Por Alberto Dines em 26/01/2016 na edição 887
O oportuno festival de resenhas, reflexões, crônicas e reminiscências
que antecipou a aula-magna sobre jornalismo investigativo produzida
pela equipe do Globe, de Boston, sugeriu a existência simultânea de consensos retóricos, informais e drásticos dissensos, enrustidos.
Saudado em prosa e verso pelo primeiro escalão de pensadores da
imprensa, o “bom jornalismo” revivido no admirável filme não conseguiu
materializar-se como conceito. O bom jornalismo seria o que se
convencionou designar como tal ou exige qualificações mais estritas e
critérios menos vagos ?
Tomando a antológica produção como referência — o bom jornalismo
seria o esforço para investigar, coletar e dar sentido a informações
sigilosas e depois escancará-las para que tudo se esclareça ? Ou é um
ato de bravura para desmascarar poderosos interesses escondidos nos
bastidores do poder ?
Em outras palavras: bom jornalismo é o empenho de proclamar verdades
ou a capacidade de juntar os elementos de uma história de modo
torná-la credível e correta, dentro de uma preocupação básica com a
ética.
Fazer barulho ou fazer justiça, eis a questão.
A revista Época ofereceu excelente contribuição ao debate
sobre a natureza do bom jornalismo nas duas edições mais recentes. Em
matéria de capa e grande estardalhaço na edição 918 de 18/1 o semanário
denunciou a participação de pessoas próximas da presidente Dilma
Roussef — seu ex-marido e amigo, o advogado gaúcho Carlos Araújo —
intermediando a obtenção de favores oficiais para socorrer um dos
empreiteiros encalacrados no petrolão.
Matéria precária, ligeira, claramente insuficiente, exigiu do diretor
de redação da revista uma embalagem caprichada: aproximar a façanha
do Globe à de Época através de um texto introdutório redigido com rara modéstia — “Em busca da história completa”.
Se no lançamento do filme resenhistas e opinionistas não conseguiram
definir em que consiste o bom jornalismo, agora experimentava-se
esclarecer segunda abstração — a história completa. Quem é que define o
momento em que uma carga de informações está pronta para ser publicada e
produzir os imperiosos desdobramentos ?
O enredo de “Spotlight” é extremamente simples, despretensioso:
resume-se à descrição do trabalho anônimo, penoso e solitário da
força-tarefa do Globe ao longo de seis meses para investigar,
coletar, encadear e formatar as denúncias contra os 87
padres-pedófilos de Boston e os seus protetores na hierarquia católica
dos EUA e da Santa Sé.
Quando as rotativas começam a imprimir as primeiras revelações, acaba
o filme. Seguiram-se outras 599 reportagens no mesmo jornal. Com
simplicidade exemplar, diretor, roteiristas, atores e personagens reais
explicaram como é possível identificar a essência do bom jornalismo.
A reportagem de capa da Época edição 918 não obteve qualquer
repercussão. Na edição seguinte da revista, a de número 919″, nem uma
palavra. Evidentemente não era uma história completa.
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Alberto Dines é jornalista, escritor e cofundador do Observatório da Imprensa
Fonte Observatório da Imprensa
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