Com a verborragia do ódio, Eduardo Cunha não é somente o arauto maior da ruptura da legalidade. Ele defende ideias sombrias sobre a autonomia das mulheres e a condição de família. Não é uma agenda de retrocesso a 1954 e 1964, e sim à Idade Média. Não temos mais fogueiras, mas tais intromissões na vida alheia _como o Estado não reconhecer uma família como família_ também constituem violência que queima as consciências de bem.
Por Mário Magalhães
Nestes dias de ódio e desatino, às vezes a rapaziada derrapa na
história e malha quem não merece. Tome-se o exemplo de Hélio Bicudo,
signatário do pedido de impeachment de Dilma Rousseff. Justa ou injusta,
a proposição não apaga os relevantes e valentes serviços prestados à
nação pelo antigo promotor público. Sem ele, a iniciativa pelo
afastamento da presidente andaria de qualquer maneira. Mas talvez sem
Bicudo o esquadrão da morte jamais tivesse sido enfrentado como foi, nos
anos tormentosos da ditadura. Agora o velho combatente se alia a quem,
no passado, esteve em trincheiras opostas. Gente como Jair Bolsonaro. É
seu direito. Sua façanha e seu destemor estão gravados na memória.
Ninguém tasca.
Michel Temer é caso diferente. Só se assemelha a
Bicudo no ressentimento. Um filho do ex-petista escreveu um relato
pungente sobre como o rancor conduziu o pai à pregação contrária à
soberania das urnas. Acontece, cada um com os seus fantasmas, calos e
cotovelos. Temer nunca foi grande. Sua grandeza de estadista é miragem
pincelada por vários pintores. Entre eles, jornalistas que se
beneficiaram por décadas de informações sopradas pelo atual vice. De
correligionários seus, não precisa nem falar. Os petistas não escapam,
em seu empenho enganador para edulcorar a influência do PMDB no governo.
O
tamanho de Michel Temer é o expresso na mensagem a Dilma. Ele se queixa
dos carguinhos e cargões que seus compadres perderam. O estadista
amuado por vaguinhas no governo? Surpresa? Ora, que virtudes são
compatíveis com o presidente nacional do PMDB? Se sempre se considerou
um vice decorativo, e isso o chateava, por que topou participar da
dobradinha eleitoral em 2014? Para manter os amigos nas altas esferas?
Se quer despachar no Planalto, que batalhe pelo voto popular em 2018.
Mas
seu manifesto _carta é eufemismo_ é muito mais do que um pote até aqui
de mágoas. O ressentido maquinou para que a bomba estourasse no dia em
que a Câmara escalaria a comissão do impeachment. E em que a Comissão de
Ética deveria enfim dar sinal verde ou vermelho ao andamento do
processo de cassação de Eduardo Cunha. Deu no que deu.
Temer
conspira pela deposição da presidente constitucional. Como inexistem
informações sobre conta secreta dela no exterior, criou-se o pretexto
das tais pedaladas fiscais. Quem assinou algumas delas? Michel Temer no
exercício da Presidência. Assim como governantes anteriores tinham feito
a mesma coisa. O vice atua para salvar Eduardo Cunha, o que vale por
uma síntese. Grassa a hipocrisia.
Ou não é hipocrisia trombetear o
“fora, Dilma'' em nome do cerco à corrupção e entregar o leme do golpe
ao deputado que, informam as autoridades suíças e o Ministério Público
brasileiro, mantém depósitos não declarados em paraíso fiscal? FHC e
Lula podiam pedalar, e de repente Dilma não pode. Delcídio do Amaral
roubar na era PT é um vexame, e danem-se os tempos de FHC (o senador já
embolsava o alheio, entregou Nestor Cerveró).
A cara da pujante
escalada do impeachment, contudo, não é a da trajetória honrada de Hélio
Bicudo nem a da pequenez de Michel Temer: dada a truculência, é a de
Eduardo Cunha.
Desde o pronunciamento dos cidadãos em outubro do
ano passado ele trama pela derrubada da presidente. Sobretudo depois que
o PT bateu chapa na disputa pela cabeça da Câmara. A sabotagem da
votação de medidas econômicas contribui para paralisar o país.
