O fato é que as eleições de 2018 (que poderiam ser o início da saída do poço sem fundo que se encontra o Brasil) poderão se transformar num novo abismo. Isto porque as vozes roucas que ecoam das cavernas do ódio, da intolerância, do racismo, do patriarcado, enfim, da Casa Grande, retumbam de duas cornetas: da justiça e da caserna.
Robson Sávio Reis Souza
Doutor em Ciências Sociais,
professor universitário
e membro da Comissão da Verdade de MG
e membro da Comissão da Verdade de MG
Fica cada vez mais evidente que a extrema-direita brasileira partiu
para o confronto e resolveu violar a democracia e a Constituição.
Como é incapaz de vencer as eleições, aliou-se a setores do sistema
de justiça para implementar, a qualquer custo, uma agenda ultraliberal
perversa e cruel num país ainda ferozmente desigual. Resolveu utilizar
da violência das leis (via contrarreformas aprovadas nos últimos dois
anos) e, mais recentemente, ameaça a utilização das armas para tentar
silenciar o povo brasileiro.
Desde 2013, a extrema-direita (agronegócio, grande empresariado e
bancos, setores da justiça e elites políticas, em associação com a mídia
empresarial) começou a sinalizar a recusa à institucionalidade
(constituição, poderes da república e regras procedimentais da
democracia). E partiu para a ruptura...
Na ocasião, o PT estava no poder. E preferiu optar pela
institucionalidade: reforçava o sistema de justiça; apoiava legislações
(draconianas) que vitaminavam os setores fascistas desse sistema;
apostava no Supremo como guardião da Constituição; enfim, fazia o jogo
republicano do respeito às instituições que, paulatinamente, eram
carcomidas pela sanha persecutória e inquisitorial de juízes, promotores
e policiais, “com o Supremo, com tudo”.
A coalizão de extrema direita, com o impeachment sem crime de
responsabilidade urdido numa cruel conjuntura política (iniciada com as
jornadas de junho de 2013 e aprofundada com a recusa dos resultados das
eleições de 2014 pela turma de Aécio Neves) e grave crise econômica,
desmontava todas as possibilidades de pactuações futuras com vistas à
restauração da democracia.
Para justificar o assalto democrático, dois discursos oportunistas,
usados em doses cavalares, foram cuidadosamente construídos pela mídia
empresarial: o primeiro se referia à corrupção. Contra a corrupção, o
Brasil foi entregue à camarilha mais corrupta da história.
O outro, mais recente, é o discurso da polarização. Para justificar o
fascismo enrustido que ainda continua dentro do armário de muitos
“cidadãos de bem”, essa narrativa autoritária tenta comparar um
candidato fascista com outro do campo democrático.
É óbvio que o antipetismo cimenta esses dois discursos hipócritas,
construído a rigor para “homens de bens” e “bons cristãos”. Não à toa,
líderes religiosos, sem nenhum escrúpulo, apoiam o candidato de
extrema-direita. Conhecemos muito bem essa história: 1964 é logo ali...
O fato é que as eleições de 2018 (que poderiam ser o início da saída
do poço sem fundo que se encontra o Brasil) poderão se transformar num
novo abismo. Isto porque as vozes roucas que ecoam das cavernas do ódio,
da intolerância, do racismo, do patriarcado, enfim, da Casa Grande,
retumbam de duas cornetas: da justiça e da caserna.
Em relação aos militares, é bom lembrar do malfadado pacto entre
elites articulado no processo da redemocratização - que foi cantado em
prosa e verso como o grande acordo nacional (também naquela época com o
supremo, com tudo): como se não bastasse a lei da anistia, ainda se
permitiu às Forças Armadas a responsabilidade pela garantia da
Constituição e da lei e da ordem (artigo 142). Ou seja, entregou-se de
bandeja aos militares a tutela do país. Um arranjo genuinamente
brasileiro.
Agora, o "coiso" não cansa de dizer nos microfones de discípulos de
Goebbels da mídia empresarial que não aceita o resultado das eleições
caso não seja o vencedor. Ou seja, o capitão e o seu vice (o general -
que parece não aceitar qualquer insubordinação de seu comandado)
sinalizam que tramam novamente contra as regras mais comezinhas da
democracia, como fez Aécio, em 2014. Como diz o ditado popular, “onde
passa um boi, também passa uma boiada”.
O ex-ministro Celso Amorim, figura de proa dos segmentos
democráticos, garante que esses roncos não redundarão em outros jogos
oportunistas e autoritários se Haddad vencer o pleito. Lembro-me que
José Eduardo Cardoso também garantia que o Supremo daria um basta à
quebra da institucionalidade à época do impeachment. Aliás, parte dos
setores de esquerda, paradoxalmente, continuam a apostarem na
institucionalidade.
Com claros sinais de manutenção da ruptura institucional pelos
setores da extrema-direita - que já colocaram a democracia para
escanteio faz muito tempo -, será que há espaço para um novo pacto no
país, nas condições atuais?
Tomara que eu esteja redondamente enganado...
Fonte Brasil 247