Juiz que milita no combate à corrupção eleitoral, Márlon Reis defende mudança do sistema eleitoral por meio de uma reforma política de iniciativa popular e diz que o Congresso de hoje não é o rosto da sociedade
‘Temos a pior formação do Congresso da história’, afirma juiz que idealizou Lei da Ficha Limpa
Por
Um
dos idealizadores do projeto de iniciativa popular que resultou na Lei
da Filha Limpa e militante do movimento em defesa da reforma política, o
juiz Márlon Reis afirma que o Brasil pode ter eleito em 2014 o pior
Congresso Nacional de sua história.
É
por essa constatação que o magistrado do Maranhão se mantém nas
fileiras de um exército silencioso de cidadãos engajados em reunir 1,5
milhão de assinaturas e enviar para o Congresso um projeto de lei com
alterações nas regras eleitorais.
Em
entrevista exclusiva ao jornal A CRÍTICA, Márlon defende que os
congressistas, na sua maioria, são o espelho de tudo, menos da sociedade
brasileira. Para ele, a principal regra que contribui para essa
distorção é o financiamento privado de campanha.
“Não
é a expressão de grupos sociais que está representada no Congresso.
Estão representadas no Congresso as megas empreiteiras”, afirma Márlon.
A
seguir, trechos da entrevista.
A sociedade está aberta a esse debate?
Totalmente.
E as organizações da sociedade civil, que tem proximidade e podem
dialogar, por representar diretamente essa sociedade, também estão
abertas e mobilizadas.
Há resistência de algum setor?
Só
não tem interesse aqueles que estão lucrando com isso a partir de
desvios propiciados pelo sistema. É praticamente unânime na sociedade a
necessidade de mudanças nas regras desse jogo. As eleições brasileiras
estão sendo pautadas por regras que não servem ao Brasil, completamente
antidemocráticas e que favorecem o abuso do poder econômico.
Quais regras precisam ser mudadas?
A
primeira é o financiamento de campanha. Não podemos ter campanhas
financiada por empresas que lucram com contratos públicos ou com grandes
empréstimos do BNDES. Da mesma forma não faz sentido que empreiteiras
que contratam com municípios, governos e estados sejam as maiores
financiadoras. Essa relação está completamente morta e é prejudicial ao
País.
Há quem alegue que a proibição do financiamento privado de campanhas estimule o caixa dois. O senhor concorda?
Se
essa afirmativa fosse verdadeira, ela partiria do pressuposto que nós
não teríamos nenhum ou pouco caixa dois atualmente. Só que todos sabemos
que o caixa dois é gigantesco. Ouvi de um parlamentar que a estimativa é
a de que apenas 10% dos recursos de campanha são contabilizados. Só tem
uma coisa para impedir a corrupção, a transparência e o controle.
Permitir que a sociedade tenha acesso às contas de campanha para
comparar com o que de fato o candidato está fazendo na rua e criar os
mecanismos institucionais e sociais para isso ser combatido e obtido a
responsabilização. Não há fórmula mágica. É transparência e controle.
Como o Congresso tem se posicionando nesse debate?
O
Congresso está dividido por conta da existência de projetos que
ganharam conotação partidária. Partidos como PMDB, PSDB e PT
desenvolveram, cada um, sua própria tese sobre reforma política e não
estão dispostos a dialogar uns com os outros. Acho que aí que a
sociedade brasileira pode cumprir um papel histórico, agindo de forma
independente e levar para o Congresso seu próprio projeto e convidar os
partidos a dialogar. Acredito que esse impasse entre os partidos é a
maior provocação para que a sociedade saia do marasmo e entre de cabeça
na história da reforma política.
Trabalha-se com prazo para concluir a coleta de assinaturas e mandar o projeto para o Congresso?
Não
temos prazo. Temos uma meta de alcançar 1,5 milhão de assinaturas, das
quais já temos 600 mil, para cumprir o dispositivo constitucional que
exige para as iniciativas populares de projeto de lei 1% das assinaturas
dos eleitores. Atingindo essa meta levaremos o projeto ao Congresso.
Como
o senhor avalia a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2014?
Era isso que os senhores tinham em mente quando apresentaram o projeto?
Tivemos
avanços. A lei é a mesma. Conta com o apoio das organizações que
lutaram. A redação da lei foi aplaudida pelas organizações. Agora nós
estamos numa guerra de interpretações. Tivemos retrocessos e avanços em
2014.
O que avançou?
