quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

O Brasil pode ter eleito em 2014 o pior Congresso Nacional de sua história.


Juiz que milita no combate à corrupção eleitoral, Márlon Reis defende mudança do sistema eleitoral por meio de uma reforma política de iniciativa popular e diz que o Congresso de hoje não é o rosto da sociedade




‘Temos a pior formação do Congresso da história’, afirma juiz que idealizou Lei da Ficha Limpa
 



Por  LÚCIO PINHEIRO

Um dos idealizadores do projeto de iniciativa popular que resultou na Lei da Filha Limpa e militante do movimento em defesa da reforma política, o juiz Márlon Reis afirma que o Brasil pode ter eleito em 2014 o pior Congresso Nacional de sua história.

É por essa constatação que o magistrado do Maranhão se mantém nas fileiras de um exército silencioso de cidadãos engajados em reunir 1,5 milhão de assinaturas e enviar para o Congresso um projeto de lei com alterações nas regras eleitorais.

Em entrevista exclusiva ao jornal A CRÍTICA, Márlon defende que os congressistas, na sua maioria, são o espelho de tudo, menos da sociedade brasileira. Para ele, a principal regra que contribui para essa distorção é o financiamento privado de campanha.

 “Não é a expressão de grupos sociais que está representada no Congresso. Estão representadas no Congresso as megas empreiteiras”, afirma Márlon. 

A seguir, trechos da entrevista.

A sociedade está aberta a esse debate?

Totalmente. E as organizações da sociedade civil, que tem proximidade e podem dialogar, por representar diretamente essa sociedade, também estão abertas e mobilizadas.

Há resistência de algum setor?

Só não tem interesse aqueles que estão lucrando com isso a partir de desvios propiciados pelo sistema. É praticamente unânime na sociedade a necessidade de mudanças nas regras desse jogo. As eleições brasileiras estão sendo pautadas por regras que não servem ao Brasil, completamente antidemocráticas e que favorecem o abuso do poder econômico.

Quais regras precisam ser mudadas?

 A primeira é o financiamento de campanha. Não podemos ter campanhas financiada por empresas que lucram com contratos públicos ou com grandes empréstimos do BNDES. Da mesma forma não faz sentido que empreiteiras que contratam com municípios, governos e estados sejam as maiores financiadoras. Essa relação está completamente morta e é prejudicial ao País.

Há quem alegue que a proibição do financiamento privado de campanhas estimule o caixa dois. O senhor concorda?

Se essa afirmativa fosse verdadeira, ela partiria do pressuposto que nós não teríamos nenhum ou pouco caixa dois atualmente. Só que todos sabemos que o caixa dois é gigantesco. Ouvi de um parlamentar que a estimativa é a de que apenas 10% dos recursos de campanha são contabilizados. Só tem uma coisa para impedir a corrupção, a transparência e o controle. Permitir que a sociedade tenha acesso às contas de campanha para comparar com o que de fato o candidato está fazendo na rua e criar os mecanismos institucionais e sociais para isso ser combatido e obtido a responsabilização. Não há fórmula mágica. É transparência e controle.

Como o Congresso tem se posicionando nesse debate?

O Congresso está dividido por conta da existência de projetos que ganharam conotação partidária. Partidos como PMDB, PSDB e PT desenvolveram, cada um, sua própria tese sobre reforma política e não estão dispostos a dialogar uns com os outros. Acho que aí que a sociedade brasileira pode cumprir um papel histórico, agindo de forma independente e levar para o Congresso seu próprio projeto e convidar os partidos a dialogar. Acredito que esse impasse entre os partidos é a maior provocação para que a sociedade saia do marasmo e entre de cabeça na história da reforma política.

Trabalha-se com prazo para concluir a coleta de assinaturas e mandar o projeto para o Congresso?

Não temos prazo. Temos uma meta de alcançar 1,5 milhão de assinaturas, das quais já temos 600 mil, para cumprir o dispositivo constitucional que exige para as iniciativas populares de projeto de lei 1% das assinaturas dos eleitores. Atingindo essa meta levaremos o projeto ao Congresso.

Como o senhor avalia a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2014? Era isso que os senhores tinham em mente quando apresentaram o projeto?

Tivemos avanços. A lei é a mesma. Conta com o apoio das organizações que lutaram. A redação da lei foi aplaudida pelas organizações. Agora nós estamos numa guerra de interpretações. Tivemos retrocessos e avanços em 2014.

