Os que deram o golpe em 2016 embarcaram num projeto contra o povo. Na verdade, eles não têm nada a oferecer para os milhões de brasileiros que estão às margens do desenvolvimento humano, senão mais empobrecimento e discriminação.
Esta oligarquia de endinheirados, no entanto, não é portadora de esperança e, por isso, é condenada a viver sob permanente medo de que, uma dia, esta situação possa se reverter e perder seus privilégios
Por Leonardo Boff
O Papa Francisco além de ser um líder religioso emerge também como um dos maiores líderes geopolíticos atuais. Ele tem um lado. Não reproduz um discurso equilibrista, próprio dos pontífices passados. Pelo fato de ter claramente um lado, o dos pobres, dasvítimas e
da vida ameaçada, anuncia e denuncia. Denuncia um sistema que idolatra o
dinheiro e se faz assassino dos pobres e depredador da natureza.
Entende-se: é osistema e a cultura do capital. Temos que
ouvir suas palavras porque é de alguém que tem consciência dos riscos
que pesam sobre toda a humanidade e a natureza.
Não se limita à denúncia. Anuncia como se viu indubitavelmente no dia 9 de julho de 2015, por ocasião de sua visita à Bolívia. Realizou-se o II Encontro Mundial dos Movimentos Sociais em Santa Cruz de la Sierra.
Chamou a si os representantes dos movimentos para com eles, que sentem
na própria pele as feridas da exploração, discutir as causas de seus
padecimentos. Nenhum dos papas anteriores teve essa ousadia.
Muitos
representantes brasileiros marcaram lá sua presença. O discurso é um
verdadeiro roteiro para as lutas em direção de um tipo novo de
civilização, já que a nossa está em crescente erosão e não possui
internamente os meios de solução para os problemas ameaçadores que ela
criou para si e para o nosso futuro. O discurso possui duas partes: na
primeira estabelece as metas fundamentais que devem abranger a todos.
São os famosos três T: Terra para morar e trabalhar nela; Trabalho para
garantir o sustento das pessoas; Teto para abrigar as pessoas porque não
são animais ao relento.
A segunda parte é programática e representa um desafio. Diz aos representantes dos movimentos sociais. Resumindo suas palavras, afirma: não esperem nada de cima, dos gestores do sistema vigente,
pois vem sempre mais do mesmo que perpetua e aprofunda a miséria. Sejam
vocês mesmos os protagonistas de um novo estilo de sociedade, com um
nova forma de produção orgânica, sintonizada com a natureza; com uma
distribuição justa dos benefícios e com um consumo sóbrio; sejam os
profetas do novo fundado na justiça social e na solidariedade. E dá três conselhos: façam que a economia sirva à vida e não ao mercado; promovam a justiça social, base para a paz duradoura; e cuidem da Mãe Terra sem a qual nenhum projeto se torna possível.
Estas orientações do Papa Francisco nos iluminam no meio da tormenta de nossa pluricrise atual. O legado desta crise será seguramente um outro tipo de sociedade brasileira, onde as dezenas de movimentos sociais de homens e de mulheres possuirão um protagonismo determinante.
Será um novo tipo de cidadania que regenerará o Brasil. Só cidadãos ativos podem fundar uma sociedade democrático-participativa, sócio-ecológica, como sistema aberto e
sempre perfectível. Por isso, o diálogo, a participação, a vivência da
correção ética e a busca da transparência constituem suas virtudes
maiores.
Fundamentalmente podemos dizer: há no Brasil dois
projetos antagônicos disputando a hegemonia: o projeto dos
endinheirados, antigos e novos, articulados com as corporações
transnacionais que querem um Brasil com população menor do que realmente é. EsteBrasil,
assim, acreditam eles, daria para gerenciá-lo, em seu benefício, sem
maiores preocupações. Os restantes milhões que se lasquem, pois sempre
tiveram que se acostumar a viver e a sobreviver na necessidade.
O outro projeto quer construir um Brasil para todos, democrático, pujante, soberano, ativo e altivo face às preces dos poderosos externos e internos, estes que querem recolonizar o Brasil e fazê-lo mero exportador de commodities.
Os
dois golpes que conhecemos na fase republicana, o de 1964 e o de 2016,
foram tramados e dados em função da voracidade dos endinheirados que não
possuem um projeto de nação, apenas para si, como forma de garantir
seus privilégios.
Os que deram o golpe em 2016 embarcaram
nesse projeto contra o povo. Na verdade, eles não têm nada a oferecer
para os milhões de brasileiros que estão às margens do desenvolvimento humano, senão mais empobrecimento e discriminação.
Esta
oligarquia de endinheirados, no entanto, não é portadora de esperança
e, por isso, é condenada a viver sob permanente medo de que, uma dia,
esta situação possa se reverter e perder seus privilégios.
Eis
a nossa esperança: de que o futuro acabe pertencendo aos humilhados e
ofendidos de nossa história que, um dia – e ele chegará – herdarão as
bondades que a Mãe Terra reservou para todos. Alegres, se sentarão
juntos à mesa, na grande comensalidade dos libertos, gozando dos frutos
de sua resistência, de sua indignação e de sua coragem de mudar. Então
começará uma nova história do Brasil, da qual foram os principais protagonistas, homens e mulheres e da qual nos podemos honrar.