Bolsonaro não acredita em ciência e não sabe identificar o interesse nacional. Por isso, propõe o descaminho piromaníaco que significará isolamento diplomático, retaliações comerciais, pobreza, escassez, sofrimento para os povos originários e para a população mais pobre, bem como erosão da nossa soberania sobre a Amazônia e nossos recursos naturais. Um descaminho que nos envergonha perante o mundo.
Por Marcelo Zero
Bolsonaro tem um conceito sui generis de soberania.
Bate continência para a bandeira norte-americana, segue a Trump como
um pequeno e submisso vira-lata, deseja entregar a Amazônia para a
exploração de empresas mineradoras estrangeiras, vende a Petrobras e o
pré-sal, aceita a venda da Embraer à Boeing, submete nossas Forças
Armadas ao Comando Sul dos EUA, entrega a Base de Alcântara para os
norte-americanos, mas se insurge contra as perigosas ONGs ambientalistas
e os índios, que “não falam nosso idioma”.
Bom, a maior parte dos nossos índios fala português. Talvez não fale
inglês. Talvez seja esse seu pecado. Fossem nossos povos originários
louros de olhos azuis que citassem Shakespeare, não haveria problema em
que controlassem cerca de 14% do território. Se usassem o dólar, melhor
ainda.
Fossem as ONGs ambientalistas igrejas evangélicas que ensinassem aos
índios as delícias do capitalismo predatório, também não haveria
quaisquer interferências em nossa soberania, sob sua ótica.
E, fosse o civilizado Macron o grosseiro Trump, o vira-lata estaria há muito com o rabo ente as pernas.
O problema principal de Bolsonaro é que ele é mais atrasado que o atraso brasileiro.
Setores atrasados do agronegócio, mesmo desejando mais terras e certa
impunidade ambiental, sabem que não podem extrapolar certos limites,
por medo de perder mercado para suas exportações. Querem continuar a
faturar em dólares e euros.
Mas Bolsonaro ultrapassou todos os limites.
Já durante a campanha afirmou que não demarcaria um centímetro de
terra para índios e quilombolas. Disse que a Amazônia só teria sua
soberania assegurada através da exploração comercial. Disparou suas
baterias contra a “indústria de multas” do Ibama.
Junto com seu chanceler pré-iluminista, e emulando Trump, colocou em
dúvida o aquecimento global, taxando-o de ideologia associada ao
“marxismo cultural”. Ameaçou retirar o Brasil do Acordo de Paris.
No governo, tentou acabar com o Ministério do Meio Ambiente. Não conseguiu, mas o enfraqueceu bastante. E fez muitas otras cositas más.
Com efeito, em poucos meses, o governo Bolsonaro:
- enfraqueceu o Ministério do Meio Ambiente, deslocando a Agência
Nacional de Águas para o Ministério do Desenvolvimento Regional e o
Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura;
- anunciou a revisão de todas 334 Unidades de Conservação brasileiras, ameaçando-as de redução ou extinção;
- colocou um freio na fiscalização ambiental, o que provocou uma queda de 34% no número de multas aplicadas pelo Ibama;
- iniciou
o desmantelamento da Política Climática, com seguidas declarações
contra essa política global, inclusive do Ministro do Meio Ambiente,
Ricardo Salles, que define o tema como "acadêmico" e "não prioritário";
- atacou o Fundo Amazônia e seus principais financiadores, como Alemanha e Noruega, recorrendo, inclusive, a acusações falsas;
- atacou
e enfraqueceu os órgãos de controle ambiental, em especial o Ibama e o
ICMBio, bem como questionou os dados de monitoramento do INPE, o que
resultou na demissão de seu responsável;
- tentou esvaziar a Funai, deslocando a função de demarcar terras indígenas para o Ministério da Agricultura; e
- recusou-se a sediar a COP-25.
Tudo
isso foi a senha para o “liberou geral” piromaníaco que acontece na
Amazônia. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE), entre 1º de janeiro e 24 de agosto deste ano, teriam ocorrido
79.513 focos de incêndio na Amazônia Legal. Tal cifra é 82% superior aos
focos registrados no mesmo período do ano passado e a mais alta dos
últimos sete anos. A tendência é que a situação piore, nos próximos
meses, pois muitas áreas que já foram derrubadas ainda não foram
incendiadas.
Esse antiambientalismo pré-científico, irracional e entreguista do
governo Bolsonaro contrapõe-se aos grandes avanços civilizatórios feitos
nessa área em governos anteriores, particularmente os do PT.
Entre 1995 e 2004, a média anual de desmatamento na Amazônia Legal
foi de 20,7 mil quilômetros quadrados. Entretanto, após a implantação,
em 2004, da Política Nacional sobre Mudança de Clima e do consequente
Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia
Legal (PPCDAm), ocorreu redução sistemática e intensa das taxas anuais
de desmatamento na Amazônia Legal.
Dessa
forma, em 2012, no governo Dilma, o Brasil teve o menor índice de
desmatamento de sua história documentada. A redução do desmatamento no
Brasil chegou a espantosos 76,27%, em relação aos níveis praticados até o
início deste século. Em consequência, as emissões de CO² despencaram de
3,453 bilhões de toneladas, em 2004, para 1,368 bilhão de toneladas, em
2015, último ano do governo do Partido dos Trabalhadores.
Mesmo com essa queda brutal nas taxas de desmatamento, a safra de
grãos brasileira aumentou de 112,7 milhões de toneladas, em 2005, para
209,5 milhões de toneladas, em 2014, o que significa que o Brasil não
precisa desmatar para produzir alimentos e outros bens. Basta investir
em tecnologias sustentáveis.
Os retrocessos, portanto, não se justificam.