A
abertura do processo de impeachment foi vingança decorrente da decisão
de deputados petistas votarem pelo prosseguimento da ação contra Cunha.
Por mais esperta que seja a lábia diversionista, eis a real: o
impeachment progride a partir de ato de Eduardo Cunha, o correntista, na
guerra para não ser investigado e julgado por seus pares. Há pecado de
nascença.
Não sou jurista nem especialista em regimento do
Congresso. Mas observo contrastes. Na decisão do Senado a respeito da
prisão de Delcídio do Amaral, o voto foi aberto. Para escolher a
comissão do impeachment na Câmara, fechado, o que não tem base legal, de
acordo com Ayres Britto, ex-ministro do STF. O voto oculto impede que
os eleitores monitorem o desempenho dos seus representantes. A pressão
do Executivo, o toma-lá-dá-cá, é um risco. Mas cabe aos retaliados
denunciar vendetas imorais.
A Comissão de Ética adiou pela quinta
vez a deliberação sobre Cunha. Lá, os partidários do chefão vão falando,
falando, falando, até que termina o horário, e a sessão é encerrada sem
nada definir. No plenário, aconteceu o contrário. Cunha barrou
deputados que queriam discursar antes da votação da comissão do
impeachment. Ordenou que desligassem o áudio. Microfone fechado,
simbolizando tempos de liberdade ferida.
A verdade é dura, e não
há malabarismo retórico que a esconda: quem está com o impeachment está
com Eduardo Cunha e parceiros dele como Bolsonaro, Paulinho e Feliciano.
Só um mentecapto sustentaria que todos pró-afastamento de Dilma advogam
o mesmo programa primitivo para o Brasil. Mas que todos estão abraçados
com Cunha, em torno da bandeira do impeachment, estão.
Com a
verborragia do ódio, Eduardo Cunha não é somente o arauto maior da
ruptura da legalidade. Ele defende ideias sombrias sobre a autonomia das
mulheres e a condição de família. Não é uma agenda de retrocesso a 1954
e 1964, e sim à Idade Média. Não temos mais fogueiras, mas tais
intromissões na vida alheia _como o Estado não reconhecer uma família
como família_ também constituem violência que queima as consciências de
bem.
Esses pitacos sobre o impeachment não eliminam a avaliação
sobre o péssimo governo Dilma reloaded. A presidente abandonou a base
social que a escolheu, e agora se vê cercada por quem não votou nela em
outubro. O manifesto de Temer reforça a impressão de inépcia política de
Dilma Rousseff. Se alijar o vice de um encontro com autoridade
estrangeira pode magoá-lo, por que não levá-lo? A segunda administração é
desastrosa. Mas cabe aos cidadãos se pronunciarem, em 2018.
Pior
que uma governante ruim eleita pelo povo é um governante, qualquer um,
imposto contra o voto. A oposição venezuelana apostou no golpismo e se
deu mal. Ao se submeter às urnas, aplicou um chocolate histórico no
chavismo. A oposição argentina construiu um programa e um candidato
contra Cristina Kirchner. Triunfo incontestável. A oposição brasileira
quer ganhar no tapetão.
Não são Dilma e seu triste governo que estão em jogo, mas conquistas democráticas de décadas. Presidente se elege no voto.
O
próximo protesto anti-Dilma está marcado para 13 de dezembro. Na mesma
data, 47 anos atrás, a ditadura enfiou o AI-5 goela abaixo. Na reunião
do Conselho de Segurança Nacional que abençoou o ato liberticida, o
coronel Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho, exaltou-se: “Às favas,
senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência''.
Ao testemunhar ladainhas em nome da “democracia'', tendo ao lado Eduardo Cunha, a impressão é que Passarinho fez escola.
Fonte Blog do Mário Magalhães
NO BRASIL NÃO EXISTE OPOSIÇÃO, EXISTEM SABOTADORES E GOLPISTAS. OS COXINHAS MILITONTOS E GOLPISTAS CONVOCAM SUA TROPA DE ACÉFALOS PARA O DIA 13 DE DEZEMBRO SAÍREM ÀS RUAS EM FAVOR DO GOLPE CONTRA A DEMOCRACIA.
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