E assim se chega à situação atual, em que Fachin se comporta como quem tem uma missão: a de não permitir que Lula exerça livremente sua liderança política, a mais expressiva e poderosa liderança popular.
Na Lava Jato, é tudo muito estranho.
Por Joaquim de Carvalho
O
despacho em que remete para o plenário do Supremo Tribunal Federal o
julgamento do recurso de Lula dá a exata medida de como o Edson Fachin
tem pautado sua conduta quando o assunto é o ex-presidente. Ele força a
barra para tentar derrotar Lula.
E, pelo que escreve, não deseja apenas
que Lula permaneça na prisão, quer que a corte defina já a
inelegibilidade de Lula. E, para que isso aconteça, Fachin inventou —
isso mesmo — um pedido da defesa do ex-presidente.
No despacho, o ministro justifica sua
decisão de enviar o recurso ao plenário com o argumento de que a defesa
de Lula teria solicitado a suspensão de um segundo efeito da decisão do
Tribunal Regional Federal, além da liberdade plena: a inelegibilidade.
No despacho, Fachin alegou três razões
para passar por cima da segunda turma do STF e levar o caso diretamente
ao plenários, entre elas a “exigência expressa do art. 26-C da Lei
Complementar nº 64/90, tendo em vista que se postula o acolhimento do
pedido, suspendendo-se os efeitos das decisões recorridas e
inviabilizando a execução provisória da pena até o final julgamento pelo
Supremo Tribunal”.
O que é a exigência expressa do artigo
26-C da Lei complementar número 64/90? É a de que a corte julgue os
casos em que candidatos condenados por órgãos colegiados recorram, para
suspender a inelegibilidade, “sempre que existir plausibilidade da
pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente
requerida”.
À primeira vista, poderia parecer
benevolência do ministro, que estaria disposto a enfrentar a questão da
inelegibilidade de Lula e conceder o efeito suspensivo, se considerar o
caso. Ocorre, porém, que a defesa de Lula não fez a solicitação, porque
não é o momento jurídico adequado. No pedido de efeito suspensivo, a
defesa tão-somente defendeu a liberdade plena de Lula.
Quando Fachin atribui à defesa de Lula
pedido que ela não fez, qual o objetivo? É claro que é definir de
antemão a inelegibilidade de Lula — e, para isso, ele conta que tem
maioria do Supremo —, o que autorizaria os institutos de pesquisa a
retirar o nome do ex-presidente das consultas e esvaziar por completo a
candidatura de Lula.
Fachin age como um adversário do
ex-presidente, mais até do que um acusador, comportamento típico de
Sergio Moro. Com a fraude consumada de incluir no despacho um pedido que
não foi feito pela defesa de Lula, o ministro interfere no jogo
político, prejudicando Lula e o PT, e beneficiando aqueles que temem a
eleição ou a influência decisiva de Lula na eleição.
O ministro do STF parece agir como um
estrategista político. Além de inventar pedido da defesa, ele escolheu o
fórum em que tem chance de êxito, o plenário do STF, onde Lula não
conseguiu habeas corpus em abril, com a obtenção de 5 votos contra 6.
No plenário do STF, portanto, existe, em
princípio, maioria que não demonstrou nenhuma tendência de acatar pedido
de Lula. Se não acatou habeas corpus, por que concederia efeito
suspensivo da prisão provisória decretada pelo TRF-4?
Além disso, se quer que Lula continue
preso, por que suspenderia a inelegibilidade? Com o recurso levado a
plenário, Fachin mataria dois coelhos com uma cacetada, feito que talvez
não alcançasse se encaminhasse o recurso para a segunda turma do STF, à
qual pertence.
Este seria o caminho natural do recurso, e
desprezá-lo não significa uma falha menor. O princípio de que todo
cidadão seja julgado por um juízo definido por norma constitucional é um
dos dos valores mais caros em uma democracia.
Quando a lei define quem (ou que órgão)
vai julgar quem, evita-se o tribunal de exceção, próprio das ditaduras. A
justiça é cega, todos sabem, mas juízes que ficam de olhos bem abertos
para manter ou trazer para si julgamentos, ou adotar estratégias para
buscar resultados pré-definidos, corrompem o conceito do Poder
Judiciário.