O que avançou?

O reconhecimento do TSE já no final das eleições de que os prefeitos ficam inelegíveis só pela decisão dos tribunais de contas. Não é necessária a decisão da câmara de vereadores. Por outro lado, houve algumas decepções, com caso de pessoas notoriamente envolvidas com as práticas mais abjetas e grosseiras de corrupção e que conseguiram escapar. Mas consideramos que isso faz parte das contradições de uma lei que já existe no marco legal e agora precisa ganhar a maioria entre os componentes do próprio poder Judiciário.

Como resolver esse nó das interpretações contraditórias da lei?

É uma questão cultural. Cada um tem um modo de ver. Há pouco o que fazer nessa matéria, a não ser persistir na pregação continua de que é preciso dar a lei da ficha limpa uma interpretação condizente com o que a sociedade quis quando se mobilizou para conquistá-la. Mas, nesse sentido, vejo que estamos caminhando.

Com base no que foi aplicado da lei em 2014, deu para perceber uma seleção melhor dos novos congressistas?

Olha, o fato de uma pessoa não ter condenações não é um atestado de honestidade. Nesse aspecto, a lei reduziu e muito o número de pessoas candidatas que têm pendências criminais nessas eleições. Houve uma redução de mais de 30% do número de políticos que respondem a processos, o que era superior a 70%. Mas isso, como disse, não significa a expedição do atestado de honestidade. Em contrapartida, entendo que temos a pior formação do Congresso, talvez da história.

Por quê?

Porque se trata de um Congresso que foi eleito quase que exclusivamente pelo abuso do poder econômico. Não temos mais líderes de opinião no Congresso Nacional. Não temos líderes de grupos, o voto de opinião. Não é a expressão de grupos sociais que está representada no Congresso. Estão representados no Congresso as megas empreiteiras, bancos e agora uma grande indústria do setor de comércio e exportação de carne (JBS). Os mega empresários de setores que contratam com o governo. Esse é o rosto do Congresso Nacional hoje.

Além do fim do financiamento privado das campanhas, que outras regras tornam a disputa eleitoral ainda mais desigual?

Por uma lado, se permite que cada partido lance um número imenso de candidatos. Duas vezes e meia o número total de cadeiras em disputa. O voto é transferido. Vota-se em um, mas o beneficiário será outro. Suponhamos que um partido conquista duas vagas numa Assembleia Legislativa: quem terão sido esses dois. A resposta é dada por pesquisadores da Unicamp, esses dois são os financiados pelas empreiteiras, pelos bancos. Por isso que o Congresso Nacional não é o espelho da sociedade brasileira. Por isso precisamos mudar isso. Veja que eu citei falha do sistema eleitora, que permite essa transferência de votos, quanto do financiamento. Quando você junta as duas temos o perfil dessas assembleias legislativas no Brasil.

O que vocês propõem?

Nós propomos uma votação em dois turnos. Primeiro para dizer em que partido quer votar, um voto ideológico. Com esse voto, se decide quantas cadeiras o partido terá. No segundo turno, ele volta para dizer quem deve preencher aquelas cadeiras. Com isso preservamos o direito do eleitor de dar a palavra final sobre os eleitos, mas nós agregamos o aspecto programático que falta. Hoje não há mais programas. Os candidatos são iguais no discurso.

O esquema descoberto pela operação Lava Jato é um exemplo de como as regras no financiamento de campanha precisam mudar?

Esse episódio é didático e mostra exatamente como o sistema funciona. Ele se reproduz para fora da Petrobras em muitos campos. No âmbito dos governos, dos municípios. Essa prática de trocar favores com financiadores de campanha para ter dinheiro disponível para ganhar mandato ela é uma pratica generalizada no nosso modo de proceder político. E o bom da operação Lava Jato é o quão didática ela é. Não faz sentido que alguém seriamente defenda o direito das empreiteiras de bancar eleições após a ocorrência da Lava Jato.

Perfil Márlon Reis

Idade:45

Estudos: Bacharel em Direito. Pós-graduado em Gestão Pública. Diploma de Estudos Avançados em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas pela Universidade de Zaragoza (Espanha). Cursa doutorado na Espanha.

Experiência: Juiz desde 1997. Em 2002, idealizou e fundou, juntamente com lideranças sociais, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).



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