Bolsonaro, com seu séquito de enlouquecidos, precisa ser exorcizado, combatido e barrado no seu messianismo demencial dos que não conseguem governar e não conseguem produzir o bem-estar para o povo. O povo organizado e mobilizado, nas ruas, deve construir os diques de contenção para impedir que a fúria destruidora de um governo sem propósitos devaste as poucas conquistas civilizatórias do Brasil.
Por Aldo Fornazieri, Cientista político e professor da
Fundação Escola de Sociologia e Política (FESPSP)
Constantino Magno foi o
primeiro potentado que atribuiu seu triunfo ao Deus cristão. Com efeito,
no dia em que ele enfrentou o imperador usurpador Magêncio, na Batalha
da Ponte Mílvia, em 312, mandara pintar, ao amanhecer, uma cruz sobre os
escudos de seus soldados depois de ter sonhado durante a noite ter
visto uma cruz com a inscrição "In hoc signos vences". A partir disso, o
cristianismo se tornou religião oficial do Império e, ao longo dos
tempos, imperadores, reis e governantes não se cansaram de massacrar
povos, cometer atrocidades, escravizar e regar a terra com rios de
sangue em nome de Deus e de Cristo Jesus, pois seriam escolhidos por
Eles.
No início da Era Moderna, provavelmente o mais famoso "eleito de
Deus" foi Oliver Cromwell, líder da Revolução Inglesa, tão bem retratado
pelo historiador Christopher Hill. Chefe da primeira revolução burguesa
moderna, Cromwell foi capaz de grandes feitos militares e políticos e
de grandes vilanias. Regicida, em 1649 mandou executar Carlos I "com a
cora na cabeça". Morto em 1658, e com a restauração monárquica em 1661,
teve seu corpo desenterrado, exumado e enforcado em praça pública.
Ele mesmo, Oliver Cromwell, considerava-se um predestinado, um eleito
de Deus, e se definia como um Moisés dos puritanos. Teria a missão de
liderar os povos do mundo sob a bandeira inglesa. Baluarte da defesa das
liberdades individuais, foi amado e odiado pelas multidões. Lançou os
alicerces do império britânico, mas sob seu governo a Inglaterra fez as
guerras coloniais, construiu o monopólio do tráfico de escravos, saqueou
a Índia, oprimiu a Irlanda, tudo isso para tornar-se um império
mundial. Por qual razão Deus teria escolhido Oliver e a Inglaterra para
derramar tanto sangue e cometer tantas atrocidades tendo como
contrapartida tantos sofrimentos e mortes de pessoas de outros povos? A
presunção dos "eleitos de Deus" tem o tamanho de seus crimes.
Jair Messias Bolsonaro vinha se apresentando e era apresentado,
principalmente por pastores neopentecostais, como um "eleito de Deus"
ainda durante a campanha eleitoral. É possível encontrar vídeos de
pregadores da Congregação Cristã, postados antes das eleições,
anunciando que Bolsonaro era escolhido por Deus. Logo depois das
eleições, o próprio Bolsonaro e vários pastores, dentre eles Silas
Malafaia, anunciaram que sua vitória foi manifestação da vontade de
Deus. Esse mesmo Deus impediu que Bolsonaro perecesse ao receber a
facada. Antes mesmo de receber a facada, em agosto de 2018, Messias
anunciou numa sabatina da GloboNews: "Estou cumprindo uma missão de
Deus". Em janeiro de 2019, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes
Freitas, também anunciou que "Bolsonaro é um escolhido de Deus". E,
finalmente, agora, Bolsonaro posta um vídeo de um pastor desconhecido,
gravado há um mês, anunciando que ele "é um eleito de Deus", o líder de
uma grande revolução, de uma grande transformação, um liberador de povos
comparável a Ciro o Grande, fundador do Império Persa. Esse pastor não
terá o perdão de Deus e nem do espírito de Ciro por tamanho
despropósito.
Com essas atitudes e presunções fantasiosas, a situação do Brasil
torna-se ridícula e desesperadora, risível e assustadora, ao mesmo
tempo. Bolsonaro, junto com seus devotos, parece oscilar entre a
insanidade e o messianismo. Ou melhor: quanto mais se torna evidente o
seu desgoverno, quanto mais o Brasil caminha para o abismo, quanto mais a
economia trava, quanto mais o desemprego cresce, mais Bolsonaro é
possuído por um messianismo insano.
