A ficção pode nos ajudar a entender o que está acontecendo e, quem sabe, funcione até melhor do que as advertências provenientes da História.
Por Henry Bugalho é formado em Filosofia pela UFPR
e especialista em Literatura e História
Eu adoraria acreditar que nós, como sociedade, aprendemos alguma coisa com a História e, deste modo, com os acertos e erros pretéritos.
e especialista em Literatura e História
Eu adoraria acreditar que nós, como sociedade, aprendemos alguma coisa com a História e, deste modo, com os acertos e erros pretéritos.
No diálogo platônico “Timeu”,
vemos o personagem inspirado no ateniense Sólon ouvir de um sábio
egípcio que “os gregos não passam de crianças”, dando a entender que, ao
contrário dos egípcios, os gregos eram um povo sem memória, sem
História, sempre começando de novo.
Assim como no texto de Platão, também
tenho esta impressão, que somos sempre crianças, sem memória, em parte
por ignorância, em parte por negligência. Não damos o devido valor às
grandes lições históricas, mas, frequentemente, sequer as conhecemos. Um
grande erro foi, por exemplo, a ampla anistia aos crimes cometidos por
agentes do Estado durante a ditadura militar no Brasil. Tentar apagar o
erro sem precisar retificá-lo.
A nossa incapacidade de lidar com a
barbárie dos anos de chumbo, de confrontar este passado, é justamente
aquilo que permite hoje a manifestação de um mórbido saudosismo pela
ditadura. Pouco mais de 30 anos depois da redemocratização, vemos
pessoas nas ruas e na política clamando pela repressão, por um novo
AI-5, por golpes de Estado, por rupturas institucionais.
O mais surpreendente é que não estamos
sozinhos nessa onda. Mesmo em países onde a memória histórica foi
cultivada nas escolas e na vida pública, também é possível perceber esta
nova marcha autoritária; mesmo na Alemanha, talvez o país que mais
sofreu com esta culpa coletiva pelos grandes horrores perpetrados em
nome de uma ideologia nefasta, também encontramos grupos flertando com
uma retórica assustadora.
Em 2012, foi lançado o livro, depois adaptado também ao cinema, Ele está de volta,
de Timur Vermes. Esta trama de humor negro nos mostra o retorno, aos
dias de hoje, do ditador Adolf Hitler, surgindo numa Alemanha
contaminada por um sentimento xenófobo e repleta de ressentimento. Ao
contrário do que poderíamos imaginar, esta nova volta de Hitler, vista
como piada por muita gente, vai gradualmente se infiltrando no
imaginário alemão atual e se naturalizando. “Ele diz o que todos nós
pensamos”, é uma frase que perpassa toda a obra, “ele (Hitler) não se
curva ao politicamente correto”.
Uma série que também explora este espírito populista e autoritário é Years and Years,
da BBC em parceria com a HBO. Ao longo de seus seis episódios, eles
tentam fazer uma projeção de como serão os próximos anos no Reino Unido e
no mundo. Mais uma vez, visualizamos exatamente a mesma retórica
excludente e perigosa, de confronto “ao politicamente correto” e que, no
fundo, é uma defesa aberta do discurso racista e intolerante. Não é uma
projeção animadora, embora seja bastante realista.
A ficção pode nos ajudar a entender o que está
acontecendo e, quem sabe, funcione até melhor do que as advertências
provenientes da História.
“Nunca mais” foi um dos slogans repetidos
após o Holocausto, uma advertência também explicitada no artigo
“Educação após Auschwitz” de Theodor Adorno, que defende a necessidade
de jamais nos esquecermos do que ocorreu.
Mas nós nos esquecemos. Não estamos
observando os alertas. Estamos desprezando os padrões. Somos sempre
crianças, e foi justamente o ideal do vigor da juventude um dos
nutrientes essenciais do fascismo — lembremo-nos da Juventude
Hitlerista, pois os jovens são o futuro da ideologia, são “quadros em
branco” nos quais devemos inculcar a grandiosa mensagem do líder
incontestável.
Devemos resgatar a memória da barbárie e dela extrair suas mais cruciais lições, pois o futuro não precisa ser o passado.
E que repitamos sempre: nunca mais!
Fonte Carta Capital