O
reconhecimento do TSE já no final das eleições de que os prefeitos
ficam inelegíveis só pela decisão dos tribunais de contas. Não é
necessária a decisão da câmara de vereadores. Por outro lado, houve
algumas decepções, com caso de pessoas notoriamente envolvidas com as
práticas mais abjetas e grosseiras de corrupção e que conseguiram
escapar. Mas consideramos que isso faz parte das contradições de uma lei
que já existe no marco legal e agora precisa ganhar a maioria entre os
componentes do próprio poder Judiciário.
Como resolver esse nó das interpretações contraditórias da lei?
É
uma questão cultural. Cada um tem um modo de ver. Há pouco o que fazer
nessa matéria, a não ser persistir na pregação continua de que é preciso
dar a lei da ficha limpa uma interpretação condizente com o que a
sociedade quis quando se mobilizou para conquistá-la. Mas, nesse
sentido, vejo que estamos caminhando.
Com base no que foi aplicado da lei em 2014, deu para perceber uma seleção melhor dos novos congressistas?
Olha,
o fato de uma pessoa não ter condenações não é um atestado de
honestidade. Nesse aspecto, a lei reduziu e muito o número de pessoas
candidatas que têm pendências criminais nessas eleições. Houve uma
redução de mais de 30% do número de políticos que respondem a processos,
o que era superior a 70%. Mas isso, como disse, não significa a
expedição do atestado de honestidade. Em contrapartida, entendo que
temos a pior formação do Congresso, talvez da história.
Por quê?
Porque
se trata de um Congresso que foi eleito quase que exclusivamente pelo
abuso do poder econômico. Não temos mais líderes de opinião no Congresso
Nacional. Não temos líderes de grupos, o voto de opinião. Não é a
expressão de grupos sociais que está representada no Congresso. Estão
representados no Congresso as megas empreiteiras, bancos e agora uma
grande indústria do setor de comércio e exportação de carne (JBS). Os
mega empresários de setores que contratam com o governo. Esse é o rosto
do Congresso Nacional hoje.
Além do fim do financiamento privado das campanhas, que outras regras tornam a disputa eleitoral ainda mais desigual?
Por
uma lado, se permite que cada partido lance um número imenso de
candidatos. Duas vezes e meia o número total de cadeiras em disputa. O
voto é transferido. Vota-se em um, mas o beneficiário será outro.
Suponhamos que um partido conquista duas vagas numa Assembleia
Legislativa: quem terão sido esses dois. A resposta é dada por
pesquisadores da Unicamp, esses dois são os financiados pelas
empreiteiras, pelos bancos. Por isso que o Congresso Nacional não é o
espelho da sociedade brasileira. Por isso precisamos mudar isso. Veja
que eu citei falha do sistema eleitora, que permite essa transferência
de votos, quanto do financiamento. Quando você junta as duas temos o
perfil dessas assembleias legislativas no Brasil.
O que vocês propõem?
Nós
propomos uma votação em dois turnos. Primeiro para dizer em que partido
quer votar, um voto ideológico. Com esse voto, se decide quantas
cadeiras o partido terá. No segundo turno, ele volta para dizer quem
deve preencher aquelas cadeiras. Com isso preservamos o direito do
eleitor de dar a palavra final sobre os eleitos, mas nós agregamos o
aspecto programático que falta. Hoje não há mais programas. Os
candidatos são iguais no discurso.
O esquema descoberto pela operação Lava Jato é um exemplo de como as regras no financiamento de campanha precisam mudar?
Esse
episódio é didático e mostra exatamente como o sistema funciona. Ele se
reproduz para fora da Petrobras em muitos campos. No âmbito dos
governos, dos municípios. Essa prática de trocar favores com
financiadores de campanha para ter dinheiro disponível para ganhar
mandato ela é uma pratica generalizada no nosso modo de proceder
político. E o bom da operação Lava Jato é o quão didática ela é. Não faz
sentido que alguém seriamente defenda o direito das empreiteiras de
bancar eleições após a ocorrência da Lava Jato.
Perfil Márlon Reis
Idade:45
Estudos: Bacharel em Direito. Pós-graduado em Gestão Pública. Diploma de Estudos Avançados em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas pela Universidade de Zaragoza (Espanha). Cursa doutorado na Espanha.
Experiência: Juiz desde 1997. Em 2002, idealizou e fundou, juntamente com lideranças sociais, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
Fonte A Crítica
Visite a pagina do MCCE-MT