O ajuste fiscal, que acabou com todos os programas sociais, agora cobrou seu preço. Governador se vê em beco sem saída: PM, sua truculenta protetora, rebela-se
A periferia, onde fica às claras a desigualdade, convive agora com
guerras entre gangues. Grande número de mortes parece estar ligado a
grupos de policiais. Das sacadas, enxerga-se uma realidade que nunca foi
verdade para a classe abastada
Por Mateus Cordeiro
Desde a última sexta-feira (03), o Estado do Espírito Santo vive uma
das piores crises da sua história. Um movimento de mulheres, familiares e
amigos de policiais se concentra em frente aos quarteis da PM capixaba e
impede a saída dos militares para o serviço diário. Na verdade, mais do
que uma simples manifestação dos familiares, trata-se de uma greve
velada da categoria que é constitucionalmente impedida de realizar
qualquer paralização.
As reivindicações dos militares são, principalmente, uma reposição
salarial na ordem de 43%, vale-alimentação, ganho de periculosidade,
readequação do horário de trabalho e também melhores condições para a
prestação do serviço à população. O Governo nega as exigências, se
recusa a negociar e, enquanto isso, a criminalidade cresce
desenfreadamente no Estado. A Polícia Civil diz que não há mais espaço
no IML para contabilizar as 87 mortes – muitas delas, transmitidas ao
vivo graças aos compartilhamentos instantâneos nas redes sociais –
desde o início da paralização dos PMs; com isso o medo e o caos se
espalham em velocidade assustadora. Uma explicita referência a Síndrome do mundo mau,
conceito proposto pelo pesquisador americano George Gerbner, as imagens
transmitidas contribuem para criar um conceito de mundo perverso e
perigoso.
A tragédia capixaba era uma questão de tempo. O Estado, que, até sete
anos atrás, figurava como o segundo mais violento do Brasil, melhorou
muito os seus índices e reduziu o número de homicídios caindo para
“honrosa” décima segunda posição entre os Estados brasileiros que mais
contabilizam mortes violentas. Entretanto, os investimentos foram
realizados basicamente em polícia e não em estratégias que realmente
solucionam o problema da violência a longo prazo, como educação,
assistência social e geração de emprego e renda.
O ajuste fiscal ou política de austeridade, como diz o Governador
Paulo Hartung, que basicamente acabou com todos os programas sociais e
de acolhimento para a população agora cobrou o preço. O Governador,
conhecido nacionalmente pelo modelo eficaz de gestão, viu ruir seu
império construído na base acordos políticos, sucateamento do serviço
público, e muita publicidade institucional. A falta de diálogo é marca
característica das gestões Hartunguistas, que sempre usaram a PM para
punir, bater e dissipar qualquer movimento social que se aproximasse de
seu Palácio, no Centro da capital Capixaba. PH, como é apelidado do
governador pelas ruas do Espírito Santo, se vê em um beco sem saída,
afinal, seus protetores principais agora se rebelam.
O número de homicídios claramente assusta e acontece principalmente
nas periferias da Grande Vitória. Os bairros mais pobres, onde fica às
claras a enorme desigualdade social, convivem agora com guerras entre
gangues que sempre existiram, porém, eram inibidas de atuar nas ruas
iluminadas, graças a PM. Mas não se pode negar: o grande número de
mortes também parece estar ligado a grupos de policiais que se colocam
como justiceiros. Já na parte nobre das cidades capixabas, sucessões de
roubos, saques e o clima de surpresa. É da janela, das sacadas e
varandas, acostumadas com a vista eterna para o mar tão especulada pelas
imobiliárias, que se pode ver uma realidade que sempre existiu na
periferia, mas, que nunca foi verdade para a classe abastada. E não é
filme de Hollywood passando em canal pago, na TV de 52 polegadas. É a
vida real!
A crise é grave e, por enquanto, parece não ter solução. O exército
patrulha as cidades e não passa nenhuma sensação de segurança; o governo
vê seu projeto de cortes sociais em cheque e não abre mão de continuar
reduzindo direitos; a polícia militar não recua e pressiona causando um
efeito dominó com possíveis paralizações de outras categorias; e a
população de baixa renda morre!
Fonte Outras Palavras
Saiba mais
Meus dias em meio ao caos no Espírito Santo.
Diário do Centro do Mundo
Por Sacramento
A violência urbana nunca foi o meu temor número um, talvez
pela sorte de jamais ter presenciado tiroteios, sofrido assaltos ou
abordagens truculentas da polícia.
Depois da paralisação da Polícia Militar iniciada no último
sábado (04) no Espírito Santo, meu estado mental mudou. Passei a me
preocupar com a possibilidade de invadirem o prédio onde moro ou de
enfrentar algum perigo andando na rua.
Com a PM aquartelada a criminalidade explodiu na Grande
Vitória e em algumas cidades do interior, na forma de arrombamentos,
saques, roubos à mão armada e assassinatos.
As notícias de barbárie se espalharam pelo Whatsapp e
Facebook. Primeiro arrastões e assaltos. Depois relatos de tiroteios.
Logo surgiram imagens de corpos. Não demorou e vieram cenas de execuções
de suspeitos de roubo.
Os mais de 90 homicídios registrados entre o sábado e esta
quarta-feira (08) levaram o Departamento Médico Legal à superlotação.
Para piorar o que era péssimo, criminosos roubaram 36 kg de explosivos
de uma pedreira.
Este clima de insegurança enclausurou a população em suas
casas. Ônibus deixaram de circular, escolas, universidades, repartições
públicas, unidades de saúde, bares, lojas e shoppings fecharam as
portas.
Evita-se sair, a não ser por necessidade inadiável.
Profissionais liberais, autônomos e pequenos comerciantes se angustiam a
cada dia que passa sem que possam trabalhar.
A única movimentação acontece nos supermercados, sempre
lotados por causa do horário de funcionamento reduzido e da incerteza
quanto aos próximos dias que leva a população a estocar alimentos em
casa.
Tirando isso, há pouco movimento nas ruas. Regiões
normalmente agitadas durante a semana estão vazias e silenciosas como em
dias de jogo do Brasil na Copa do Mundo. A atmosfera, contudo, é
pesada, tensa.
Senti isso quando saí rapidamente à tarde para ir à
farmácia. Primeiro um medo incomum ao sair de carro da garagem do
prédio, embora nada de anormal tenha acontecido na minha rua até agora.
A esse medo se juntou o desconforto de perceber olhares
desconfiados em minha direção, sinal de que as coisas não estão fáceis
para quem tem os traços físicos do suspeito padrão.
Apesar de tudo, minhas angústias soam até mesquinhas se
comparadas às de amigos e conhecidos que vivenciaram medos mais
concretos, como barulho de disparos à luz do dia e tentativa de invasão
de residência de madrugada.
Da minha prisão domiciliar em um condomínio relativamente
seguro e com acesso a wi-fi, consigo apenas me compadecer com quem está
mais vulnerável. É impossível, para mim, imaginar o pavor de ser
atingido por uma bala perdida ou o tormento de precisar ir à padaria com
um bebê de colo.
Sinto um medo que vem por procuração, por meio de vídeos e
áudios do Whatsapp. Forte o suficiente, porém, para me manter
encarcerado em meio ao caos da Grande Vitória.
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