Por Antonio Cavalcante Filho e Vilson Nery*
Finalmente a Assembleia Legislativa oferece algo de
produtivo à sociedade, explicando como funciona o fracionamento do orçamento do
estado, por meio da criação de fundos especiais. É a explicação para o “excesso
de arrecadação” que se verifica em determinados períodos do ano, cujo dinheiro
é repassado ao Tribunal de Justiça, Ministério Público e aos próprios deputados
(Assembleia Legislativa).
Por essa razão falta remédio no posto de saúde e
merenda na escola, que não fazem jus ao “excesso de arrecadação”.
Pois bem. Em 2013 os deputados criaram uma Câmara
Temática dos Fundos Especiais, formado por técnicos de todas as esferas de
governo, e o fizeram por meio do Ato nº 15/2013, atendendo ao requerimento do
deputado estadual José Domingos Fraga. O objetivo era estudar e discutir a
constituição e a natureza dos Fundos Especiais, bem como a correta aplicação
desses recursos.
O relatório publicado não é conclusivo, mas traz
informações interessantes.
O emaranhado de normas aplicáveis às questões
financeiras e tributárias criou uma anomalia: o dinheiro repassado aos poderes
é calculado sobre recurso que eles já detém.
Em miúdos: pensemos que o Estado de Mato Grosso receba
R$ 100,00 de tributos em determinado período, o Tribunal de Justiça receba R$
50,00 por meio do Funajuris (custas judiciais, recolhidas na distribuição dos
processos) e o Tribunal de Contas receba outros R$ 50,00 no Fundo de
Reaparelhamento e Modernização (multas aplicadas).
Pois bem: o Governo terá que repassar aos poderes uma
parcela calculada sobre R$ 200,00 (e não somente sobre os R$ 100,00 que
recebeu), de modo que o Judiciário (o Ministério Público também) e o Tribunal
de Contas receberão repasse calculado sobre recursos que já são seus.
É por isso que você vê magistrados, promotores e conselheiros
habitando gabinetes suntuosos e refrigerados, e a escola de seu filho e o
hospital público sucateados. O recurso dos tributos são mal distribuídos, e
categorias profissionais como professores e policiais acabam recebendo salários
minúsculos, que destoam de sua importância na sociedade.
De acordo com as regras em vigor, durante a execução
orçamentária os repasses de recursos aos poderes devem obedecer aos limites
percentuais da receita corrente líquida, fixados pela Lei Complementar Federal
nº 101/2000, de 6% ao Tribunal de Justiça, de 1,77% à Assembleia Legislativa,
1,23% ao Tribunal de Contas e 2% à Procuradoria-Geral de Justiça.
Atualmente a Lei 9.970/2013 legisla sobre a referida
vinculação (artigo 18).
O montante financeiro que é repassado aos deputados,
tribunal de justiça, tribunal de contas e ministério público, é calculado sobre
a “receita corrente líquida”.
Por receita corrente líquida entende-se o somatório
das receitas tributárias de um Governo, referentes a contribuições,
patrimoniais, industriais, agropecuárias e de serviços, deduzidos os valores
das transferências constitucionais.
A fórmula de cálculo é demonstrada no anexo III do
relatório resumido da execução orçamentária (LRF, art. 53, I), de modo
simplificado a Receita Corrente Líquida seria: tributos + contribuições +
receita patrimonial + agropecuária + industrial + serviços + transferências
correntes + outras receitas correntes.
Do resultado da soma seriam deduzidas: as
transferências constitucionais e legais; contribuição de empregadores e
trabalhadores para seguridade social; contribuição para o plano de previdência
do servidor; contribuição para o custeio das pensões militares; compensação
financeira entre regimes de previdência; dedução de receita para formação do
FUNDEB, e contribuições para PIS e PASEP.
O resultado da subtração seria a Receita Corrente
Líquida.
O “pulo do gato” em nosso Estado foi a inclusão dos
fundos no cálculo da RCL, e a não dedução deste quando calculado o
repasse obrigatório. O assunto chegou a ser discutido na campanha eleitoral de
2014, embora de maneira rasa, os candidatos não queriam “se comprometer” com
juízes e promotores (só os deputados foram achincalhados pelo tal “excesso de
arrecadação”).
Não é segredo a ninguém que o país vive abalos
econômicos, as receitas públicas diminuem, o governo estadual retirou direitos
legítimos de policiais e professores, e esta questão dos fundos especiais
precisa ser debatida.
No ultimo do ano de 2014 o Diário Oficial trouxe um
“pacote de bondades” para o Judiciário. Verba indenizatória para pregoeiros e
membros de comissão de licitação (Lei nº 10.251, de 31/12/2014),
auxílio-alimentação para juízes (Lei nº 10.252/2014), auxílio-saúde a
servidores ativos e inativos (Lei nº Lei nº 10.253/2014). É evidente que o Funajuris
será chamado a pagar tais benefícios.
O Tribunal de Contas, por seu turno, retira também de
um fundo, o de Reaparelhamento e Modernização, recursos financeiros para quitar
a verba indenizatória, no valor de R$ 30.000,00 ao mês para os seus conselheiros
titulares e substitutos.
Até quando o orçamento suporta esta sangria?
*Antonio Cavalcante Filho e Vilson Nery são
ativistas do MCCE – Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral em Mato Grosso.
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