quarta-feira, 26 de abril de 2017

PIERO CALAMANDREI E A REFORMA ESCRAVOCRATA DESEJADA PELA IMPRENSA


Gostem ou não, os jornalistas serão obrigados a ver os cadáveres que serão produzidos em razão das novidades legislativas que eles desejam. E nós estaremos aqui para mostrar as vítimas que eles ajudaram a enforcar sempre que eles quiserem aplacar suas consciências culpadas cheirando carreiras de cocaína em superfícies espelhadas. 






Por Fábio de Oliveira Ribeiro

A aprovação da reforma trabalhista pela CCJ outorgando ao empregador o direito de reduzir os salários de seus empregados e obrigando estes a trabalhar 12 horas por dia me fez lembrar uma história narrada pelo advogado Piero Calamandrei:

“Na praça há um enforcado condenado a morte pelo juiz. A sentença foi executada, mas era injusta: o enforcado era inocente.

Quem é o responsável pelo assassinato daquele inocente? O legislador, que na sua lei estabeleceu em abstrato a pena de morte, ou o juiz, que a aplicou em concreto?

Mas o legislador e o juiz, um e outro, encontram um meio para lavar a alma, com o pretexto do silogismo.

O legislador diz:- Não tenho culpa por aquela morte, posso dormir tranquilo: a sentença é um silogismo, do qual construí apenas a premissa maior, uma inócua fórmula hipotética, geral e abstrata, que ameaçava a todos mas não atingia ninguém. Quem o assassinou foi o juiz, porque foi ele quem, a partir das premissas inócuas, tirou a conclusão homicida, a lex specialis que ordenou a morte daquele inocente.

Mas o juiz diz, por sua vez:- Não sou culpado daquela morte, posso dormir tranquilo: a sentença é um silogismo, do qual não fiz nada mais que extrair a conclusão, a partir da premissa imposta pelo legislador. Quem assassinou foi o legislador com a sua lei, a qual já era uma sententia generalis, em que estava encerrada a condenação daquele inocente.

Lex specialis, sententia generalis – assim, legislador e juiz remetem um ao outro a responsabilidade; e um e outro podem dormir sonos tranqüilos, enquanto o inocente balança na forca.” (Eles, os juízes vistos por um advogado, Piero Calamandrei, Martins Fontes, São Paulo, 2015, p. 174)

Se aprovada em plenário, as reformas produzirão um efeito imediato. A redução de salários se tornará uma arma empresarial na disputa por mercados. Assim, ao invés de investir em processos e maquinários que aumentam a produtividade e diminuam o desperdício de matéria prima e horas de trabalho, empresas concorrentes reduzirão os salários dos seus empregados para melhorar a competitividade dos seus produtos.

Os empregados de empresas concorrentes serão submetidos a salários cada vez menores. Sempre que um empregador diminuir o preço do produto reduzindo o salário dos seus empregados o concorrente será obrigado a fazer o mesmo. No limite as distorções produzirão um efeito jurídico interessante. Os empregados de empresas concorrentes submetidos à uma espiral decrescente de salários serão submetidos à condições análogas à dos escravos. Mas a Lei Penal que condena este tipo de prática não poderá ser aplicada, pois os empregadores poderão alegar o cumprimento da legislação do trabalho e os efeitos deletérios da competição capitalista.

Não só isto. É cediço que grandes empresas pagam propinas para políticos que defendem seus interesses nas Câmaras de Vereadores e Assembléias Legislativas, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Ao reduzir os salários dos empregados, os donos destas empresas poderão dar mais dinheiro para seus representantes políticos como um incentivo adicional para que eles assegurem mais direitos às empresas e menos direitos aos empregados. E assim, o sistema político se tornará mais e mais opressivo empurrando os prejudicados para a violência criminal e política.

A democracia é um espaço político frágil que depende da convivência pacífica das forças antagônicas. O equilíbrio do sistema entra em colapso quando uma força (empresarial) domina completamente a agenda legislativa para oprimir a outra (o operariado). Lula soube manter este equilíbrio, tanto que durante seu governo as empresas tiveram lucro e os empregados desfrutaram os benefícios do crescimento econômico. Temer desequilibrou a democracia ao apoiar o golpe de estado e quer reequilibrar a economia impondo aos operários reformas que empobrecem a população, permitem a redução de salários como instrumento de concorrência empresarial e reforçam as distorções nefastas do sistema político.

Entre Lula e Temer há um abismo http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/entre-lula-e-temer-um-abismo-de-25-seculos, mas a imprensa ataca o primeiro e protege o segundo. Impossível dizer como os jornalistas conseguem dormir tranquilos. Eles não estão fazendo as leis injustas, nem serão obrigados a assinar as sentenças judiciais que assegurarão o empobrecimento e a morte dos operários em virtude da espiral decrescente de salários. Portanto, a tranqüilidade deles não será garantida pelo silogismo mencionado por Pierro Calamandrei.

Gostem ou não, os jornalistas serão obrigados a ver os cadáveres que serão produzidos em razão das novidades legislativas que eles desejam. E nós estaremos aqui para mostrar as vítimas que eles ajudaram a enforcar sempre que eles quiserem aplacar suas consciências culpadas cheirando carreiras de cocaína em superfícies espelhadas. 

Fonte GGN






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