Foi isso que Fachin fez: mandou para um
colegiado que considera mais favorável à sua tendência, já conhecida, de
condenar Lula. E por que Fachin age com empenho pessoal na derrota do
ex-presidente, a quem, com elogios públicos, parecia considerar um
estadista?
Impossível saber, embora haja rumores
sobre erros do passado que poderiam colocá-lo como alvo de chantagem.
Mas são rumores apenas, nada comprovado.
De antemão, se descarta razões
ideológicas, já que Fachin tem um passado de defensor das garantias
constitucionais. E ainda age assim.
Por exemplo, no dia 19 de maio, um mês
depois de negar HC a Lula, concedeu a medida, numa decisão monocrática,
ao ex-prefeito de Tatuí Ademir Signori Borssato, condenado pelo Tribunal
de Justiça de São Paulo por fraude em licitações.
“Concedo a ordem de ofício a fim de
determinar o impedimento recolhimento do mandado de prisão expedido em
desfavor do paciente, sustado a execução da pena privativa de liberdade
(…) até que o Superior Tribunal de Justiça analise os recursos
interpostos”.
Se a motivação para a incoerência de
Fachin não é conhecida, pelo menos se sabe que, no que se refere a Lula,
ele hoje se encaixa em um padrão, o padrão da Lava Jato.
Existe um elo entre todos os principais
magistrados que estão à frente nos casos de Lula, de Curitiba até
Brasília. Todos têm origem no Estado do Paraná.
As decisões de Moro que são contestadas
desaguam, num primeiro momento, na mesa de trabalho do desembargador
João Pedro Gebran Neto, do TRF-4, com quem Moro tem uma amizade que se
tornou pública, com dedicatórias mútuas em livros.
Se uma decisão de Gebran é contestada,
quem vai analisá-la é o ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de
Justiça. Fischer chegou à relatoria da Lava Jato no STJ por um caminho
heterodoxo.
O antigo relator, Marcelo Navarro Ribeiro
Dantas, perdeu a relatoria em dezembro de 2015, antes do impeachment, e
tinha dado alguns votos que contrariavam decisões de Sergio Moro.
À certa altura, foi substituído por
Fisher, que tinha comandado a divergência em alguns julgamentos e, pelo
que se tornou público, havia um havia o entendimento no STJ de que o
ministro vencedor ocupa o lugar do ministro derrotado.
Ribeiro Dantas saiu sem atirar, e, em nota, chegou a dizer que considerava normal a transferência.
Fisher não é um estranho no circuito de Moro.
O filho dele, Octávio Fisher, hoje
desembargador no Tribunal de Justiça do Paraná, era advogado em
Curitiba, quando teve seu nome citado numa denúncia cabeluda sobre
compra de sentenças nos tribunais superiores, entre os quais o STJ.
A denúncia chegou ao conhecimento de
Sergio Moro, num desdobramento de um processo sobre o golpe aplicado
pelo titular do consórcio Garibaldi, da década de 90.
Houve prisões, mas Octávio, citado por um
réu colaborador como participante do esquema de compra de sentença,
saiu ileso. Teve seu nome mencionado em algumas publicações da imprensa,
nada além disso.
Fachin também chegou à relatoria da Lava
Jato no STF, onde analisa as decisões de Fisher que são contestadas,
depois de percorrer uma trilha heterodoxa, um caminho que não era o
natural.
Antes dele, quem respondia pela relatoria
da Lava Jato no STF era o ministro Teori Zavascki, morto em acidente
aéreo em janeiro de 2017, cuja investigação ainda não foi concluída.
Teori fazia parte da segunda turma do
Supremo e, com a vacância gerada pela morte de Teori, Fachin, que era da
primeira turma, se ofereceu para ocupar o lugar de Teori, mas, pela
lei, ele não poderia simplesmente assumir a relatoria por vontade
própria.
Cármen Lúcia, já no início de seu mandato
de presidente do Supremo, determinou um sorteio entre os cinco
integrantes da segunda turma. E quem teve o nome sorteado? Ele, Fachin,
que tinha acabado de se transferir da primeira turma.
E assim se chega à situação atual, em que
Fachin se comporta como quem tem uma missão: a de não permitir que Lula
exerça livremente sua liderança política, a mais expressiva e poderosa
liderança popular.
Na Lava Jato, é tudo muito estranho.