É bom lembrar que as instituições podem estar funcionando, a questão é, funcionando para qual fim? Para quem? As instituições podem funcionar também em um período de negação absoluta do direito, onde o povo e os juristas poderiam ficar “sem defesa”, desprotegidos, apesar da existência de leis e sua observância, sob determinada forma de compreensão.
Carta Maior
Por João Batista Moreira Pinto1
Em
texto recente, Leonardo Boff - teólogo mundialmente reconhecido por
suas lutas vinculadas à Teologia da Libertação - após descrever a
tentativa frustrada de, junto com o Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel
visitarem Lula, destacou que aquilo era mais uma comprovação de uma
“lógica negadora de democracia num regime de exceção”, ressaltando
entretanto que o Brasil é maior que sua crise, da qual sairíamos
“melhores e orgulhosos de nossa resistência, de nossa indignação e da
coragem de resgatar a partir das ruas e pelas eleições um Estado de
direito”2.
Compactuo
fortemente com essa posição, porém, vislumbrar elementos para um futuro
que esperamos próximo, faz-nos refletir sobre algumas vivências,
contradições e desafios para esse processo de lutas e resistências.
Quando
políticos do PSDB, que contribuíram para o golpe institucional de 2016
como FHC, dizem que as instituições estão funcionando, percebe-se
claramente o interesse daqueles que são corresponsáveis por esse período
de extremismos, onde os direitos são minimizados e subjugados por
outros interesses ligados aos poderes político e econômico, em uma
articulação nacional e internacional. Mas o que é mais surpreendente é
que operadores do direito, como Flávia Piovesan, que talvez por sua
participação no governo Temer e quem sabe por expectativas de
conveniências pessoais futuras, manifestem sua vinculação a essa ideia
de que as instituições “estão funcionando”.
É
bom lembrar que as instituições podem estar funcionando, a questão é,
funcionando para qual fim? Para quem? Devo lembrar aqui que Gustav
Radbruch, grande jurista alemão que se desvinculou do Positivismo
Jurídico em função de seus limites com relação ao nazismo, percebeu que
as instituições podem funcionar também em um período de negação absoluta
do direito, onde o povo e os juristas poderiam ficar “sem defesa”,
desprotegidos, apesar da existência de leis e sua observância, sob
determinada forma de compreensão.
Portanto,
o que é possível antever neste período pós-golpe e de articulação
política para a resistência com base no projeto dos direitos humanos, é
que será fundamental ampliar, em todas as instâncias sociais, nas
instituições do Estado (governo, congresso, judiciário), mas também nos
meios de comunicação e na sociedade civil, o poder daqueles que se
vinculam efetivamente à observância e à implementação de espaços
realmente democráticos e de efetivação dos direitos humanos para todos.
No
contexto do atual golpe institucional, viabilizado com participação
efetiva do poder político e econômico, mas também midiático e judicial,
temos a usurpação do poder legítimo pelos interesses de uma minoria.
Porém, esta consegue fazer-se representar e ter atuação estratégica de
forma a fazer valer seus interesses, infelizmente defendidos por uma
parcela da população que, manipulada, ainda não consegue vislumbrar no
que é apresentado pela rede Globo e
por outros meios de comunicação, os interesses dessas minorias. Isto nos
remete novamente a uma correlação com a estratégia utilizada no período
nazista alemão e, portanto, ao distanciamento das bases democráticas
que podemos observar também em nossa realidade.
Sabemos
que o que vivemos hoje é o resultado de uma articulação desses vários
poderes, exatamente porque foram ameaçados e contestados por um
determinado período de tempo no Brasil e na América Latina; o que levou à
subjugação democrática e jurídica aos interesses de alguns grupos e
setores de poder.
Assim,
os atores democráticos, agora na resistência, se expressando de
diversas formas e de todas as partes do mundo em solidariedade aos
brasileiros, e que no Brasil ocupam as ruas e as redes sociais com suas
manifestações - mas que a mídia tradicional tenta ocultar não fazendo
referências a elas ou minimizando-as - precisam se fortalecer e procurar
ações mais estratégicas.
Sabemos
que nenhum poder é absoluto, sempre há no seio de toda instituição,
pública ou privada, divergências, resistências. Entretanto, o fato de
não vivermos uma normalidade democrática parece limitar as vozes
daqueles que, nos diferentes espaços da sociedade, mesmo não concordando
com os autoritarismos presentes, preferem se manter calados. É
necessário que essas pessoas sintam que não estão sós, portanto, os
núcleos de resistência precisam ser multiplicados em todos os espaços
institucionais e da sociedade civil, inclusive nos familiares.
É
fundamental que consigamos criar instrumentos para que essa resistência
possa ocorrer nos múltiplos espaços sociais e institucionais, no
cotidiano, celebrando as diversas ações e conquistas, assim como
denunciando, cada um de acordo com suas possibilidades, as manipulações e
limitações da realidade produzidas pelos poderes atualmente
hegemônicos.
Só
assim será possível nos prepararmos, atuarmos e vencermos esse período
de autoritarismos e de dogmatismos aliados a visões neoliberais e de
dominação, por meio de um processo de resistência individual e coletivo,
que esperamos, possa prevalecer o mais rápido possível e faça diferença
nas próximas eleições. Que os resultados destas expressem nossas ações,
produções e manifestações críticas a partir desse processo de
resistência, buscando construir as bases para a superação dialética das
ideias e estratégias de dominação que têm prevalecido sobre a
observância dos direitos humanos no atual período de golpe e de
subjugação da democracia brasileira.
1-
Doutor e Pós-Doutor em Direito pela Université de Paris X, Nanterre.
Professor da Graduação e do Programa de Mestrado em Direito Ambiental e
Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara.
Coordenador do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Meio Ambiente e
Sustentabilidade. Diretor do Instituto DH.