O que desestimula a participação cívica, a crença no parlamento e na democracia é a prática da corrupção e é justamente por ela estar tão presente nas nossas eleições o Congresso Nacional é uma das instituições de menor credibilidade no país segundo as pesquisas.
Juiz
de Direito, Márlon Jacinto Reis é titular da 58º zona eleitoral do
Maranhão e autor do livro O Nobre Deputado, em que revela, através de um
personagem fictício – o deputado federal Cândido Peçanha –, como se
define uma eleição para a Câmara Federal e Assembleias Legislativas no
Brasil. O irônico personagem foi criado a partir de entrevistas com
pessoas que participam dos bastidores da política nacional e descreveram
os métodos da corrupção para a tese de doutorado do autor, em
Sociologia Jurídica e Instituições Políticas na Universidade de
Saragoça, na Espanha.
Márlon Reis, que foi
um dos articuladores para a aprovação da Lei da Ficha Limpa e é um
defensor do financiamento público de campanhas, conversou com a Gazeta
do Povo sobre o processo de criação do personagem, as entrevistas que
revelaram as práticas de corrupção e sobre as críticas dos deputados,
que afirmam que seu livro é um desserviço para a política brasileira e
um desestímulo a prática cidadã. Ofendidos por uma entrevista concedida
pelo juiz no programa Fantástico, da Rede Globo, os deputados entraram
com uma representação contra o magistrado no Conselho Nacional de
Justiça (CNJ).
Confira alguns trechos da entrevista.
Como foi o processo de construção do deputado Cândido Peçanha?
Em 2007, comecei a coletar depoimentos para a minha tese de doutorado
de pessoas que se dispuseram a falar sobre ilegalidades praticadas nas
eleições para assegurar a vitória. Quando percebi que havia um conteúdo
bastante relevante, decidi levar isso para a sociedade. Não seria
correto deixar esse conteúdo apenas no meio acadêmico, que é muito
restrito. Decidi construir o personagem para levar ao grande público
essa informação. Foram feitas dez entrevistas com pessoas que
concordaram falar sobre o assunto em profundidade, desde que fossem
mantidas em anonimato. Além disso, pesquisei diversas outras fontes,
como depoimentos em processos judiciais.
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN),
afirmou que o senhor acusou todos os 513 deputados de forma generalizada
e que entrará com uma representação contra o senhor no CNJ. Como o
senhor avalia a reação?
Não há generalização. O livro foi feito para mostrar que existe
corrupção eleitoral e como ela é praticada. Ponto. Esse é o objetivo do
livro. Na reportagem veiculada no Fantástico eu expressamente falo que
não são todos – mas que se trata de uma grande parte. Na verdade o que
houve foi uma reação corporativista em que, a pretexto de defender o
parlamento, o presidente da casa generalizou a defesa para afirmar a
correção de posicionamento dos deputados de que todos os parlamentares
são eleitos de maneira legal, o que não é verdade. Muitos são eleitos
com a estratégia descrita no livro. Quantos são? Eu não sei; a minha
pesquisa não foi capaz de revelar. Essa afirmação de que eu generalizei é
leviana e incompatível com meu histórico pessoal. Sempre fui um
defensor das eleições, da democracia e do parlamento.
O presidente da Câmara também acusou o senhor de desestimular
o exercício da cidadania e reforçar a ideia de que a política não serve
à população. Em um país onde já há um conhecido desinteresse pela
política, as afirmações de que as eleições são uma farsa não colaboram
para essa situação?
Não, pelo contrário. O que desestimula a participação cívica, a
crença no parlamento e na democracia é a prática da corrupção e é
justamente por ela estar tão presente nas nossas eleições o Congresso
Nacional é uma das instituições de menor credibilidade no país segundo
as pesquisas. O que tem diminuído a credibilidade na política é a
corrupção política e principalmente a corrupção eleitoral – é o
financiamento das campanhas por grandes empreiteiras, grandes
corporações.
No livro, o senhor denuncia crimes graves, como desvio de
dinheiro público, compra de votos, agiotagem, fraude em licitações, etc.
Não seria o seu papel enquanto membro do Poder Judiciário denunciar os
autores dessas condutas? Manter o anonimato dessas pessoas não consiste
em um crime de prevaricação?
Eu não tive acesso a práticas ilícitas concretas. Nas minhas
entrevistas eu perguntava sobre os métodos e eles me explicavam como as
licitações eram fraudadas, mas eu não tive acesso a nenhuma licitação
fraudada. Além disso, eu não estava ali como magistrado e sim como
estudante de doutorado. Não era um juiz - até porque não é papel de um
juiz investigar nada e sim julgar os processos que chegam, fruto de
investigações feitas pela polícia ou pelo Ministério Público. O meu
objetivo não é denunciar casos concretos e sim as fragilidades do
sistema no que diz respeito à obtenção de dinheiro para a campanha e
como é feita a conversão desse dinheiro em votos através de atos
criminosos.
O que há de fato errado no sistema eleitoral do Brasil? Quais
são as falhas no sistema eleitoral que permitem que “Cândidos Peçanhas”
continuem sendo eleitos?
O principal pecado das campanhas eleitorais no Brasil é o modelo de
financiamento. As eleições brasileiras são caríssimas – só em 2014 a
estimativa é de um gasto de R$ 9,7 bilhões. Isso acontece porque as
eleições são financiadas por grupos empresariais que atuam muito próximo
ao governo. Existe uma competição entre esses grupos para eleger o
maior número de políticos e com isso influenciar o funcionamento da
máquina pública. Isso gera um grande prejuízo para a sociedade, já que,
depois de eleitos, eles não são representantes dos eleitores e sim dos
financiadores de campanha.
Com tantos métodos para a corrupção das eleições, o que o cidadão pode de fato fazer para mudar essa realidade?
O que o eleitor pode fazer é buscar mais informação e votar de forma
cada vez mais consciente. Hoje se dá mais importância à contusão de um
jogador da Seleção Brasileira do que para os vícios que nós temos no
nosso sistema eleitoral. O cidadão tem que se tornar mais exigente e
também deve se incorporar à luta social pela reforma política porque o
modelo eleitoral e o modelo de financiamento precisam ser superados e
compete ao cidadão fortalecer essa demanda.
Fonte Gazeta do Povo
Visite a pagina do MCCE-MT