Os "eleitos de Deus" do passado, de alguma forma ou de outra, foram
líderes fortes e audazes. Foram capazes de grandes feitos e de grandes
crimes. Construíram a grandeza de seu poder e de seus Estados e
promoveram tragédias sangrentas contra parte de seu povo e de outros
povos. Bolsonaro não é capaz de nada disso porque é um incapaz como
líder e como político. Dissipou quase 30 anos no Congresso sem ter feito
nada de significativo. Como militar, não foi um grande general, não
comandou exércitos, não venceu uma guerra. Chegou apenas a capitão e
quase foi expulso do Exército por atos de indisciplina e deslealdade.
Como esperar ou acreditar que uma pessoa com este histórico e este
perfil poderia ser um grande líder, um grande presidente? O que fez de
mal o povo brasileiro, sempre explorado e oprimido, para merecer tal
presidente? Ou será que Deus deu ao povo brasileiro este presidente para
que ele acorde de seu sono eterno e faça a sua revolução?
De acordo com os evangelhos "os eleitos de Deus" são aquelas pessoas
escolhidas por Ele para cumprir os propósitos divinos. São pessoas
predestinadas para, através de suas obras, realizarem os planos do
Senhor. Se Bolsonaro é o "eleito de Deus" então isto significa que Deus
quer a destruição do Brasil, a destruição da economia, dos direitos, dos
empregos, do meio ambiente, da cultura, da educação, do ensino, da
pesquisa, das universidades e da civilidade. Significa que Deus quer a
desmoralização do Brasil no mundo por ter um presidente desprezado e
rejeitado por todos.
O grave de tudo isto é que muitos pastores enganam os seus fiéis
fazendo-os crer na insanidade de que Bolsonaro é um "eleito de Deus".
Esta mistificação conservadora e enganadora, patrocinada por muitos
pastores e igrejas neopentecostais, precisa ser enfrentada, desmascarada
e desnudada. O grande mal contra as liberdades, o mal da enganação,
está infiltrado em muitas igrejas e na boca de muitos pastores, padres e
bispos. Combater esses enganadores, estes vendilhões do Templo, não
significa combater a religião e a fé das pessoas. A liberdade religiosa é
um pilar da democracia. Mas a mistificação e a enganação não é
liberdade religiosa. É destruição da democracia. É exploração
despudorada de fiéis pobres que vão à busca de uma esperança, de um
apoio, de um conforto no mundo para suas almas angustiadas. Ao mesmo
tempo em que se combate os mistificadores da fé é preciso dialogar com
os pastores e as igrejas sérios, que fazem um trabalho honesto em
benefício do povo. É preciso organizar as periferias, fazer política nas
periferias, buscar saídas concretas para aqueles abandonos e
abandonados.
A prudência recomenda que se desconfie sempre daqueles que dizem agir
com mandato divino, que se anunciam "eleitos de Deus". Veja-se o caso
de João, que se dizia João de Deus. Um grande pecador, um predador
sexual, um covarde despudorado que provocou a infelicidade e a dor de
centenas de mulheres.
Aqueles que misturam fé e política devem ser colocados sob suspeita.
Maquiavel, secundado por Max Weber, recomendava que aqueles que querem
salvar almas se afastem da política. A política é o lugar da perdição
das almas. A política, geralmente, conduz ao reino do pecado, do
demônio, e, em última instância, da violência, da violação dos
mandamentos. O mais provável é que os arautos de Deus na política sejam
lobos em pele de cordeiros, sejam obradores do demônio.
A política deve ser o lugar do laicismo, da civilização terrena, da
humanização dos seres humanos e da conquista liberdade. Deve ser o lugar
da imaginação e da esperança. Deve ser o lugar dos direitos, da justiça
e da igualdade. Nenhuma religião, nenhum pregador e nenhum "eleito de
Deus" tem o direito de revogar o sagrado conteúdo laico, profano e pagão
da política. Por isso, Bolsonaro, com seu séquito de enlouquecidos,
precisa ser exorcizado, combatido e barrado no seu messianismo demencial
dos que não conseguem governar e não conseguem produzir o bem-estar
para o povo. O povo organizado e mobilizado, nas ruas, deve construir os
diques de contenção para impedir que a fúria destruidora de um governo
sem propósitos devaste as poucas conquistas civilizatórias do Brasil.
Fonte Brasil 247