"Mais do que um crime isolado, a bala alojada no pulmão do senador Cid
Gomes é o sintoma mais contundente de que já não vivemos somente a
irremediável discórdia; a abominável intolerância; a repugnante
truculência emanada pelo poder. A barbárie já começou", diz o colunista
Ricardo Bruno
Por Ricardo Bruno
Em que pese o destempero flagrante na tentativa de resolver
uma greve na marra e na força de uma retroescavadeira, o tiro disparado
contra senador Cid Gomes é o sintoma mais eloquente da perigosa ruptura
do tecido social do país, esgarçado pelos ataques frequentes e
imoderados do presidente Bolsonaro. A cada dia, descemos um degrau em
direção à absoluta falta de limite no trato das naturais diferenças da
sociedade brasileira. O insulto ignóbil, a palavra torpe, a vilania
abusiva da autoridade máxima da República contribuem para firmar no
inconsciente coletivo da sociedade a certeza de que tudo pode e deve ser
feito contra aqueles que se antepõe à nossa visão de mundo.
Assim, multiplicam-se as ofensas a comunistas e esquerdistas em
geral; disparam as agressões a lésbicas e gays; proclamam-se mortes
decorrentes da ação policial como troféu; difundem a difamação como
método; confrontam o adversário não para vencê-lo. mas para eliminá-lo.
Neste torvelinho de ódio, ergue-se, por fim, a versão caluniosa que,
exposta nas redes sociais por falanges robotizadas, substitui a verdade,
obtendo mais força do que o próprio fato. Às avessas, confirma-se o
vaticínio de Nietzche: “Já não há fatos, apenas versões”. A história do
país está se tornando uma fábula, construída na deliberada distorção da
verdade a partir da presidência da república e de seus acólitos.
As agressões misóginas à repórter da Folha são uma página desta
fábula tenebrosa em que tentam transformar nossa história. Por mais
repugnante, o ato não é isolado. Não resulta de um deslize ocasional; é
parte de um enredo cujo epílogo é a demolição dos alicerces democráticos
do país.
Mais do que um crime isolado, a bala alojada no pulmão do senador Cid
Gomes é o sintoma mais contundente de que já não vivemos somente a
irremediável discórdia; a abominável intolerância; a repugnante
truculência emanada pelo poder. A barbárie já começou. E só será
contida pela ação enérgica do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal
Federal. Se as instituições, neste momento, não puserem freios a esta
degradação de métodos e princípios, a Nação mergulhará numa crise sem
precedentes, levando de roldão a maior conquista da sociedade
brasileira: a democracia - construída na luta dos que ofereceram a vida
contra o arbítrio de 64 e edificada na Constituição cidadã de 88.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tem-se mostrado preocupado com
atual escalada de gestos e ações que comprometem o regime democrático.
Não será improvável que, a curto prazo, proclame posições duras de
oposição aos arroubos autoritários presidenciais. Na mesma linha,
espera-se uma nítida tomada de posição dos ministros do Supremo –
guardiões finais dos princípios democráticos liberais de Tocqueville,
pilares da Constituição Brasileira.
Neste momento, os democratas de todos os matizem precisam
estar juntos. Para além das batalhas eleitorais, a unidade é essencial
para derrotar a barbárie e garantir a integridade da democracia
brasileira. Churchil, Roosevelt e Stalin já nos ensinaram que é
necessário grandeza quando se tem pela frente um adversário ardiloso. A
gravidade do momento não permite erros tampouco vaidades. Exige ação!
Fonte Brasil 247