Num país onde bancos cobram juros escorchantes, e se regozijam com lucros bilionários, boa parte da população luta com unhas e dentes para sobreviver com dignidade.
Pragmatismo Político
Por Mailson Ramos*
Existe um ditado popular que diz que a dor é
inevitável, mas o sofrimento é opcional. É um mote altruísta, porém não
condiz com a realidade de quem sofre as mazelas do abandono, da
ausência de proteção diante de uma crise econômica gerada por propósitos
políticos vis e vaidades alicerçadas pela sede de poder. Esta crise que
é mantida por um projeto antipopular e genocida, apresenta a cada dia
mais um bojo no poço da indigência humana no Brasil.
O sofrimento persegue as existências em espectros
fantasmagóricos de ausência do Estado. Não há nada mais doloroso do que
ver uma criança nos semáforos ou um idoso esgueirando-se para dormir nos
bancos dos pontos de ônibus. São marcas de uma mazela social que a
memória não pode apagar. Porque dói e inevitavelmente faz sofrer.
Nenhuma condição é mais desumana do que a incapacidade de sensibilização
de uma sociedade diante de feridas tão severas como fome e o abandono.
Num país onde bancos cobram juros escorchantes, e
se regozijam com lucros bilionários, boa parte da população luta com
unhas e dentes para sobreviver com dignidade. A outra parte, abandonada
pelo Estado e pela sociedade, se esgueira nas calçadas, praças, em
frente às igrejas e, com muita sorte, em albergues. Nestes espaços, a
dor cruenta faz a vida ser amarga, sem propósitos, senão pela
naturalidade do direito enviesado de sofrer, ou, talvez, o dever de
resignar-se.
Nas calçadas de Salvador,
um exército de cidadãos abandonados à própria sorte, rasteja na
iminência da invisibilidade. Homens, mulheres e crianças não vistos por
uma sociedade que, regada pelo ódio de classe, perdeu o senso de
indignar-se contra injustiças e desigualdades. Sob o céu da capital
baiana – e de todas as grandes cidades do país – vegeta uma população
sem rostos, sem identidade, um aglomerado de desabrigados que são as
vítimas primeiras de um governo sanguinário.
Enquanto políticos reacionários e incapazes debatem
o conteúdo curricular e cogitam a ideia de uma escola sem partido,
muitas crianças fora da escola. Em vez de carregar livros e mochilas,
boa parte destas crianças arrasta um isopor com picolés, ou uma caixa
com doces para, como dizem, ajudar sustento da família; em seus rostos
vê-se evidente o sofrimento que não é opcional. Estas crianças não
tiveram escolha, não puderam dizer, ao amanhecer, que queriam estar na
escola.
Muitos dos pais e mães tiveram os seus benefícios
cortados; muitas destas famílias perderam auxílios providenciais para a
manutenção da sobrevivência, ou pelo menos, para sobreviver dignamente.
De igual modo, pais desempregados apelaram para uma prática comum de um
tempo em que, imaginava-se, não voltaria mais: levar crianças para as
ruas e pedir esmolas. É doloroso ver e imaginar as marcas que esta crise
deixará em toda uma geração que poderia ser promissora. O governo que
aí está rasgou as páginas de um futuro próximo como quem tinha o direito
nefasto de decidir o destino nação usando a cartilha dos mais
poderosos.
Homens e mulheres idosos que trará ligaram a vida
inteira jazem nos pontos de ônibus, nas escadarias, no abandono
coercitivo: pelas mãos de uma família pouco amável. Atirados nas duas
sem piedade estes idosos enfrentam a indignidade de desrespeitoso. Diz
outro ditado famoso que a velhice é a coroa dos justos. Se isso for
verdade, no Brasil muitos idosos são injustiçados, abandonados, tratados
como animais. Não é necessário comoção sem razão. O brasileiro precisa
entender os motivos da crise e condoer-se com aqueles que foram
retirados da malha de proteção social, com a destruição dos direitos dos
pobres para encher cada vez mais os bolsos de uma elite sanguessuga e
tacanha.
Renegar neste momento a luta de classes é colocar
mais uma demão de verniz de mentira sobre a realidade brasileira. As
elites estabeleceram com o seu poder um modelo de economia neoliberal e
de austeridade somente contra os trabalhadores. Enquanto isso, o
Judiciário reajusta os próprios salários, concedendo auxílio-moradia a
juízes que tem casa própria. O problema é o Bolsa Família de R$ 89 e não
o teto do judiciário de R$ 39.300. Vive-se no Brasil a realidade do
esmagamento da população mais pobre, massacrada desde sempre; enquanto
isso, privilegiados meritocratas dançam suas valsas sobre esqueletos.
O país está mergulhado num vale de lágrimas que não
se dissipam com medidas de austeridade parciais. O povo já não tem mais
nada a oferecer. Enquanto os poderosos usufruem de nababescos
banquetes, crianças nascem mortas. Enquanto bancos e financeiras lucram
bilhões por ano, quem paga os seus juros vive a dor de não ter o que
comer. O discurso anticorrupção foi bonito somente no espectro da mídia.
Setores inteiros da economia foram destruídos em nome de um punitivismo
seletivo e da inacabável busca por holofotes.
*Mailson Ramos é escritor, profissional de Relações Públicas e autor do site Nossa Política. Escreve mensalmente para Pragmatismo Político.
Fonte Pragmatismo Político
https://www.facebook.com/antoniocavalcantefilho.cavalcante