No período 2012-2014, a média anual de desmatamento na Amazônia Legal
foi de apenas 5,1 mil quilômetros quadrados, um pouco menos de ¼ da
média do decênio 1995-2004 (20,7 mil). Um feito notável.
Já no período 2016-2018, após o golpe e com a recessão econômica
definitivamente instalada, a média anual subiu para 7,6 mil quilômetros
quadrados, o que acendeu o sinal amarelo, na questão do desmatamento da
Amazônia.
O que se viu, agora, porém, no governo Bolsonaro, é um gritante sinal
vermelho de que o desmatamento volta a ficar em total descontrole.
Estimativas realizadas por pesquisadores do INPE demonstram que, no
governo Bolsonaro, caso o descontrole prossiga, o desmatamento na região
amazônica poderia subir para 25,6 mil km²/ano. Ou seja, com Bolsonaro, o
desmatamento na Amazônia poderia até ultrapassar a média histórica do
decênio 1995-2004, que, como vimos, foi de 20,6 mil km².
Caso esse descontrole se mantenha, em uma década isso seria o
equivalente a área do Reino Unido inteira em desmatamento. Mais: 18%
desse impacto ocorreria dentro de áreas protegidas, como reservas
indígenas e parques nacionais. A taxa prevista seria cerca de 8 vezes
maior do que a meta proposta pelo próprio governo, em 2009, de chegar a
3,5 mil km² em 2020.
Em outras palavras: com Bolsonaro estamos ameaçados de perder o
avanço histórico realizado nos governos do PT na área ambiental e de
descumprir todas as nossas metas e compromissos internacionais relativos
ao combate ao efeito–estufa.
Ao contrário do que Bolsonaro e sua turma de piromaníacos
microcefálicos dizem, esses compromissos não foram impostos ao Brasil. O
Brasil os adotou de forma livre e espontânea porque chegou à conclusão
de que isso convinha aos seus interesses.
Segundo o primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN1) do Painel
Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), divulgado em 2014, o Brasil,
como boa parte dos países tropicais, será gravemente afetado pelas
mudanças do clima, caso nada for feito.
No caso específico do Brasil, verificou-se que o prosseguimento do
aquecimento global alteraria fortemente o regime pluviométrico, com
aumento das inundações na região Sul-Sudeste e intensificação dos
períodos de seca no semiárido nordestino, no cerrado e na região
amazônica. A Amazônia, fundamental para o equilíbrio do clima
continental, poderia passar por um processo de savanização, provocado
pelo aumento da evapotranspiração. Com isso, vastas regiões de cerrado e
perderiam sua preciosa fonte de água, com fortíssimos prejuízos para a
atividade agropecuária brasileira.
O Relatório destaca também que “estudos observacionais e de modelagem
numérica sugerem que, caso o desmatamento alcance 40% na região
amazônica, esperam-se mudanças drásticas no ciclo hidrológico, com
redução de 40% na pluviometria durante os meses de julho a novembro,
prolongando a duração da estação seca, bem como provocando aquecimento
superficial em até 4ºC”. Ou seja, mesmo sem mudanças climáticas globais,
o desmatamento, por si só, já seria suficiente para alterar todo o
ciclo hidrológico do país.
Evidencia-se, assim, que o investimento no meio ambiente equilibrado e
no desenvolvimento sustentável, em vez de ser concessão a outros
países, é, na verdade, diretriz imposta pelo mais alto interesse
nacional.
Para o Brasil, a inexorável transição para uma economia de baixo
carbono representa muito mais oportunidades do que riscos e custos, ao
contrário do que ocorre na maior parte dos países, especialmente dos
países já desenvolvidos, que têm, em geral, matriz energética mais suja,
baixa biodiversidade e um histórico passivo ambiental que supera em
muito o nosso.
Nosso país, que tem 20% da biodiversidade internacional e 13% da água
doce do planeta, a maior potência ambiental do mundo, poderá ampliar
suas vantagens comparativas na economia internacional, se nos próximos
anos continuar a incorporar a sustentabilidade ambiental como parte
fundamental da estratégia de consolidação do seu desenvolvimento. Observe-se que o custo da inação diante das mudanças climáticas, por
afetar mais intensamente a produção de alimentos, recairia mais
fortemente sobre a população mais pobre, com consequências sociais
desastrosas.
Portanto, a melhor forma de assegurar nossa soberania, especialmente
na região amazônica, é promover a exploração sustentável da
biodiversidade e dos recursos naturais. Nossa geração e a as futuras
gerações auferirão de muito mais renda e poderão contar com mais e
melhores empregos, mediante essa estratégia sensata e moderna.
Só que Bolsonaro não acredita em ciência e não sabe identificar o
interesse nacional. Por isso, propõe o descaminho piromaníaco que
significará isolamento diplomático, retaliações comerciais, pobreza,
escassez, sofrimento para os povos originários e para a população mais
pobre, bem como erosão da nossa soberania sobre a Amazônia e nossos
recursos naturais. Um descaminho que nos envergonha perante o mundo.
Aliás, o capitão, que não parece acreditar na ciência, esmera-se na triste arte de nos fazer passar vergonha.
Ultimamente, dedica-se a xingar Macron e a ofender a primeira dama
francesa. Confunde soberania com total falta de compostura. Todo mundo
percebe que, como Chefe de Estado, é um pequeno deputado do baixo clero.
É motivo de chacota planetária e torna o Brasil pária mundial.
Provavelmente, segue instruções de Trump, que tem interesse em
bombardear o acordo Mercosul e UE e o programa do submarino nuclear que o
Brasil tem com a França.
Bolsonaro não está apenas colocando fogo na Amazônia, está queimando nossa soberania, nossa imagem e nosso futuro.
O lema de seu governo deveria ser Pátria Queimada, Brasil.
Fonte Brasil 247
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