dura eternamente. O processo de abolição da escravatura ainda não terminou. Acendeu a luz amarela do Palácio do Planalto, que já pressentiu que as ondinhas da periferia podem se transformar num grande maremoto.

O discurso indignado das novas convocações nas redes sociais, nas últimas horas, mudou de coloração e aponta alvos certos: “Contra toda forma de opressão a pobres e negros, em especial contra a brutal e covarde ação diária da polícia militar no Brasil” (essa é a chamada de Porto Alegre e do Rio de Janeiro). Se os black blocs  pegarem carona no “bonde do rolê”, o país inteiro pode se transformar num campo de guerra (em ano efervescente de Copa do Mundo e eleições).

A razão? O queijo social classista, racista e discriminatório brasileiro conta com muitos furos. As elites burguesas políticas, econômicas, jurídicas e sociais, que sempre taparam seus narizes para a podridão da construção degenerada do nosso país exorbitantemente desigual, não querem sequer enxergar que estão desmoronando o próprio capitalismo, que é o pior de todos os regimes econômicos, com exceção dos demais. O capitalismo, quando conduzido por elites tacanhas e pouco inteligentes, que só pensam nelas, converte-se em uma bomba-relógio, que um dia explode. Esse dia está chegando para o Brasil, desde as manifestações de junho/13. Os burgueses dominantes (e governantes) precisam se conscientizar de que não dá mais para sustentar nosso aberrante apartheid socioeconômico. “Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo” (Abraham Lincoln).

Por que os rolezinhos começaram nas periferias? Porque é nelas que estão segregadas as classes sociais dominadas, cada vez mais desesperançadas. Em cada momento vão minguando suas expectativas de alcançarem qualquer novo progresso individual e social, por falta, sobretudo, dos capitais econômico, cultural e social (que são os que realmente criam os privilégios distintivos de classe). Veja o que está ocorrendo com o Enem, um exame nacional de cartas marcadas em favor das classes privilegiadas, A e B. É impossível um aluno de escola pública desqualificada competir em pé de igualdade com os “de cima. A meritocracia injusta reproduz nosso modelo de sociedade que padece da grave doença da desigualdade crônica.

* Luiz Flávio Gomes, jurista, é diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. - professorLFG.com.br

Fonte Jornal do Brasil

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